Politica

Obras abandonadas por todo o país deixam legado de desperdício de dinheiro público

postado em 05/10/2009 08:43
Algumas obras ficam tantos anos paralisadas, por falta de recursos, por falhas no projeto ou por irregularidades apontadas pelo Tribunal da Contas da União (TCU), que acabam sendo abandonadas. Recomeçá-las seria mais caro do que iniciar uma obra nova. O dinheiro ali investido acaba sendo rasgado. Os benefícios previstos para a população não acontecem. E, muitas vezes, os responsáveis pelos prejuízos não são condenados. Alguns desses empreendimentos deixam alguma herança, como o Hospital Terciário de Natal, no Rio Grande do Norte. Após 20 anos, com investimentos de R$ 25 milhões, o que restou foram escombros da construção, com acúmulo de lixo e água estagnada, o que favorece a proliferação de doenças, inclusive dengue. Tudo isso ao lado de um bairro pobre da capital potiguar. [SAIBAMAIS]O esqueleto do hospital Terciário de Natal é um símbolo do desperdício de dinheiro público. Lembra um prédio atingido por um bombardeio. A obra foi iniciada em 1990. Quando a execução estava na metade, o prédio foi invadido por uma centena de "sem-teto", que derrubaram paredes e telhados e roubaram tijolos, vigas, ferragens, portas e janelas. A edificação de quatro andares tem as ferragens à mostra, deterioradas pela ação da chuva. Paralisadas desde 1991, as obras foram definitivamente abandonadas pelo governo estadual. Restou ao TCU recomendar o fechamento das brechas no muro da construção, a retirada do lixo e a drenagem da água estagnada, para preservar a segurança e a saúde da população vizinha. Se o hospital tivesse sido construído, essa mesma população disporia de 150 leitos. A construção do Hospital Regional de Cacoal, em Rondônia, que também teria capacidade para 150 leitos, teve início em 1991. A obra evitaria que a população de nove cidades buscasse serviço médico especializado em Porto Velho, distante 477 quilômetros, com o uso de ambulâncias. Em sete anos, ficaram prontas as paredes, os telhados, parte dos pisos e do acabamento. Com a paralisação, foram roubadas portas, janelas e fiação elétrica, além de surgirem infiltrações em paredes. A execução chegou a 65% do orçamento previsto, cerca de R$ 50 milhões. Já foram rescindidos contratos com três empreiteiras. O TCU excluiu o hospital da sua "lista suja" neste ano. A obra deverá ser concluída pelo governo do estado, com recursos da iniciativa privada. Meio século O primeiro canteiro de obras da Barragem Oiticica, em Jucurutu (RN), foi implantado em 1953, há mais de meio século. Os operários construíram uma pequena vila, abriram estradas, derrubaram mato, mas foi tudo adiado. Os peões receberam as casas que ocupavam como indenização. O segundo canteiro, distante 200 metros, foi construído em 1990. Perto dali, há uma enorme vala, onde ficariam os alicerces da barragem. Seguindo por uma estrada no meio do mato, chega-se aos restos de uma barragem de pedras, no alto de um morro. Os trabalhos foram suspensos em abril de 1993, quando o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (Dnos) apontou indícios de superfaturamento de 140% na obra. O contrato assinado com a empreiteira Odebrecht em 1990 foi rescindido há dois anos. No Distrito Federal, o perímetro de irrigação do Rio Preto previa a construção de 30 pequenas barragens, para aumentar a área irrigada em 7,6 mil hectares. O projeto foi iniciado em 2001, mas não saiu do papel. O TCU apontou irregularidades, como falhas no projeto básico e ausência de licenças ambientais. O empreendimento constou da lista de obras irregulares durante anos. Em 2008, o tribunal declarou a "perda de objeto" da fiscalização, por conta da ausência de vínculos da União com o projeto. O contrato com a empreiteira Gautama foi anulado. Foi declarada a inidoneidade da construtora para licitar e contratar no âmbito do DF. Retenções parciais Obra parada é prejuízo certo para a empreiteira, para o governo e, principalmente, para a população que seria beneficiada. Às vezes, diante das irregularidades encontradas, como fraude na licitação, falhas no projeto e falta de licença ambiental, não há como evitar a paralisação. Mas o Tribunal de Contas da União (TCU) tem utilizado uma alternativa, nos últimos anos, quando há indícios de sobrepreço ou superfaturamento. A corte determina a retenção parcial dos pagamentos, na proporção do sobrepreço encontrado. A obra e as investigações continuam. No fim da empreitada, há um encontro de contas. Se os indícios não são confirmados, a empresa recebe o dinheiro retido. Caso contrário, o pagamento já está feito, e a obra, concluída. Neste ano, houve retenção cautelar em 17 obras, com orçamento total de R$ 3,87 bilhões. A Ferrovia Norte-Sul já havia sofrido corte parcial de pagamentos no ano passado, quando foram apurados indícios de sobrepreço médio de 23% no trecho próximo a Araguaína (TO). A retenção chegou a R$ 500 milhões. Neste ano, foram detectados novamente preços excessivos em comparação com o mercado em dois trechos, Palmas-Rio Canabrava (TO) e Anápolis-Uruaçu (GO), com orçamentos totais de R$ 2,9 bilhões. As retenções variam de 5% a 10% do valor de 10 contratos com sete empresas diferentes. No trecho de Goiás, também foram encontradas outras irregularidades, como subcontratação irregular, retenção dos impostos em desacordo com os percentuais previstos no BDI (Benefícios e Despesas Indiretas) das empresas contratadas e supervisão deficiente das obras. Em relação à subcontratação irregular, a equipe de auditoria observou a execução de serviços por empresas distintas das contratadas, sem prévia e expressa autorização da subcontratação pela Valec, estatal responsável pela obra. Canal do Sertão Outra obra que sofreu retenção parcial foi o Canal do Sertão, em Alagoas, com orçamento de R$ 593 milhões. Trata-se de um canal de 240km que vai levar água do Rio São Francisco à região de Arapiraca, no agreste, passando pelo sertão alagoano. No ano passado, o TCU chegou a determinar a paralisação desse empreendimento. Neste ano, foi constatada a redução de 15km dos 45km inicialmente previstos para o primeiro trecho. O objetivo seria a inclusão de novos serviços, correspondentes a 33% do valor do contrato. Mas não houve qualquer alteração do valor global contratado. O tribunal aguarda as justificativas do governo de Alagoas, que toca a obra. Iniciado em 1993, o empreendimento tem andado a passos de tartaruga.

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