postado em 20/01/2009 08:47
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, negocia nos bastidores a derrubada do general Jorge Armando Félix da chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ministério ao qual a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) está vinculada. A operação, costurada desde a queda de Paulo Lacerda da direção-geral da Abin, conta com o apoio de parte da cúpula do Exército e de setores do serviço secreto insatisfeitos com Félix. A negociação deve ser deflagrada nos próximos meses, aproveitando uma eventual acomodação política que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faria para terminar o mandato.
Jobim já escolheu seu candidato a ministro do GSI. Trata-se do general-de-exército Darke Nunes de Figueiredo, de 65 anos. Darke tem trânsito no Palácio do Planalto, já tendo ocupado a chefia da segurança pessoal do ex-presidente Fernando Collor. Ele tem experiência na área de inteligência e de segurança. Atualmente, ocupa a chefia do Estado Maior do Exército, segundo cargo mais importante da hierarquia da Força.
Desde setembro, o ministro da Defesa está em rota de colisão com o chefe da Segurança Institucional. Quando surgiu o grampo da conversa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, foi Jobim quem levou ao presidente Lula o pedido de afastamento de Paulo Lacerda da direção da Abin. A agência virou alvo porque se atribuiu a ela o grampo contra Mendes. Com essa manifestação, o ministro da Defesa, que é ex-presidente do STF, vocalizou o desejo dos colegas de toga. Durante reunião no Palácio do Planalto, Jobim disse a Lula, na frente de Félix, que a Abin tinha equipamentos para fazer grampos. Essa informação foi decisiva para que Lula retirasse Lacerda da Abin, o que irritou o ministro do GSI.
Depois disso, os dois ministros trocaram acusações públicas sobre qual órgão, de fato, possui aparelhos capazes de realizar interceptações telefônicas. A Abin, vinculada a Félix, acusou o Exército, ligado a Jobim, de comprar, nos Estados Unidos, equipamentos que fazem grampos. Jobim contra-atacou. Enviou à CPI dos Grampos um laudo do Exército segundo o qual a agência é quem tinha aparelhos para grampear.
Cartada
Se bem sucedido, o movimento de Jobim resolveria dois problemas numa só cartada. O ministro da Defesa derrubaria Félix, que se tornou seu desafeto. Com a eventual nomeação de Darke Nunes para a Segurança Institucional, Jobim agradaria um grupo na cúpula da caserna porque abriria mais uma vaga de general-de-Exército, com quatro estrelas. Até o meio do ano, três dos 16 generais-de-exército devem ser reformados. Com Darke, seriam 25% de renovação no topo da carreira dos generais. Isso provocaria efeito cascata nas promoções, beneficiando militares de patentes mais baixas, que teriam maiores chances de serem promovidos. De quebra, haveria um ministro aliado no Palácio do Planalto acostumado ao jogo político, talento que Félix não tem.
Remanescente do começo do governo Lula, em 2003, Félix chegou ao cargo por indicação do general Oswaldo Muniz Oliva, pai do senador Aloísio Mercadante (PT-SP). Ao colocá-lo no GSI, Lula fugiu à tradição dos ;alemães do Exército;, que fez fama nas ditaduras de Emílio Garrastazu Médici (1969-74) e Ernesto Geisel (1974-79). O pai do ministro do GSI é de origem libanesa.
Mas a avaliação de ministros palacianos é que Félix se enfraqueceu na crise dos grampos e coleciona um histórico de erros à frente da pasta (leia quadro ao lado). É nesse vácuo político que Jobim costura o nome de Darke. O ministro da Defesa, entretanto, corre contra o tempo. O chefe do Estado Maior vai para a reserva em dezembro, quando completará 66 anos. Jobim, segundo militares que conversaram com ele nas últimas semanas, deseja nomeá-lo nos próximos meses, quando três generais-de-exército vão para a reserva. A palavra final, não custa lembrar, é do presidente Lula, avesso a empreender mudanças no governo, ainda mais no final do mandato.
Procurado na última sexta-feira, a assessoria do ministro do GSI disse que Félix não comentaria ;especulações; sobre sua saída do cargo. Por sua vez, a assessoria do ministro da Defesa não quis se pronunciar ontem sobre a articulação de Jobim.
Pedras no caminho
Ministro do Gabinete de Segurança Institucional desde o início do governo Lula, em 2003, o general Jorge Félix coleciona tropeços políticos em vários episódios. Os erros servem como argumento para Nelson Jobim tentar tirá-lo do cargo:
- Mensalão
Desde 2004, a Abin sabia do suposto esquema de compra de apoio político no Congresso do governo. Mas o presidente Lula não teria recebido informes produzidos pela agência de inteligência.
- Diretores da Abin
Nos seis anos em que está no governo, o ministro teve quatro diretores-gerais da Abin: a psicóloga Marisa Almeida Del;Isola (remanescente da gestão Fernando Henrique Cardoso), o delegado da Polícia Civil paulista Mauro Marcelo, o analista da agência Márcio Buzanelli e, por último, o ex-chefe da Polícia Federal Paulo Lacerda. Apesar de terem recomposto o salário de servidores da agência, nenhum deles estruturou as bases do serviço de inteligência, à deriva desde sua criação, em 1999.
- Vaias no Pan
O ministro disse que informou ao presidente Lula sobre o risco de ele ser vaiado antes da cerimônia de abertura dos jogos Pan-Americanos no Maracanã. Mas não conseguiu demover o presidente da ideia de participar do evento em 13 de julho de 2007.
- Abin na Satiagraha
Ao Congresso, o ministro minimizou a participação da Abin na Satiagraha, a operação da Polícia Federal que prendeu o banqueiro Daniel Dantas. Seguiu o discurso adotado pelo ex-chefe da agência Paulo Lacerda. Félix considerou natural a informalidade ocorrida na ajuda de servidores da Abin ao trabalho policial. Depois, soube-se que o trabalho envolveu até análise de dados sigilosos e monitoramento de alvos da investigação.
- Busca e apreensão
Numa ação inédita nos 80 anos de história do serviço secreto, um juiz determinou que a PF realizasse uma busca e apreensão de documentos da Abin. Os materiais foram retidos no inquérito que apura o vazamento de informações da Operação Satiagraha, deflagrada em julho passado. Havia informações estratégicas para a área de inteligência. A reação tímida que Jorge Félix teve de início irritou setores da Abin. Posteriormente, tentando contornar a crise, Félix vazou para a imprensa uma carta que remeteu ao ministro da Justiça, Tarso Genro, na qual sustenta que a PF de Tarso havia desmoralizado a Abin com essa ação.