Politica

Deputados se preparam para discutir o fim do foro privilegiado

Tema já entrou na pauta outras 35 vezes sem que chegasse a ser debatido

postado em 16/09/2009 08:00
Um plenário dividido e repleto de integrantes com pendências judiciais. Esse é o cenário montado na Câmara para discutir se o Congresso acaba de vez com o foro privilegiado, prerrogativa que dá às autoridades a possibilidade de serem julgadas apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Beneficiados por esse privilégio, 104 parlamentares tiveram seus processos reiniciados na suprema Corte depois de serem eleitos. Apesar de 66 deles ainda serem investigados em inquéritos, outros 38 já se tornaram réus em ações penais. Ao todo, 212 deputados possuem algum tipo de pendência com as diferentes esferas da Justiça.

Nos corredores do Congresso, há argumentos para todos os lados. Enquanto alguns insistem nos bons efeitos eleitorais que a proposta traria para o próximo ano, os mais de 100 deputados investigados no STF discutem sobre quais benefícios a curto prazo o fim do foro traria a eles. Pretendem ter a garantia de que, uma vez aprovada, a proposta levaria seus processos de volta para a primeira instância, reiniciando a contagem dos prazos. ;Tem que ver o que acontece com a gente se essa proposta sair mesmo;, disse ontem um deputado da base governista que é réu em duas ações penais e que, apesar da preocupação com o próprio futuro, tem dito publicamente que é a favor da matéria.

Para o líder do PT, Cândido Vacarezza, apesar das diferentes visões criadas em torno da proposta, a maioria dos parlamentares deve votar pelo fim do foro, independentemente dos motivos que tenham. ;O mais importante é ter em mente o teor e as consequências futuras desse projeto. Quero acreditar que as pessoas não votarão apenas pensando nos próprios interesses;, comenta.

Resistências
Mas as pendências judiciais interferem, e muito, na forma de os parlamentares encararem a possibilidade de acabar com o foro. Tanto que o projeto já entrou na pauta do plenário 35 vezes e em nenhuma delas a discussão em torno dele sequer foi iniciada. O mesmo deve acontecer esta semana. A matéria está novamente na lista de votação, mas a discussão sobre ela não deve ser iniciada.

; Memória
Herança colonial

O privilégio do foro privilegiado, concedido a autoridades políticas, é uma herança dos tempos do Brasil colonial. Depois de o benefício ser proibido quando houve a instituição da República, foi ganhando força ao longo dos anos. Em 2002, já no fim do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o foro foi instituído integralmente e ampliado. Visando proteger o próprio presidente que sancionou as novas regras, foi aprovada a Lei n; 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que alterava o Código de Processo Penal para ampliar competências dos tribunais superiores e estabelecer uma lista de autoridades que não poderiam ser julgadas em tribunais de primeira instância.

A nova lei passou, então, a permitir que apenas o STF julgasse essas autoridades em diferentes tipos de crimes, inclusive em processos por improbidade administrativa, que antes eram julgados pela primeira instância do Judiciário. A lei estendeu o privilégio também para ex-ocupantes de cargos públicos. Na época, FHC chegou a dizer que estava certo de que a reunião dos processos no Supremo ajudaria no trâmite das ações contra autoridades, mas a regra é criticada por juristas. Eles argumentam que a lei facilita a impunidade.

Confira a íntegra do projeto:

PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N; , de 2007.
(Do Sr. Dr. Marcelo Itagiba)
Revoga o inciso X do art. 29; o inciso III do art. 96; as alíneas ;b; e ;c; do inciso I do art. 102; a alínea ;a; do inciso I do art. 105; e a alínea ;a; do inciso I do art. 108, todos da Constituição Federal.

Art. 1; Ficam revogados o inciso X do art. 29, o inciso III do art. 96, as alíneas ;b; e ;c; do inciso I do art. 102, a alínea ;a; do inciso I do art. 105, e a alínea ;a; do inciso I do art. 108, todos da Constituição Federal.
Art. 2; Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO
De acordo com o art. 29 da Constituição Federal, o Município regerse-á por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna, estabelecendo, em seu inciso X, o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça.
No art. 96, em seu inciso III, o Texto Maior estabelece que compete privativamente aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
No art. 102, nas alíneas ;b; e ;c; de seu inciso I, que compete ao Supremo Tribunal Federal, processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, e nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.
Na alínea ;a; do inciso I do art. 105, que compete ao Superior
Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.
Outrossim, na alínea ;a; do inciso I do art. 108, a competência
originária do Tribunal Regional Federal, para processar e julgar os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Tratam-se os dispositivos referidos na expressão constitucional do instituto jurídico do foro privilegiado que, há muito, tem sido criticado, tanto pelo cidadão brasileiro comum, quanto pela própria Corte Suprema do País:
....a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional Comparado. (...)Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende
tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os exexercentes de tais cargos ou mandatos.; (Inq 687-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 25-8-99, DJ de 9-11-01)
"Prerrogativa de foro (...) Cancelamento da Súmula 394/STF ; Nãoincidência do princípio da perpetuatio jurisdictionis ; Postulado republicano e juiz natural ; Recurso de agravo improvido. - O postulado republicano ; que repele privilégios e não tolera discriminações ; impede que prevaleça a prerrogativa de foro, perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, mesmo que a prática delituosa tenha ocorrido durante o período de atividade funcional, se sobrevier a cessação da investidura do indiciado, denunciado ou réu no cargo, função ou mandato cuja titularidade (desde que subsistente) qualifica-se como o único fator de legitimação constitucional apto a fazer instaurar a competência penal originária da Suprema Corte (CF, art. 102, I, b e c). (...) (Inq
1.376-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 15-2-07,
DJ de 16-3-07)
A nosso ver, fazendo nossas as palavras do Supremo tribunal
Federal de que nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República, o reconhecimento da prerrogativa de foro, perante o Supremo Tribunal Federal ou quaisquer outras cortes, nos ilícitos penais comuns, em favor de quem quer que seja, não só daqueles que usufruem deste privilégio, mas de qualquer pessoa, transgride valor fundamental à própria configuração da idéia republicana, que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade.
A prerrogativa de foro é outorgada, constitucionalmente, ratione muneris, a significar, portanto, que é deferida em razão de cargo ou de mandato ainda titularizado por aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado, mas tal prerrogativa já se descaracterizou em sua essência mesma, estando hoje
degradada à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal, razão de nossa iniciativa com a apresentação da presente Emenda Constitucional, inspirados nas conclusões expostas pela Associação dos Magistrados Brasileiros ; AMB,
realizado em Brasília, nesta data, cujo tema que dava nome ao evento era ;Juízes contra a corrupção;.
Desse modo, acreditando estar contribuindo para o aprimoramento do Estado Democrático de Direito brasileiro, esperando o apoiamento dos nobres colegas para a sua aprovação. Sala da Sessões, Brasília ; DF, de julho de 2007.
MARCELO ITAGIBA
Deputado Federal ; PMDB/RJ

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