Politica

Bolsa Família sem efeito sobre a pobreza

Estudo inédito revela que o Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo, teria impacto quase nulo na redução do número de pobres no país mesmo se tivesse sido implantado há 30 anos. Especialistas querem fortalecer a medida no ensino médio

postado em 29/06/2009 08:34
Faz três anos que Wilma Silva Moreira e o marido, Walmi, recebem um auxílio de cerca de R$ 100 do governo federal. Com o dinheiro, garantem uniformes escolares e tênis em bom estado para os dois filhos, compram frutas e verduras e ainda pagam as passagens da mais velha, Kelry Cristina, de 10 anos, que vai de ônibus às aulas de ginástica rítmica três vezes por semana. "Se não fosse esse recurso, não teria como fazer isso por eles", conta a dona de casa, que sabe da obrigatoriedade de manter os pequenos na escola para não perder o benefício. Na casa simples em um bairro humilde do Distrito Federal, é impossível não perceber o quanto o auxílio do Bolsa Família(1) melhora a vida dos Moreira. Dificilmente, entretanto, o programa social será capaz de cumprir um dos principais objetivos a que se destina: retirá-los da pobreza a longo prazo. É o que aponta um estudo inédito - intitulado Mobilidade Social no Brasil: o papel da educação e das transferências de renda - elaborado por Rafael Osório, pesquisador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), e por Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os dois especialistas fizeram, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma simulação(2) sobre o que aconteceria com a pobreza no país caso o Bolsa Família tivesse sido implantado de forma universal em 1976, garantindo que todas as pessoas em idade escolar na época concluíssem ao menos o ensino fundamental - principal etapa do ensino coberta pelo programa do governo federal. O resultado mostrou que 30 anos depois, em 2006, a parcela da população pobre cairia de 25% (índice real) para 22,3% (índice simulado). A linha de pobreza considerada no levantamento foi de R$ 140,83 per capita familiar. "Os dados mostram que, ainda que tivéssemos um Bolsa Família perfeito, além de uma boa política educacional, garantindo ensino fundamental para todos, poucas pessoas sairiam da condição de pobreza. Isso ocorre porque a educação primária já não promove mais mobilidade social", afirma Osório, um dos autores do estudo. A principal recomendação da pesquisa é que o governo federal amplie o programa de transferência de renda, garantindo mais fortemente a cobertura do ensino médio - período escolar em que a taxa de matrículas cai três quartos em relação ao ensino fundamental. Aperfeiçoamento Para Rosilene Rocha, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, que gerencia o Bolsa Família, as informações do estudo são bem-vindas no sentido de aperfeiçoar o programa. Ela menciona o fato de o governo ter expandido(3), em março de 2008, o limite de idade da população que, por estar na escola, garante um acréscimo no benefício recebido pela família. Até então, o teto era de 15 anos. Hoje, é de 17. "Incluir os adolescentes de 16 e 17 anos mostra que o ministério está atento a essa necessidade de estimular a frequência no ensino médio. Queremos analisar esse estudo, pois tudo que puder auxiliar o Bolsa Família nos interessa", destaca Rosilene. A secretária reconhece, porém, que mesmo com a expansão da idade, a etapa do ensino médio corre grande risco de ser pouco coberta pelo programa, em virtude do atraso escolar generalizado no país. Hoje, apenas 30% de 1,8 milhão de beneficiários do Bolsa Família com 16 e 17 anos estão no ensino médio, fase compatível com a idade. No Brasil, 21% dos adolescentes nessa faixa etária largaram a escola, segundo o IBGE. "Além de um problema de oferta, é nessa etapa, do ensino médio, em que a disputa entre o trabalho e a escola se torna um grande problema", destaca Osório, do Pnud. Embora pondere que o programa federal não é o único instrumento de redução da pobreza, Marcelo Medeiros, o outro autor do estudo, ressalta a relevância da ação. "O Bolsa Família é uma engrenagem importante, entre outras iniciativas em prol da diminuição da desigualdade, que precisa ser maior, mais ousada. Nos moldes atuais, garante o alívio imediato da pobreza, mas não uma mudança futura", diz o pesquisador do Ipea. 1- BOLSA FAMÍLIA Criado em 20 de outubro de 2003, o Bolsa Família unificou quatro ações sociais: Bolsa Escola, Auxílio Gás, Cartão Alimentação e Bolsa Alimentação. É um programa de transferência de renda que hoje beneficia 11,5 milhões de lares no país (ou 45,8 milhões de pessoas) com auxílios que variam de R$ 20 a R$ 182, dependendo dos ganhos do grupo da família, se tem filhos na escola ou não, entre outras condições. 2- SIMULAÇÃO No computador, os pesquisadores calcularam quanto, em média, recebe um trabalhador no Brasil com ensino fundamental, médio e superior de acordo com quatro variáveis: idade, sexo, cor da pele, local onde mora. E simularam, então, como ficaria a configuração da pobreza no país se 100% das pessoas em idade escolar em 1976 tivessem concluído ao menos o ensino fundamental. 3- EXPANSÃO DA IDADE Até maio de 2008, eram atendidas pelo Bolsa Família crianças de até 15 anos. Desde então, foi ampliada a idade, para incluir também os adolescentes de 16 e 17 anos que estejam na escola. Hoje, 11,4% do total de alunos beneficiários %u2014 1,8 milhão de pessoas, em números absolutos %u2014 têm entre 16 e 17 anos.

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