postado em 18/05/2009 08:17
Responsável por julgar os deputados acusados de ferir o decoro parlamentar, o Conselho de Ética da Câmara não é o melhor exemplo de encontro de parlamentares preocupados com a conduta, a moral ou com a ética propriamente dita. Prova disso está na relação entre a atividade parlamentar e os financiadores de campanha política que alguns desses ;juízes legislativos; fizeram questão de cultivar. Para fazer uma média com quem engordou o caixa da sua campanha, até o presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), confundiu interesses públicos com privados. Em 2004, apresentou um requerimento para que o Ministério dos Transportes firmasse parceria com a Veracel Celulose para ajudar a empresa a bancar a execução de um trevo rodoviário que daria acesso a um terreno onde seria construída uma nova unidade da fábrica. A coincidência do interesse do parlamentar pela obra estava na prestação de contas de sua campanha de 2002, que registrou R$ 100 mil em doações pela Veracel.
Outro integrante do Conselho de Ética, Moreira Mendes (PPS-RO), também fez um agrado a alguns dos financiadores de sua campanha de 2006. Depois de receber R$ 10 mil da fabricante de armas Forja Taurus, e outros R$ 50 mil da Companhia Brasileira de Cartuchos, que fabrica munição, apresentou o PL 1010/2007, que amplia para a Polícia Civil dos estados a competência para expedir certificado de registro de armas de fogo, amplia a permissão de porte para trabalhadores, pesquisadores e para moradores da zona rural.
O petista Pedro Eugênio (PE) também é autor de um projeto que tem ligação com um dos setores que o financiaram. Em 2006 recebeu R$ 30 mil da Tavares de Melo Açúcar e Álcool e, no ano passado, apresentou uma proposta ordenando o cultivo da cana-de-açúcar no país. A matéria, segundo ele, pretendeu evitar que a cana invadisse plantações de alimentos, o que era um pleito dos agricultores. Por outro lado, a proposta agradou a produtores de cana, visto que impunha regras sobre as regiões onde a produção era permitida e resguardava-os de uma norma da Embrapa que estava sendo elaborada e prometia ser mais radical na imposição dos limites para as plantações. ;Não lembro se fui financiado por gente ligada à cana-de-açúcar. O que sei é que fui bem votado pelos movimentos de produtores rurais. Esse projeto tratava de um cenário diferente do atual. Naquela época, a plantação de cana estava crescendo e invadindo outras áreas. A Embrapa estava criando regras. O que fiz foi apenas pensar em algumas normas que ajudassem a resolver o problema;, argumenta o deputado.
O presidente do Conselho, José Carlos Araújo, disse que a indicação de parceria que fez não tem qualquer relação com o financiamento feito pela Veracell à sua campanha eleitoral. ;Uma coisa não tem nada a ver com outra. Essa obra está em andamento e vai beneficiar a população do estado, de vários municípios. Além disso, a maior parte dos custos ficou por conta da própria empresa;, explica o deputado.
O deputado Moreira Mendes afirmou que mantém uma relação histórica com matérias referentes ao porte de armas. ;Essas propostas não têm a ver com o financiamento. Coordenei a campanha a favor das armas durante o referendo. A Polícia Federal não tem dado conta dos pedidos de registro e por isso propus que a Polícia Civil também possa analisá-los. Sei muito bem a necessidade de se portar arma em algumas regiões;, disse.
Processados
O Conselho de Ética também mantém entre seus integrantes quatro políticos réus em processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF). Abelardo Camarinha (PSB-SP) é acusado em 12 ações por crimes de ordem eleitoral, ambiental, contra a ordem tributária e por crime de responsabilidade fiscal. Urzeni Rocha (PSDB-RR) é acusado de formação de quadrilha, peculato e por crime contra o meio ambiente. As acusações somam cinco processos. Wladimir Costa (PMDB-PA) é acusado em duas ações e um inquérito.
Já o integrante do baixo clero Sérgio Moraes (PTB-RS), que se tornou conhecido pelas declarações de descaso sobre a opinião pública, é réu em duas ações nas quais responde por crime de responsabilidade. Os processos são da época em que ele era prefeito de Santa Cruz do Sul (RS) e tramitam em segredo de justiça. Um deles foi aberto para apurar o mau uso de linha telefônica da prefeitura. O aparelho foi instalado na casa de seu pai e teria sido mal utilizado.
Para completar o currículo de decisões, atitudes e processos ;no mínimo questionáveis do ponto de vista ético ; dos integrantes do Conselho, Mauro Lopes (PMDB-MG) está entre os parlamentares que admitem já terem gastado recursos da verba indenizatória nas próprias empresas. Proprietário de um posto de gasolina no interior de Minas Gerais, o parlamentar disse ao Correio que ;às vezes; abastecia os veículos na própria empresa e apresentava as notas para ressarcimento pela Câmara. Lopes será um dos parlamentares a julgar se o colega mineiro Edmar Moreira (sem partido), quebrou o decoro parlamentar ao gastar dinheiro público nas próprias empresas de segurança.
Escolha só com critérios políticos Atualmente, a escolha dos integrantes do Conselho de Ética passa por critérios meramente políticos. A resolução que instituiu o colegiado restringe a participação apenas de parlamentares que estejam submetidos a processos disciplinares em andamento dentro do próprio conselho. Na semana passada, um projeto de autoria do deputado Chico Alencar (PSol-RJ) ensaiou aumentar os critérios de exigência, mas foi considerado incompleto e superficial. Isso porque a proposta apenas impede que deputados que respondem a ação penal por crime contra a Administração Pública sejam impedidos de tornar-se conselheiros. Se fosse aprovado hoje, o projeto não faria qualquer diferença para os atuais membros do Conselho, visto que os réus em processos judiciais são investigados por crimes diversos. O único que poderia ser atingido pela norma é Urzeni Rocha (PSDB-RR), que ainda pode tornar-se réu em uma ação penal, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite as denúncias contra ele de peculado e formação de quadrilha. As acusações fazem parte de um inquérito em tramitação na Corte. Penas Enquanto a proposta que estuda a possibilidade de acrescentar mais uma restrição ao ingresso de deputados no Conselho de Ética ainda deve percorrer um longo caminho na Casa, o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PR-BA), encabeça a campanha pela aprovação de outro projeto: o que cria penas alternativas para parlamentares que respondem a ações por quebra de decoro. A proposta, que já foi encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), propõe o aumento de 15 para 25 do número de membros do conselho e abre a possibilidade para que o relator possa recomendar penalidades para os colegas como suspensão e devolução de dinheiro público. Atualmente o relatório deve apenas opinar sobre o pedido de cassação feito na representação apresentada ao colegiado.