postado em 30/08/2009 09:37
As regras que proíbem o nepotismo na administração pública existem há um ano. Mas no Ministério do Esporte é fácil encontrar casos em que as relações pessoais se misturam com a vida profissional. Pior. Casos em que a máquina pública banca e beneficia a mesma família, graças à influência política que um dos seus integrantes exerce. E entre práticas de nepotismo declaradas, há também os atos indiretos a favor de amigos, aliados ou antigos ocupantes de cargos de chefias. O Correio encontrou algumas dessas demonstrações de descumprimento da lei e de práticas de favorecimento a determinados grupos.Uma das demonstrações de dribles à súmula (1)do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu o nepotismo e o uso do cargo para beneficiar a própria família, é praticada pelo coordenador do Departamento de Programas Sociais de Esporte e Lazer, Luiz Roberto Malheiros. Sua mulher, Cláudia Marins, faz parte de um cadastro de formadores do Programa (2)Esporte e Lazer das Cidades (PELC). Ela é uma das 80 aprovadas em seleção para dar treinamentos em instituições que irão receber recursos do ministério. Cada curso paga ao formador cerca de R$ 6.400. Esse valor é repassado pela instituição que está recebendo o treinamento. No entanto, é o ministério que indica o formador responsável pelo curso. É nesse contexto que entra o poder da influência que cada integrante da lista de formadores consegue exercer. É aí também que entra a vantagem de Claudia Marins.
Favorecimento
De acordo com cinco professores que também constam no cadastro de formadores, a mulher do coordenador Luiz Roberto é frequentemente indicada para formações. Algumas vezes, seu nome não aparece na lista oficial do ministério, já que entra como ;convidada; do palestrante oficial. Nesse caso, a quantia de R$ 6.400 é dividida entre os dois formadores. Um exemplo dessa parceria ocorreu esta semana em Brazlândia. Na formação dada na Brigada Mirim constava Antonieta Martins como a responsável pelo curso. Pelo menos oficialmente. A reportagem foi ao local do treinamento e verificou que Cláudia Marins era a outra palestrante, apesar de seu nome não aparecer em nenhum documento.
;Isso é muito comum. Sou amiga da Antonieta e sempre fazemos formações juntas. O ministério não tem nada com isso. Eles a indicaram e ela me chamou para dividir o trabalho. Meu marido tem mesmo influência lá, mas sou uma profissional capacitada. Os convites que recebo não têm a ver com ele;, diz a professora.
Indignação
Mas os relatos de responsáveis por entidades que já patrocinaram os cursos de formação desenham um cenário diferente. De acordo com três coordenadores de instituições esportivas, apesar de o dinheiro para os palestrantes sair dos recursos destinados às organizações, são os coordenadores do ministério quem escolhem os formadores. ;A gente não diz nada. Eles já vieram com o nome do escolhido e o preço do curso. Confesso que não entendi isso direito, mas a gente não pode questionar muito sob pena de não receber os recursos para os projetos;, relata um deles em conversa gravada. O coordenador pediu para seu nome não ser publicado temendo retaliações.
O teor do depoimento do coordenador foi o mesmo dos outros dois representantes de entidades. Todos relatam o direcionamento na escolha dos formadores, apesar de existir uma portaria publicada em 2007 afirmando que ;os formadores serão contratados pelas entidades conveniadas;. Na lista de formadores do programa há outros nomes influentes que, segundo professores também cadastrados, levam vantagens na hora das indicações.
É o caso de Andréa Ewerton, que foi diretora do departamento de esporte e lazer e uma das criadoras das regras para o cadastro do qual hoje faz parte. Ela nega qualquer favorecimento. ;Não sou frequentemente convidada. Realizei duas formações. Tais indicações ocorrem em função de meu estudo no mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais e da minha atuação como Diretora de Políticas Sociais, cargo de que solicitei exoneração em 2008;, diz. Ironicamente, e apesar de Andréa constar no cadastro público de formadores, a assessoria de imprensa do ministério informou que a ex-diretora não consta como formadora do PELC. O formador Luiz Otavio Neves também trabalhou na diretoria que administra o cadastro de professores.
No amor
Além das estratégias indiretas para burlar a súmula do STF, o ministério também possui casos declarados e conhecidos de casais que trabalham juntos. No Departamento de Esporte Escolar e de Identidade Cultural estão Silvia Bortoli e Angelo Bortoli. Ambos são funcionários da prefeitura de Guarulhos (SP) e ocupam cargos comissionados no ministério. ;Somos um casal sim, mas não vou falar sobre isso. Somos de setores diferentes e é só esse meu comentário;, diz ela, que ocupa cargo de chefia.
Mais disposto a falar sobre o assunto, o coordenador do Departamento de Programas Sociais de Esporte e Lazer, Mario Dutra, confirma sua relação com a funcionária Adriana Nemer. ;Ela entrou aqui em 2000 e eu em 2003. Desde 2005 mantemos união estável. Nosso caso já foi relatado para os órgãos responsáveis e até o final do mês encaminharemos o relato para o setor responsável aqui do ministério. Nosso caso é simples porque estávamos aqui antes. Também porque somos de setores diferentes;, relata Dutra.
1 - Súmula do STF
Em 28 de agosto do ano passado, o STF decidiu pela proibição da prática de nepotismo nos três poderes. De acordo com o texto, ficou proibida a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até 3; grau, inclusive da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento. A decisão também proibiu o nepotismo cruzado, que acontece quando autoridades contratam parentes de outras autoridades para driblar a relação direta de parentesco.
2 - Vulnerabilidade
O Programa Esporte e Lazer das Cidades (PELC) foi criado para suprir a carência de políticas públicas e sociais que atendam às crescentes necessidades e demandas da população por esporte recreativo e lazer. De acordo com o texto de criação do programa, a prioridade deve ser dada para regiões em situação de vulnerabilidade social e econômica, reforçadoras das condições de injustiça e exclusão social a que estão submetidas.