Politica

Sem dinheiro para recuperar casas

O PAC reserva escassos recursos para habitações no nordeste goiano, região que já teve a maior incidência da doença de Chagas no estado

postado em 29/06/2009 08:43
A renda mensal de Manoel Pereira Oliveira, 55 anos, não chega a R$ 100. Está faltando dinheiro para melhorar a casa de taipa (feita de varas de madeira cobertas com barro). Essas moradias são um atrativo para o barbeiro (triatomíneo), inseto transmissor da doença de Chagas. O nordeste goiano já foi a região de maior incidência da doença no estado. O combate intenso na última década controlou o processo endêmico, mas as casas de barro ainda existem, e continuam aparecendo barbeiros. Os municípios reivindicam recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para melhorias habitacionais, mas o dinheiro previsto está muito aquém do necessário. Reportagem publicada ontem no Correio mostra que os investimentos do PAC para saneamento e habitação estão mais concentrados dos maiores redutos eleitorais. Considerando as verbas destinadas expressamente a cada município, a média de recursos por eleitor em todo o país fica em R$ 322. Nos dez maiores municípios de todos os estados, essa média chega a R$ 535. Justamente nessas cidades são registrados os mais elevados índices de desenvolvimento humano (IDH) do país. Nos 10 municípios mais pobres de cada estado, a média por eleitor fica em R$ 189. Nesses municípios, o IDH médio é de 0,598 - semelhante ao da Namíbia, na África. No nordeste goiano, a média por eleitor é de apenas R$ 50. Sítio D%u2019Abadia vai receber R$ 150 mil para melhorias habitacionais. Isso representa R$ 46 por eleitor. "Dá para sete casas", afirma o chefe de gabinete da prefeitura, Nené Falcão. "Precisamos de 50 casas. Temos muitas casas de barro no município. E no ano passado tivemos 14 casos positivos do vetor (barbeiro), sendo dois dentro de casa", informa o agente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no município, Luís Geraldo Patriota. Ele mostra as casas em situação mais grave e comenta: "Pelo avanço da sociedade, não é mais possível isso. Estamos no século 21. Fica difícil aceitar que um ser humano viva ali". Na zona urbana há várias casas de barro, algumas cobertas por sapé. Questionado se não tem condições de construir uma casa melhor, o agricultor Manoel responde: "Não tem. As posse não dá (sic), a gente é fraco". Sobre a sua renda mensal, fruto do trabalho de diarista nas lavouras, informa: "Por mês dá uns R$ 70, R$ 80. Não chega nem R$ 100". Mas isso dá para alimentar a mulher e os dois filhos? "Dá nada. Agora mesmo estamos com necessidade de muitas coisas, e estamos sem poder. Falta o alimento pra casa, o café, o açúcar, o arroz, o feijão, o óleo". Ele fala que não adianta plantar nas poucas terras que tem: "A terra é fraquinha, não dá produto". Para saber mais Como é transmitida Doença de Chagas não é transmitida ao homem diretamente pela picada do inseto. O barbeiro se infecta com o parasita (trypanosoma cruzi) quando suga o sangue de um animal contaminado (gambás ou pequenos roedores). A transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada. As fezes do barbeiro penetram pelo orifício deixado. Os primeiros sintomas são febre, mal-estar, dor nos gânglios, vermelhidão, inchaço nos olhos. O indivíduo pode saber que tem a doença até 30 anos depois de ter sido infectado. O parasita afeta os gânglios, o fígado e o baço. Depois se localiza no coração, intestino e esôfago. "Aparecem muitos" Mais perto do centro da cidade, dona Balduína Fagundes de Souza, 56 anos, afirma que matou barbeiros na sua casa há pouco mais de um ano. "A gente mata, mas aparecem muito, por causa do mato". Os filhos ajudam nas despesas da casa. Como diaristas, conseguem "até R$ 200" por mês. Completa a renda familiar com os R$ 122 do Bolsa Família. A casa de taipa está cheia de rachaduras e frestas, por onde podem entrar os insetos. Falcão alerta que o dinheiro reservado pelo PAC não será suficiente para as melhorias habitacionais. "Não, porque o município é muito grande. O governo federal tem que se sensibilizar e atender melhor o nosso povo". O agente da Funasa alerta que também faltam recursos para o trabalho de fiscalização e combate ao vetor da doença de Chagas: "Temos R$ 1,2 mil por mês para o combate a endemias, para gasolina, manutenção do carro". Guarani de Goiás também é um município bastante extenso. O dinheiro para melhorias habitacionais está sendo aplicado no interior, onde moram dois terços da população. Os R$ 500 mil reservados pelo PAC serão suficientes para apenas 15 casas. No interior de Buritinópolis, Balbino Barbosa da Silva mostra a casa de barro, cheia de frestas nas paredes e no teto. Nos fundos, improvisou um banheiro com pedaços de pau e roupas velhas. Questionado sobre o perigo da doença de Chagas, responde: "Ouvi falar muito. Agora não vejo falar, mas periga que tem algum". Patriota afirma que há muitos casos da doença na região, diagnosticados na forma crônica. "Se as pessoas não precisam fazer esforço, resistem. Se precisa pegar no pesado, não aguenta. Mata mais entre os 20 e 40 anos, quando o homem está mais ativo".

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