Marcelo Rocha, Ricardo Brito
postado em 16/07/2009 08:00
Existe uma curiosa coincidência de números na gráfica do Senado. Hoje, 429 servidores são funcionalmente vinculados ao setor. Desse total, 129 estão lotados em outras áreas da Casa, incluindo gabinetes parlamentares e departamentos administrativos. Ao mesmo tempo, a instituição paga R$ 7,2 milhões por ano a uma empresa para terceirizar os serviços de impressão. A contratação prevê o fornecimento de exatos 129 trabalhadores para dar conta de tarefas que poderiam ser executadas por funcionários do quadro efetivo não fosse o desvio de função uma prática recorrente no Senado.A transferência de 28,1% dos servidores da gráfica para outros setores resolveu uma equação ao longo de muitos anos. Mais de 90% dos gráficos são funcionários de nível médio e entraram na carreira durante a década de 1980, sendo efetivados no chamado trem da alegria. A movimentação proporcionou a eles ganhos salariais por causa das funções comissionadas. Nessa política do sempre cabe mais um, as vagas em aberto serviram de argumento para justificar a contratação de prestadoras de serviço. Um dos avalistas desse jeitinho administrativo foi o ex-diretor-geral Agaciel Maia, oriundo da gráfica.
Responsável pelos contratos do Senado, o primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), admitiu haver excesso no êxodo de servidores da gráfica. ;É um exagero, sim. Estamos estudando mudanças;, disse o parlamentar. A coordenação de administração das residências oficiais ; que inclui a casa do Lago Sul destinada ao presidente e os apartamentos funcionais da SQS 309 ; tem 19 funcionários, dos quais seis pertencem ao quadro vinculado ao ;processo industrial gráfico;.
Em 3 de março deste ano, dia em que Agaciel Maia deixou a Diretoria-Geral, o Correio publicou reportagem sobre a transferência de um auxiliar técnico da gráfica para trabalhar como policial legislativo. A situação foi denunciada à Advocacia-Geral do Senado. Após a revelação do caso, o servidor foi transferido e atualmente está lotado na Coordenação de Apoio Aeroportuário, uma estrutura com sete servidores mantida exclusivamente para auxiliar os senadores em trânsito.
[SAIBAMAIS]Tem gráfico no Serviço Médico e Odontológico. Há também servidores originalmente vinculados ao setor que atuam na Comissão Permanente de Licitação e na Secretaria de Administração de Contratos. Ou seja, áreas diretamente envolvidas na concorrência pública que selecionou a Steel Serviços Auxiliares Ltda. para atender o setor encarregado dos serviços de impressão do Senado.
Crescimento
A Steel é a maior empresa dentro da gráfica. Foi a que mais cresceu financeiramente no Senado: 134% desde 2004, muito acima da inflação de 28,5% no período. Com sede em Lauro de Freitas (BA), ela executa tarefas como paginação, impressão, acabamento, foto e tipografia de uma das áreas mais cobiçadas pelos senadores. O orçamento do setor é estimado em R$ 35 milhões.
O último aditivo do milionário contrato entre a empresa e o Senado foi assinado por Efraim Morais (DEM-PB) em 30 de janeiro passado, seu último dia como primeiro-secretário. O sucessor de Efraim, Heráclito Fortes, requisitou a relação de todos os funcionários da Steel e respectivos CPFs para fazer cruzamento de dados (leia mais na página 3). Heráclito também quer do novo diretor da área, Florian Madruga, um levantamento sobre a situação dos servidores com origem na gráfica. ;Devo concluir essa pesquisa até a próxima semana;, informou Madruga.
Na avaliação do presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo Federal (Sindilegis), Magno Mello, as raízes do desvio de função no Senado foram a defasagem salarial da carreira. ;A dispersão ocorreu porque as pessoas começaram a buscar funções comissionadas para compensar essa defasagem financeira;, opinou. Essa busca por funções comissionadas e a consequente dispersão da gráfica só ocorreram porque houve respaldo da cúpula da Casa.
; Em toda parte
3.407 servidores efetivos que trabalham no Senado
459 são funcionários originalmente vinculados à gráfica, o que representa 13,4% do quadro
129 gráficos (28,1%) atuam em outras áreas da Casa, como gabinetes parlamentares e setores administrativos
Coincidentemente, o Senado mantém contrato com a empresa Steel Serviços Auxiliares, no valor de R$ 7,2 milhões e vigência até 2010, para o fornecimento de 129 trabalhadores
Fonte: Portal da Transparência do Senado
; Benesses aos amigos
Izabelle Torres
A era Agaciel Maia à frente da Diretoria-Geral foi um tempo glorioso para os técnicos. Aos colegas, o ex-diretor concedeu cargos de chefias e benesses. O atual chefe de gabinete do senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Joberto Mattos, por exemplo, entrou no Senado em 1984 como industrial. No início da década de 1990, ele foi promovido e passou a ocupar função comissionada cujo salário era o equivalente a R$ 2 mil. Desde 2007, Mattos comanda o gabinete de Collor.
Os desvios de função não se restringem aos gráficos. O técnico Ricardo Hollanda, por exemplo, ingressou na Casa como segurança. Em 2004, assumiu função na Liderança da Minoria, foi promovido no mesmo ano e passou a ganhar R$ 4 mil. Em 2007, Agaciel o colocou na Diretoria-Geral. Atualmente, Hollanda é lotado no gabinete de Gim Argello (PTB-DF), mas não trabalha lá. No gabinete, ninguém o conhece.