Isabella Souto
postado em 04/10/2009 09:45
Diz o Código de Processo Penal (CPP) brasileiro que o Ministério Público é o autor das ações criminais, enquanto cabe às polícias a apuração das infrações penais e sua autoria. Um trabalho que deve ser feito em harmonia e independência para a defesa do cidadão. Mas na prática, nem sempre é assim que acontece. A disputa entre integrantes das chamadas polícias judiciárias ; Civil e Federal ; e do Ministério Público atravessou os corredores e chegou ao meio público. Ninguém mais esconde a insatisfação causada por um único motivo: a quem cabe o poder de presidir e conduzir investigações e de controlar o trabalho feito pela polícia.Os policiais alegam que a primeira tarefa é exclusiva deles ; e a segunda do Executivo, a quem elas estão vinculadas. Já os procuradores e promotores asseguram que a Constituição lhe dá a prerrogativa de fiscalizar a polícia, além de as leis orgânicas dos MPs federal e estaduais preverem a realização de investigações. A queda de braço que já estava no Supremo Tribunal Federal ganhou novo round na semana passada, com mais uma ação. Dessa vez a autoria é da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), que questiona resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho da Justiça Federal e provimentos de quatro tribunais regionais federais.
Os dispositivos, na avaliação da ADPF, conferem poder de polícia aos integrantes do MP ao dar a eles a possibilidade de realizar e presidir inquéritos policiais, enquanto que pela Constituição caberia ao MP apenas requisitar diligências e a instauração do inquérito policial. ;O MP insiste em criar no Brasil um dogma que a polícia trabalha para levantar provas e entregar para eles. As resoluções deixam o MP no comando e nós como meros executores ao criar uma relação de subordinação da polícia ao MP;, argumenta o porta-voz da ADPF, delegado Marcos Leôncio Sousa Ribeiro.
Sobrou até para o Judiciário. Segundo o delegado Leôncio, pelo CPP cabe ao juiz resolver pendências durante o trabalho de investigação como, por exemplo, a prorrogação de seu prazo. Provimentos aprovados este ano por quatro TRFs, no entanto, retiraram a prerrogativa do magistrado, deixando nas mãos do Ministério Público e da polícia a tarefa de tomar todas as decisões durante os inquéritos.
Ações na Justiça
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) também é autora de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada em julho no STF e que questiona o controle das corporações pelo Ministério Público. Esse controle, na avaliação da entidade, interfere na ;organização, garantias, direitos e deveres; das polícias judiciárias ao deixar nas mãos do MP a tarefa de corrigir irregularidades, ilegalidades ou abuso de poder eventualmente praticados por policiais. O argumento da Adepol é que essa tarefa cabe às corregedorias de polícia, responsáveis pela abertura de procedimentos administrativos.
No entanto, segundo a ADPF, as próprias corregedorias têm orientado as polícias a seguirem o que dizem as resoluções e provimentos questionados na Justiça. ;Nós não queremos fazer nenhum tipo de atribuição do MP. Mas o MP quer ter o controle das investigações e da polícia. É complicado concordar com isso. E eles (promotores e procuradores) ainda querem escolher os casos que estão na mídia, é o que temos constatado;, diz o presidente da Adepol, delegado Carlos Eduardo Benito Jorge.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, rebate. Segundo ele, o artigo 129 da Constituição Federal é claro ao delegar ao MP a função de exercer o controle da polícia. E, em nenhum momento, diz ele, as investigações devem ser conduzidas exclusivamente pelas polícias. ;Com essa resistência da polícia em se submeter ao controle do MP, na verdade estão negando um controle que é previsto pela Constituição;, pondera. Segundo ele, ao contrário do que dizem os policiais, a tarefa é regulamentada pela lei orgânica do MP, que é uma lei complementar, conforme prevê a CF.
Rendimentos
Quanto ao poder de investigar, ele é taxativo. ;Se eu posso determinar que os delegados façam diligências para mim, porque não posso realizar a investigação?; Na avaliação de Cosenzo, o que está por trás da ;irritação; das polícias é o interesse por isonomia. ;Eles querem ganhar o mesmo que o MP e o Judiciário;, diz. Os vencimentos dos promotores, procuradores, juízes e desembargadores variam de R$ 18,7 mil e a R$ 22,11 mil, enquanto delegados ganham a partir de R$ 3 mil ; civis, valor que varia por estado ; e R$ 12 mil para federais em início de carreira. A assessoria de imprensa do CNMP informou que nenhum dos conselheiros comentaria o assunto.