postado em 19/04/2009 09:27
Uma organização não-governamental (ONG) localizada em Jaguariúna, no interior paulista, recebeu sozinha R$ 8,5 milhões, em 2008, por meio do Programa Segundo Tempo do Ministério do Esporte. O valor é metade do que recebeu todo o estado de São Paulo e maior do que a soma que a pasta transferiu para outras 12 unidades da Federação no mesmo período. Coincidência ou não, a ONG Bola pra Frente é coordenada pela ex-jogadora de basquete Karina Valéria Rodrigues, que no ano passado foi eleita vereadora pelo PCdoB: partido do ministro Orlando Silva. Com os milhões em mãos para realizar ações sociais, Karina não apenas conseguiu se eleger mas também tem dado uma força aos planos políticos do ministro, que pretende disputar uma vaga na Câmara dos Deputados em 2010 e precisa contar com os votos do interior paulista.
A entidade atualmente está em outros 15 municípios vizinhos, e grande parte das inaugurações e festas do esporte promovidas por ela conta com a presença de Orlando Silva. De acordo com dados levantados pela Associação Contas Abertas a pedido do Correio, o valor embolsado pela entidade em 2008 ; em apenas duas parcelas, uma paga em janeiro e outra em maio ; supera o montante que o Ministério do Esporte repassou para todas as entidades do Acre, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Pará, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. Esses estados, juntos, receberam R$ 8,3 milhões. Na lista de beneficiados pelo Segundo Tempo, a ONG de Jaguariúna é a terceira colocada. Perde apenas para o Comitê Olímpico Brasileiro, que recebeu R$ 28 milhões, e para a Confederação Brasileira de Futebol de Salão, que foi beneficiada com R$ 24,9 milhões.
Os municípios onde a ONG preferida do ministro tem se instalado possuem características em comum que pouco justificam o volume de recursos transferidos. As 16 cidades têm Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ; que mede o nível de desenvolvimento utilizando como critérios números referentes à educação, longevidade e renda ; superior a 0,7, o que é considerado positivo, visto que o índice varia de zero a um. Além disso, a soma dos habitantes de todos os municípios chega a pouco mais de 1 milhão. O número é quase cinco vezes menor do que a população de Santa Catarina.
Precedentes
Fraudes e má gestão do dinheiro público não são novidades no currículo de algumas ONGs brasileiras, que a cada ano recebem fortunas para desempenhar funções que deveriam ser do Estado. Além de acumular recursos destinados a missões sociais nem sempre concretizadas, não são raras as vezes em que essas instituições cumprem papéis que vão além dos seus estatutos e se transformam em cabos eleitorais de quem pleiteia um mandato eletivo. Esse tipo de relação é investigada atualmente por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso. Os contratos de repasse também despertaram a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU).
Karina nega privilégio
A coordenadora do Bola pra Frente, Karina Valéria Rodrigues, afirma que os R$ 8,5 milhões recebidos do Ministério do Esporte nada têm a ver com relações partidárias. De acordo com ela, os recursos são uma resposta ao bom trabalho desempenhado pela entidade, que atende 18 mil crianças e já se instalou em 16 municípios paulistas. ;Poucas instituições são tão fiscalizadas como a nossa. Nossos balanços são disponibilizados na internet e até recebemos elogios da Controladoria-Geral da União pela transparência que adotamos.;
A ex-jogadora de basquete e hoje vereadora diz ainda que o valor liberado é destinado às atividades desenvolvidas em 2008 e 2009. ;Nosso convênio foi de dois anos. Por isso, o valor é mais alto. Com os juros que recebemos do banco por conta do dinheiro investido, estamos realizando o Programa Recreio nas Férias. Somos sérios.; Sobre a relação política da ONG com o ministro Orlando Silva e a possibilidade de sair candidata a deputada estadual, Karina é categórica.
;Acho que se candidatar é um direito de qualquer pessoa. Não vejo problema se o ministro quiser disputar algum cargo. Eu não serei candidata ano que vem. Minha carreira será somente como vereadora.; O Ministério do Esporte nega que tenha preferência pela ONG Bola pra Frente e alega que os investimentos realizados não têm relação com o fato de Karina ser filiada ao PCdoB. ;A entidade atendeu integralmente os requisitos legais previstos na Portaria 167/2006 para a formalização de parcerias com organizações não-governamentais. Não há qualquer relação entre as parcerias formalizadas e vinculações políticas e partidárias do corpo diretivo da entidade;, diz a nota enviada pela assessoria da pasta.