Numa mobilização chamada de Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, que ocorre em todas as capitais do país, cerca de 3 mil sem-terra e integrantes da Via Campesina chegaram ontem a Brasília com uma pauta bem definida. Além da reivindicação genérica de assentamento das 90 mil famílias que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) hoje acampadas nas cinco regiões brasileiras, a militância vai mirar em um projeto de lei recém-aprovado, em caráter terminativo, na Comissão de Agricultura do Senado. A matéria, cuja relatora é a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), modifica os índices de produtividade que hoje servem de parâmetro para desapropriação de terras e transfere do Executivo para o Legislativo a incumbência de atualizar tais indicadores.
Durante a votação, na terça-feira passada, a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) tentou reformar o projeto, mas teve as quatro emendas apresentadas derrubadas. Amanhã, ela coletará assinaturas de oito parlamentares, além da própria, para apresentar um recurso contra a tramitação da matéria, que está pronta para ser encaminhada à Câmara dos Deputados para a última análise. ;Pediremos que seja submetida ao plenário, pelo menos. É estranho que uma proposta dessa não passe nem pela Comissão de Constituição e Justiça;, destacou a senadora. A estratégia de Serys será derrubar o projeto no plenário, onde a articulação da bancada ruralista, pelo menos no Senado, não é tão forte. A senadora Kátia Abreu, que conseguiu aprovar a matéria na forma de um substitutivo, não foi localizada pela reportagem.
Para Cedenir de Oliveira, da coordenação nacional do MST, o ponto mais preocupante da proposta diz respeito à definição do Legislativo na tarefa de atualizar os índices de produção, intocados desde 1975. ;Queremos que permaneça com os ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Agrário porque são indicadores técnicos, que precisam de uma análise técnica. Ao remeter a atividade ao Legislativo, querem transformá-la numa discussão política, com o apoio dos latifundiários, cuja força é enorme no parlamento;, destaca Cedenir. De acordo com ele, há cerca de dois anos uma portaria com a revisão dos índices de produtividade está pronta para ser assinada pelo ministro da Agricultura. ;Mas sabemos do conchavo desse ministério com o agronegócio;, critica o coordenador do MST. A pasta foi procurada mas não soube informar detalhes sobre o andamento da portaria.
Bloqueio
Outro item da pauta de reivindicação dos sem-terra em Brasília é o contingenciamento de recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). ;Com a justificativa da crise, o governo bloqueou R$ 800 milhões que serviriam para a identificação e desapropriação de terras no país;, reclama Cedenir. Segundo ele, a tarefa do movimento em Brasília será cobrar mais recursos para viabilizar o assentamento de famílias acampadas e também para auxiliar os integrantes do movimento que já estão com um pedaço de chão mas sofrem com a falta de infraestrutura. ;Não adianta só ter o dinheiro desbloqueado, se não aplicarmos bem, beneficiando quem realmente precisa;, destaca.
Enquanto os sem-terra acampam no Estádio Mané Garrincha, marchas são realizadas Brasil afora no protesto batizado de Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária. De acordo com a assessoria do MST, a alimentação, os ônibus e as barracas usados pelos militantes em Brasília são custeados pelas coordenações estaduais. Banheiros e a área para acampamento foram cedidos pelo Governo do Distrito Federal. Ontem, às 19h, houve o lançamento oficial da mobilização, que se estenderá até sexta-feira, com a presença de alguns políticos e militantes de outras entidades sociais que apoiam o MST e a Via Campesina. Uma marcha está prevista para esta semana na Esplanada dos Ministérios, ainda sem dia definido.
Regras atuais
Os índices de produtividade se balizam em dois parâmetros gerais: o grau de utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE). Hoje, para a terra ser considerada improdutiva pelo Incra, portanto passível de desapropriação, o GUT deve estar abaixo de 80% e o GEE, de 100%. O projeto aprovado por nove dos 16 senadores da Comissão de Agricultura extingue o GUT da avaliação.
; Reivindicações
- Assentamento imediato das 90 mil famílias integrantes do MST que vivem acampadas no Brasil
- Investimentos em infraestrutura para 45 mil famílias que estão assentadas
- Atualização dos índices de produtividade, intocados desde a década de 1970, que servem de parâmetro para o Incra e outros órgãos avaliarem se a terra é ou não passível de desapropriação
- Descontingenciamento de R$ 800 milhões do orçamento do Incra
; Repasses generosos
Apesar de vir a Brasília reivindicar o descontingenciamento de recursos alocados no Incra, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não pode reclamar. Dados do Portal da Transparência noticiados pelo Correio há menos de um mês apontam crescimento de quase 20% no volume de repasses federais para instituições ligadas aos sem-terra. De janeiro a junho, as transferências somaram R$ 4,76 milhões, contra R$ 3,99 milhões no mesmo período de 2008. A maior parte foi por meio de convênios com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Embora fundado há 25 anos, o MST não existe juridicamente nem nos registros da Receita Federal. Por isso, não pode receber recursos da União. O fato de participar de invasões de terras também impede o acesso a verbas. Com isso, entidades comandadas por pessoas ligadas ao movimento se proliferaram desde o início do governo Lula. De 2003 até junho, cerca de 40 delas receberam mais de R$ 150 milhões.
; Confira a íntegra do projeto sobre indicadores de produtividade
PROJETO DE LEI DO SENADO N; 202 (SUBSTITUTIVO), DE 2005
Altera a Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, para dispor sobre a fixação e o ajuste os parâmetros, índices e indicadores de produtividade.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1;
A Lei n; 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, passa a viger
com as seguintes alterações:
Art. 6;
Considera-se propriedade produtiva aquela que atinge
graus de eficiência na exploração, segundo parâmetros, índices e ndicadores fixados na forma do artigo 11 desta lei.
........(NR)
; 2;......
I ; para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos na forma do caput, para cada Microrregião homogênea;
II ; para a exploração pecuária, divide-se o número total de nidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido na forma do caput, para cada Microrregião homogênea;
..........(NR)
; 9; Ficam estabelecidos os prazos de dois anos, em caso de ulturas temporárias, e de cinco anos, em caso de culturas perenes e de exploração pecuária, para a adaptação das propriedades rurais, no caso de fixação de novos parâmetros, índices e indicadores de produtividade, bem como no caso de ajuste dos parâmetros, índices e ndicadores de produtividade já existentes.(NR)
Art. 9;
........................
; 1; Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra especificados nos ;; 1;, 3;, 4;, 5;, 6; e 7; do art. 6; desta lei.
.................(NR)
Art. 11
O Congresso Nacional aprovará os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade, os quais serão ajustados, periodicamente, pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola, com base em estudos científicos realizados pelo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária. (NR)
Art. 2;
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.