Politica

MP aciona servidores por morte de operário

Pela primeira vez na história do país, Ministério Público propõe ação civil contra subordinados, sob alegação de envolvimento no assassinato de um preso político durante o regime militar

postado em 03/03/2009 09:44
O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) propôs ontem a primeira ação civil pública do país contra servidores que, independentemente de terem agido na condição de subordinados, tornaram-se responsáveis diretos pela prática de crimes contra um preso político no período do regime militar. Trata-se de uma ação judicial com pedido de antecipação de tutela contra sete funcionários públicos, agora acusados de suposta participação nos processos de prisão, tortura e morte do operário Manoel Fiel Filho, assassinado por estrangulamento nas dependências do Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do II Exército em São Paulo, em 17 de janeiro de 1976. A ação, distribuída no início da noite de ontem à 11ª Vara Cível Federal em São Paulo, denuncia como réus dois delegados, dois carcereiros, um policial militar, um perito criminal e um médico legista, todos agentes públicos concursados, como co-responsáveis pela morte de Fiel Filho ; um operário de uma metalúrgica que era casado, tinha 49 anos e duas filhas, quando foi preso de forma arbitrária durante seu turno de trabalho para ser brutalmente torturado e morto numa cela em menos de 24 horas. Trinta e dois anos depois do crime, o MPF-SP identificou e reuniu provas contra os agentes que, supostamente, cumpriram ordens para torturar, matar Fiel Filho e, em seguida, falsear provas e documentos com o objetivo de forjar o suicídio do operário por enforcamento na cadeia. Os sete réus são Tamotu Nakao (à época tenente PM), Edevarde José (então delegado da Polícia Civil paulista), Orlando Domingues Jerônymo (delegado do DOPS), José Antônio de Mello (médico legista), Ernesto Eleutério (perito criminal), Alfredo Umeda e Antônio José Nocete (ambos carcereiros). Na inicial, o MPF-SP pede que todos sejam declarados judicialmente responsáveis pela ;perpretação de violações aos direitos humanos;; que sejam condenados a reparar financeiramente ;danos morais coletivos; à sociedade brasileira e, finalmente, a ressarcir aos cofres públicos valores já pagos pela União Federal a título de indenização para a família de Fiel Filho. Essa indenização foi inicialmente calculada em R$ 438.772,00, mas a quantia precisa ser atualizada monetariamente a partir de 1996. Punição A ação também requer o afastamento imediato dos servidores que ainda estiverem na ativa, a perda do direito às funções públicas e de direitos trabalhistas, como, por exemplo, a cassação das aposentadorias. Segundo o MPF-SP, há informações de que pelo menos o servidor Ernesto Eleutério ainda esteja trabalhando, atualmente, como perito de classe especial no Instituto de Criminalística da polícia paulista. O MPF-SP também denuncia como réus a União e o Estado de São Paulo sob acusação de omissão no cumprimento das funções de investigação e punição dos responsáveis por crimes contra a humanidade. E pede que a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo sejam intimados e recebam 72 horas para se posicionar a favor da causa, ou seja, como parceiros na elucidação do caso, ou contestando a ação proposta. ;Por causa da falta de provas, da quantidade de arquivos que ainda temos fechados, é uma iniciativa inédita que, sem dúvida, será um marco para as vítimas da ditadura em nosso país;, afirma Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, uma das procuradoras da República responsáveis pela ação. Ela lembra que, em maio do ano passado, o MPF-SP impetrou outra ação, atualmente suspensa pela 8ª Vara Federal em São Paulo, em que instituições e comandantes de operações foram denunciados. Neste processo, a União apresentou contestação. Agora, a expectativa é de que a AGU e o a Procuradoria do Estado paulista ;atuem ao lado do Ministério Público;. O texto da inicial lembra a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e a convicção jurídica em torno da participação de subordinados em barbáries. ;Há jurisprudência em torno da tese de que o ;estrito cumprimento do dever legal; de um funcionário não abrange atender ;ordens manifestamente ilegais;; de chefias, como torturar, estuprar ou matar alguém;, explica Eugênia. Pela primeira vez na história do país, Ministério Público propõe ação civil contra subordinados, sob alegação de envolvimento no assassinato de um preso político durante o regime militar PARA SABER MAIS Mais de 6 mil encarcerados Diferentes registros históricos e documentos permitem ao MPF-SP afirmar que mais de seis mil pessoas foram presas de maneira arbitrária nas dependências do DOI-CODI em São Paulo nos anos mais cruéis da ditadura militar, após dezembro de 1968, quando foi instituído no país o Ato Institucional nº 5. Há estimativas de que pelo menos 60 dessas pessoas tenham sido assassinadas depois de submetidas à tortura. A procuradora da República Eugênia Fávero lembra que as ações judiciais movidas no interesse das famílias esbarram na existência dos muitos arquivos ainda fechados sobre o assunto. Geralmente, é neles que estão nomes, documentos, depoimentos e provas definitivas sobre quem participou de cada caso. A ação movida contra os servidores envolvidos na morte de Manoel Fiel Filho é a primeira em que se conseguiu identificar e provar passo a passo como agiram policiais, carcereiros e até o médico-legista que, inicialmente, emitiu um laudo vago sobre a morte do operário.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação