Jornal Correio Braziliense

Politica

Parlamentares fazem manobra para blindar despesas

Congressitas pretendem incorporar verba indenizatória aos salários e assim evitar a apresentação de notas fiscais de gastos como aluguel de escritórios políticos e combustíveis. Sarney quer discutir assunto

Os senadores gastaram em janeiro e fevereiro mais de meio milhão de reais com a verba indenizatória. Enquanto isso, o plenário continua vazio. O Senado ainda não entrou em ação em 2009, a não ser para eleger José Sarney (PMDB-AP), presidente no último dia 2. Apesar do recesso no mês passado e da paralisia das últimas semanas, a Casa já despejou R$ 742 mil com a ajuda extra mensal que cada senador recebe para despesas com o mandato. Desse valor, R$ 267 mil referem-se à locomoção e hospedagem, R$ 211 mil a aluguel de escritório e R$ 142 mil são despesas com divulgação da atividade parlamentar. O restante foi usado para consultorias e material de consumo. Somente no ano passado, foram gastos R$ 10,4 milhões. O mistério é o de sempre: sabe-se quanto gasta, mas não como e onde. As notas fiscais no Senado são mantidas sob sigilo. A Casa ainda não discutiu a promessa já feita pela Câmara de abri-las em 45 dias. Ontem, o presidente do Senado, José Sarney (foto), defendeu a extinção da verba. E um velho assunto foi retomado no Congresso para compensar a perda do dinheiro: a equiparação salarial dos parlamentares ao teto dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, aumento de salário de R$ 16,5 mil para R$ 24 ,5 mil. Uma proposta que trata do assunto foi protocolada na Secretaria-Geral da Mesa na quarta-feira pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Trinta e um senadores assinaram o documento. O projeto extingue a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais paga a senadores e deputados e, para compensar, iguala os salários à remuneração dos ministros do STF. Proposta semelhante tramita na Câmara desde 2006 e deputados também querem discuti-la. Se a mudança for aprovada, os parlamentares ficarão livres de prestar contas dos gastos com combustível, consultorias, entre outros, num momento em que se veem pressionados a abrir a caixa-preta das notas fiscais. O fim da verba e o aumento de salário acabariam com esse dilema.Por outro lado, deputados e senadores passariam a receber menos do que ganham hoje, já que pagariam imposto sobre o salário reajustado, enquanto a verba indenizatória não é tributável. A soma dos R$ 16,5 mil com R$ 15 mil seria maior que o salário dos ministros do STF. A não ser que o Congresso aumente esse teto, os parlamentares perderiam dinheiro com a extinção da verba indenizatória e a equiparação dos salários. Mas, diante da polêmica criada pelo deputado Edmar Moreira (MG), suspeito de usar a verba de maneira irregular, há parlamentares dispostos a perder algum dinheiro para não ter que revelar os gastos. Outros, no entanto, temem um desgaste ao aumentar os próprios salários. A novela está apenas começando. Incorporação Em discurso da tribuna, Mozarildo admitiu que a verba já é, em muitos casos, incorporada aos salários. ;Temos um contracheque de R$15 mil (R$ 16,5 mil na verdade), recebemos R$12 mil, e temos uma verba de R$15 mil. Quanto dá? O salário do ministro do Supremo. Então, por que essa hipocrisia?; O presidente do Senado avisou que discutirá o assunto na próxima reunião da Mesa Diretora após o carnaval. Ontem, Sarney defendeu pela primeira vez a extinção da ajuda de custo. ;Acho que temos que encontrar um meio de acabar com a verba indenizatória, que tem criado tantas discussões e tantos problemas;, disse, sem opinar sobre a proposta de elevar os salários. ;Não sei se essa é a melhor forma. Tenho que ouvir os colegas.; Os deputados querem tirar da gaveta a proposta apresentada em 2006 durante a gestão de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que trata do mesmo assunto. Como a mudança é discutida por meio de emenda constitucional, precisaria de aprovação nas duas casas. Ou seja, o texto protocolado por Mozarildo na quarta-feira e o da Câmara seriam analisados conjuntamente. O maior entusiasta da ideia entre os deputados é o primeiro-secretário Rafael Guerra (PSDB-MG). ;O importante é termos em mente que não pode haver aumento de despesas. A incorporação seria apenas para o caso de os gastos permanecerem iguais ou sofrerem algum tipo de redução. Vamos analisar para ver o que pode ser feito;, disse o parlamentar. Nem bem o assunto invadiu as discussões, ganhou adeptos dos mais variados partidos. A simpatia à proposta é justificada pelo fato de que o fim da verba iria simplificar as contratações feitas pelos parlamentares, que não precisariam mais apresentar notas fiscais. ;Muita gente tem reclamado da burocracia para o uso da verba. Se houver incorporação, vamos facilitar o processo. Afinal, salário é salário. O parlamentar pode usar da forma como achar melhor;, analisou Guerra.
Números - Dois meses de ;trabalho; R$ 266 mil locomoção e hospedagem R$ 212 mil aluguel do escritório político R$ 92 mil contratação de consultorias R$ 30 mil material de consumo R$ 142 mil divulgação da atividade parlamentar: R$ 742 mil é o total de gastos dos senadores em janeiro e fevereiro R$ 10,4 milhões desses recursos extras foram usados em 2008
» Áudio: ouça entrevista com o presidente do Senado, José Sarney
Nas mãos de ACM Neto O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), resolveu não decidir sobre o pedido do procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico, para ter acesso às cópias das notas fiscais apresentadas pelo deputado Edmar Moreira (DEM-MG). Temer encaminhou o problema para o corregedor da Casa, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), a quem caberá decidir sobre o caso. ;Nós estamos examinando esse pedido, mas já passamos essa questão para o corregedor que, seguramente, vai ter acesso a essas notas. Depois decidiremos o que fazer;, justificou Temer. O procurador quer apurar as suspeitas de que o parlamentar poderia ter usado a verba indenizatória para favorecer suas empresas de segurança.