O inquérito da Polícia Federal detalha o esquema de doações de campanha montado dentro da empreiteira Camargo Corrêa, apontando indícios de ;crime eleitoral;. Escutas telefônicas revelam planos para envio de dinheiro em espécie. Em alguns casos, os diretores da empresa deixam claro que a contribuição é ;por fora;. A PF vai informar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o conteúdo das escutas, para confrontar as doações mencionadas nos áudios com aquelas efetivamente registradas.
O tema financiamento de campanhas políticas veio à tona nas escutas telefônicas no período das eleições municipais do ano passado. A Polícia Federal aponta que os diretores da Camargo Corrêa não falam especificamente de um ou outro partido, mas de vários deles, não havendo assim um favorecimento dirigido. A PF acessou os dados do TSE e verificou diversas doações legais feitas pela empreiteira.
Mas a conclusão do inquérito ressalta: ;Por outro lado, apesar da aparente licitude das doações, algumas ligações telefônicas levam a crer que haja também um esquema fraudulento de doações;. Os investigadores citam duas gravações que fazem ;menção expressa a doações não contabilizadas, o que poderia levar à conclusão de ocorrência de crime eleitoral;. O inquérito da Polícia Federal foi presidido pelo delegado regional de São Paulo José Alberto Iegas.
Numa das gravações, em 23 de setembro, o diretor da Camargo Corrêa Pietro Bianchi comenta com um interlocutor de nome Marcelo sobre coisas que teriam que realizar. Pietro pergunta se é campanha política. Marcelo responde que sim, e o diretor pergunta se é ;por dentro;. Marcelo responde que não. A PF concluiu que, ;entre essas doações para campanhas de políticos, fica claro que a empresa Camargo Correa faz doações a partidos políticos e a políticos de forma irregular, incidindo em crime;.
Em outra conversa, quem fala é o diretor Fernando Gomes. Ele diz a Pietro que o diretor Dárcio Brunato tem um pendrive ; arquivo de dados digitais portátil ; com todas as contribuições eleitorais. Pietro acrescenta que tem uma pasta com todas as contribuições, ;inclusive a oficial;. ;E lá tem todos os caras que foram pagos;, informa. Com base nessas informações, o Ministério Público Federal solicitou à Justiça Federal a realização de busca e apreensão dos escritórios e nas residências dos diretores da Camargo Corrêa.
Em outra conversa, em 2 de outubro, Fernando muda o discurso, ao falar de doações de campanha: ;Tem mais um pedido de 100 mil. Parece que o João já falou consigo do Mendonça Filho, lá de Recife. E tem um valor do PMDB do Pará de 300 mil que já tava aprovado por vocês por fora, hein? Então, a gente só vai fazer por dentro agora, sabe! (...) Tudo, tudo, com recibo, bonitinho;. Mendonça Filho divulgou nota afirmando que recebeu doações legais da Camargo Correa no valor de R$ 300 mil. Segundo conclusão do inquérito, Pietro seria um dos articuladores ;dessas remessas de valores de forma ilícita para financiamentos de campanhas políticas;.
Indiciamentos
A Polícia Federal indiciou ontem o diretor de Licitações da Camargo Corrêa, engenheiro Raggi Badra Neto. Ele é apontado pela PF como um dos integrantes de suposta organização para superfaturamento de obras, licitações fraudulentas e doações eleitorais ilegais. Foi indiciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e câmbio ilegal. A PF também indiciou a secretária Darcy Alvarenga, apontada como conhecedora do esquema montado pela empreiteira para a execução de ilícitos.
Escutas
CONVERSA 1
A remessa para o Recife
(7 de abril de 2008)
Pietro Bianchi e Bruno Ferla (diretor e funcionário da Camargo Corrêa)
Pietro ; Aquele valor, pra quando é?
Bruno ; Era para amanhã.
Pietro ; Amanhã? Muito difícil, em todo caso, qual o valor? Dois quatro...
Bruno ; Não, não, dois, dois, cinco.
Pietro ; É porque não tem mais aqui, né. Então, vou ter que pedir
pra o cara trazer.
Bruno ; E não, e em Recife, tá?
Pietro ; Ah, pra entregar lá?
Bruno ; É.
Pietro ; Eu tenho condições de mandar entregar. Ou precisa
ser um pessoal nosso?
Bruno ; Não, não, é suficiente mandar entregar.
Pietro ; Então, vê com ele onde entrega... em Recife, mas se
alguma conta...
Bruno ; Não, não teria que ser em...
Pietro ; Em espécie?
Bruno ; É.
Pietro ; Ah, ele não entrega, não. Só Rio e São Paulo que entrega em espécie.
Bruno ; P..., como que a gente vai fazer em Recife?
Pietro ; Aí precisaria ver alguém para levar. É meio alto pra levar. (...) Também pra levar é meio arriscado. Vamos analisar mais tarde.
CONVERSA 2
A remessa para Curitiba
(26 de maio de 2008)
Pietro Biachi e Fernando Gomes (diretores da Camargo Corrêa)
Pietro ; Bom, eu tô fazendo, então, aquele quatro, nove, dois, zero,
zero, um, tá?
Fernando ; Esse eu preciso fazer, né? (...) Não pode ser quarta-feira?
Pietro ; (...) É, então, vamos fazer essa. Agora a outra, aquela pesada que tem de Curitiba. Quem é
que vai fazer, nós?
Fernando ; Pickel.
Pietro ; Hein? Pickel, né? Então, vou chamar o Pickel, não é isso?
Fernando ; Isso.