postado em 28/06/2009 10:15
Guarani de Goiás %u2014 A miséria do sertão nordestino não está tão longe do poder quanto parece. Ela pode ser encontrada aqui pertinho, distante apenas 250 quilômetros do Palácio do Planalto. Ali, famílias numerosas moram em casas de taipa, de adobe, de lona, de restos de madeira e até em asilo de idosos. Vivem com renda às vezes inferior a R$ 100. Não há rede de esgoto nas ruas das pequenas cidades do "Corredor da Miséria", como é conhecido o nordeste goiano. A região vai receber escassos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Principal trunfo eleitoral na sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PAC procura os votos, e os votos não estão nos grotões. São encontrados com mais fartura nas grandes e médias cidades.
Cruzamento de dados feito pelo Correio mostra que os investimentos em saneamento e habitação popular previstos no PAC estão concentrados nos grandes centros. Considerando as chamadas verbas carimbadas, destinadas expressamente a cada município, a média de recursos por eleitor em todo o país fica em R$ 322. Nos dez maiores municípios de todos os estados, essa média chega a R$ 535. Nas capitais, atinge R$ 555. Justamente nessas cidades são registrados os mais elevados índices de desenvolvimento humano (IDH) do país. A média das capitais (0,822) corresponde a países como Baamas e Costa Rica. Acima de 0,800, o país é considerado na faixa de alto desenvolvimento humano.
Casa de lona
No nordeste goiano, a média de recursos por eleitor fica em R$ 50. A verba reservada para Goiânia é sete vezes maior, considerando o valor per capita. A capital goiana receberá R$ 305 milhões para saneamento e habitação. Só o sistema de coleta e tratamento de esgoto da bacia do Meia Ponte custará R$ 47 milhões. A urbanização e construção de casas populares em três bairros consumirá mais R$ 124 milhões. Nos 10 municípios mais pobres de cada estado, a média de recursos por eleitor fica em R$ 189 %u2014 um terço do registrado nos municípios mais ricos e populosos. Nesses municípios, o IDH médio é de 0,598 %u2014 semelhante ao da Namíbia, na África.
Em Buritinópolis, município de menor índice de desenvolvimento humano (IDH) do estado, Raimunda da Silva, 47 anos, mora com o marido, quatro filhos e um neto num barraco de lona montado no pátio de uma casa, no centro da cidade. O marido faz fretes numa carroça. Quanto tira por mês? "Uns R$ 50, R$ 60", responde Raimunda. Ela não tem o Bolsa Família. A meio quilômetro dali há uma vila fantasma. Quarenta casas populares foram construídas com dinheiro do PAC (R$ 400 mil). Estão quase prontas. A obra começou no início de 2007. Daria para terminar em três meses, mas a prefeitura não prestou contas, a Caixa Econômica Federal deixou de repassar recursos e a empreiteira abandonou a obra.
"Deus vai me dar"
Em Guarani de Goiás, município de 4 mil habitantes, são necessárias 300 casas para eliminar o déficit habitacional. O dinheiro destinado pelo PAC (R$ 500 mil) seria suficiente para construir apenas 22 casas, mas a obra atrasou, o preço dos materiais aumentou e serão feitas apenas 15 residências. Trata-se da quinta cidade mais pobre de Goiás, com IDH de 0,632 %u2014 semelhante ao de países pobres da América Central, como Honduras e Nicarágua. O índice é igual ao da região do Seridó, formada por municípios do Rio Grande do Norte e da Paraíba. As condições de moradia, de alimentação, de trabalho, são idênticas. Até a fé é a mesma. A fé de que algum poder divino vai resolver os problemas que não foram resolvidos pelo poder público.
Dona Salviana Alves Pereira, 62 anos, viúva, mora com seis filhos num barraco no centro de Guarani. Sustenta a família com a aposentadoria, mas tem recebido apenas R$ 150 por mês. "Tem os empréstimos", explica. A casa é um amontoado de madeiras velhas, com divisórias improvisadas com lençóis e um telhado cheio de frestas. Chove como na rua. "Tô sofrendo demais da conta. Com a menina doente, viúva há 23 anos." Mas ela ainda tem forças para sonhar com a casa própria: "Eu queria ter uma casa. Queria não, quero. Deus vai me dar ela". O prefeito José Augusto Melo (PT) afirma que há vários casos semelhantes no município. "Aqui, a realidade é essa. Não é uma morada digna. Queremos que o governo federal, o governo do estado tenham compaixão de situações semelhantes a essa. São pessoas que nunca botaram a mão numa tomada de energia, mas estão morando no centro da cidade."
Déficit
A situação de Guarani não é diferente em grande parte dos cerca de 5 mil pequenos municípios atendidos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A fundação conta com cerca de R$ 4 bilhões para obras de saneamento a melhorias habitacionais nessas cidades, mas seriam necessários cerca de R$ 25 bilhões para atender a toda a demanda, até porque os investimentos nessa área foram escassos nas duas últimas décadas. Além da escassez de recursos, há atraso nas obras por causa da falta de projetos, da inadimplência de grande parte das prefeituras e de sobrepreço nos empreendimentos.
O PAC tem verba carimbada de R$ 41,5 bilhões para os municípios. Desse total, R$ 30,5 bilhões serão distribuídos entre as dez maiores cidades de cada estado. Elas representam 44% da população brasileira, ou do eleitorado.