postado em 30/04/2009 08:59
Em plena era digital, os 24 distritais têm uma quota anual de R$ 2,5 milhões para gastar com correspondências à moda antiga. Em quatro anos, ou seja, em uma legislatura os parlamentares locais podem chegar a utilizar R$ 10 milhões em correspondências. É mais de duas vezes o permitido na Câmara dos Deputados. Se os políticos usarem todo quinhão disponível para enviar a chamada carta simples a eleitores, chegarão ao longo de doze meses a postar quase dois milhões e meio de cartas. A soma equivale a toda a população do Distrito Federal.
A quota de correspondências é mensal e está fixada em até 10 mil cartas ou R$ 9 mil. Mas, se o parlamentar não usar o dinheiro no período, o valor pode ser acumulado em até um ano. Assim, em 12 meses a soma chega a R$ 108 mil ; como prevê portaria 108 da Câmara Legislativa ; publicada em 2007. Na Câmara dos Deputados, a quantia é mais modesta. Os parlamentares federais estão autorizados a usar no máximo R$ 4,2 mil ao mês para as correspondências, valor que inclui também as despesas com telefonia.
Em geral, os distritais acumulam a quantia de correspondências para utilizar esse dinheiro em períodos específicos. O pico dos gastos com a verba são os meses de maio, novembro e dezembro, em que se comemoram o dia das mães, o Natal e ano-novo. Essas datas são as prediletas dos políticos, que aproveitam o período de comemoração para enviar cartões festivos. Para se ter uma ideia, apenas entre novembro e dezembro de 2008 os parlamentares gastaram R$ 1 milhão com a quota de correspondências. Isso se refletiu no movimento de dezembro na agência dos Correios localizada dentro da Câmara Legislativa, 60% maior que nos meses anteriores.
Aniversários
Outra preferência dos distritais são os aniversários, data que os políticos escolhem para remeter mensagens aos eleitores. Há gabinetes que trabalham com um banco de até 10 mil aniversariantes. Em outros casos, os políticos mandam pelo correio o balanço das atividades do mandato.
A reportagem enviou há uma semana por e-mail (endereço divulgado na página dos parlamentares) um pedido de detalhamento dos gastos com a quota de correspondências para cada um dos 24 gabinetes de distritais. Até o fechamento da reportagem, oito deputados (confira abaixo) responderam. Na última quinta-feira, o Correio também pediu o acesso aos documentos centralizados pela Secretaria-Geral da Mesa Diretora, que reúne os dados sobre as despesas de cada distrital com a referida quota.
O documento aponta quanto cada distrital usou desde 2007 até março de 2009 em cartas. Em pouco mais de dois anos, os parlamentares gastaram para se corresponder R$ 5,6 milhões, sendo que em 2008 houve um salto de R$ 300 mil com esse tipo de despesa em relação ao período anterior. Assim, apenas nos doze meses do ano passado, os distritais consumiram R$ 2,3 milhões com o objetivo de mandar correspondências aos eleitores. A quantia é o que se gasta, por exemplo, para construir uma escola pública com capacidade para abrigar 1,6 mil crianças. Ao longo de um mandato, seria possível, portanto, construir quatro unidades ou quem sabe até comprar 10 mil computadores com acesso à internet.
Parlamentares defendem verba
Entre os gabinetes que responderam à reportagem, o do deputado Rogério Ulysses (PSB) justificou que o parlamentar utiliza a quota de correspondência para informar à base política as ações do deputado e para cumprimentar os eleitores em datas especiais, como Natal e aniversários. Nos últimos dois anos, Ulysses utilizou um total de R$ 220 mil com esses objetivos.
O deputado Benício Tavares (PMDB) defendeu o uso da quantia reservada para as correspondências. Segundo o distrital é com o recurso das cartas que ele consegue se comunicar com o seu grupo de eleitores. ;A minha base, em geral, não mora no plano e muitas vezes não tem acesso a computadores com internet. Então, as cartas são o único meio para que a gente entre em contato com as pessoas;, afirmou o político, que sempre foi muito bem votado em Ceilândia.
Jornais e informativos
A visão de Benício, é compartilhada com a do deputado Paulo Tadeu (PT), que também é a favor do correio convencional. O distrital afirmou que usa a quantia para divulgar as atividades do mandato parlamentar. Além de Paulo Tadeu, Érika Kokay (PT), Cabo Patrício (PT) e Raad Massouh (DEM) também disseram que com a respectiva quota enviam jornais e informativos sobre os mandatos.
Um dos deputados mais econômicos com as correspondências, o pedetista José Antônio Reguffe considera a quota ;extremamente excessiva; e defende a redução da mesma para 10% do atual valor. Nos últimos dois anos, o distrital usou R$ 9,2 mil do montante a que tem direito e diz que prefere os meios eletrônicos. A maior parte dos eleitores de Reguffe mora no Plano Piloto. Geraldo Naves (DEM), que assumiu vaga na Câmara desde o início de 2009, informou à reportagem que ainda não utilizou a verba.
Regras alteradas
Em abril de 2007, o sistema de quotas de correspondência dos distritais sofreu alterações. Até essa data, os parlamentares tinham direito de receber quantidade de selos equivalente ao valor reservado para envio de cartas. O processo, no entanto, abria brecha para o mau uso da verba, já que permitia aos gabinetes negociar parte dos selos no mercado informal. Para conter a prática, em 2007 a Mesa Diretora da Câmara resolveu publicar nova portaria vinculando a quota das correspondências ao carimbo emitido pelos Correios.
Segundo o secretário-geral da atual Mesa Diretora, Gustavo Moreira Marques, o comando da Câmara tem como meta rediscutir gastos considerados excessivos na Casa legislativa. "A prioridade dos deputados da Mesa Diretora é avaliar primeiro os rumos da verba indenizatória e, em seguida, o tema das quotas entrará em discussão", diz Marques.