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Ambulâncias da discórdia

Ministério da Saúde é acusado de modificar padrões na licitação para compra de veículos do SUS, e Justiça suspende pregão

postado em 09/10/2009 10:12
A Justiça Federal suspendeu ontem a realização do pregão destinado a aquisição de 1.850 ambulâncias para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192), no valor máximo de R$ 277 milhões. Uma das empresas interessadas na licitação acusa o Ministério da Saúde de modificar os padrões técnicos dos veículos, reduzindo a sua qualidade e capacidade de carga, contrariando normas da própria pasta, para beneficiar outras empresas montadoras.

A juíza Cristiane Pederzolli Rentzsch, da 17; Vara Federal, deu prazo de 10 dias para o ministério prestar informações sobre o processo de licitação. Até 2011, o governo pretende comprar 4.176 ambulâncias e 10 helicópteros para a Samu.

O pedido de liminar, apresentado pela Brasília Motors, representante da montadora Mercedes Benz, será analisado pela Justiça somente após a apresentação das informações pelo ministério. A empresa afirma que o edital desrespeita padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da Portaria 2048/2002 do próprio Ministério da Saúde.

O secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame(1) (), nega que tenham sido desrespeitadas essas normas e afirma que o objetivo da empresa reclamante seria o de "cercear a concorrência pública". Segundo ele, "a redução (do limite mínimo de carga) foi feita para que pudesse ser ampliada a possibilidade de concorrência, para que outras empresas pudessem participar". Questionado sobre quais empresas se enquadrariam nessas novas regras, informou: "Fiat e Ford".

Na ação judicial, a Brasília Motors alega que "não se pode, a título de permitir a participação de mais concorrentes, colocar em risco a segurança de um passageiro, que, no caso, se chama paciente".

E argumenta que a audiência pública realizada pelo ministério não foi concebida para isso "nem tampouco para respaldar modificações sorrateiras em normas para beneficiar particulares em aquisições públicas". Acrescenta que não teria havido "qualquer debate" nessa audiência, mas apenas apresentadas sugestões "para solicitar que a lei fosse transgredida, para que tal ou qual empresas pudesse participar com seu veículo".

Normas

A Brasília Motors interpreta que, pelas normas da ABNT, adotadas pelo ministério, o veículo a ser adquirido deveria ter capacidade de carga de 2,1 toneladas, enquanto o edital exige capacidade mínima de 1,4 tonelada. As atuais ambulâncias da Samu, das marcas Mercedes, Renault e Iveco, têm capacidade de carga entre 1,6 tonelada e 1,7 tonelada.

A empresa reclamante também apresentou uma série de dispositivos da ABNT que teriam sido desrespeitados. Em pedido de informações feito diretamente ao Ministério da Saúde, na tentativa de impugnar a licitação, a empresa questionou a capacidade de carga exigida no edital.

Em resposta, o coordenador-geral de Urgência e Emergência, Clésio Mello de Castro, afirmou que "as ambulâncias de suporte básico e avançado da Rede Samu 192 não realizam ações de salvamento e não possuem equipamentos para as referidas ações". A Brasília Motors lembra que, segundo a Portaria 2048/2002, "as ambulâncias de suporte básico que realizam também ações de salvamento deverão conter o material mínimo para salvamento terrestre, aquático e aéreo".

Beltrame afirma que a própria Mercedes Benz já forneceu veículos para a Samu com capacidade bem abaixo de 2,1 toneladas. Agora, estaria apenas defendendo seus interesses comerciais. "O que eles pretendem impor ao edital é uma carga que direcionaria para o veículo que eles pretendem vender, inclusive diferente daquele que já vendeu no passado". Esse novo veículo, segundo afirma o secretário, seria o Sprinter 413 CDI TE, com capacidade de carga de 2,2 toneladas.

Ouça entrevista com Alberto Beltrame, sobre licitação de ambulâncias


1 - Comando
O secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, comanda um dos maiores orçamentos do Ministério da Saúde. Ele chegou ao cargo com o respaldo da bancada do PMDB na Câmara, por indicação pessoal do deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS). Ele disputou o cargo com o então secretário de Saúde de Belo Horizonte, Elvécio Magalhães.

Entrevista - Alberto Beltrame
Para ampliar concorrência


O secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, afirmou ao Correio que a redução da capacidade mínima foi feita para ampliar a concorrência e negou que o Ministério da Saúde tenha desrespeitado normas técnicas.

A empresa Brasília Motors alega que o edital estaria fora das normas previstas pelo ministério. O descritivo técnico está rigorosamente dentro das normas técnicas, de acordo com a ABNT. O argumento da empresa está centralizado na tentativa de cercear concorrência pública, diminuir a possibilidade de concorrência.

O argumento central deles é a carga do veículo e o que eles pretendem impor ao edital é uma carga que direcionaria para o veículo que eles pretendem vender, inclusive um veículo diferente daquele que já vendeu no passado para o Ministério e que é o que roda hoje no Brasil, que é um veículo menor.

Qual a capacidade colocada no edital?
É 1,4 mil quilos de carga útil mínima.

Qual a capacidade dos veículos que circulam hoje?
Entre 1,6 mil e 1,7 mil.

Por que houve a redução desse limite?
A redução foi feita para que pudesse ser ampliada a possibilidade de concorrência, que outras empresas pudessem participar.

Quais empresas?
As montadores existentes no país. A própria Mercedes, a Iveco, a Fiat, a Renault%u2026

Mas a Mercedes e a Ivecio já participam.
Sim, já participam.

Ampliaria para quais?
Fiat e Ford.

Eles tem equipamentos a partir de 1,4 mil quilos?
Ambos têm. A questão principal não é essa. É a seguinte: como se calcula a carga mínima necessária para uma ambulância? Porque chegamos a 1,4 mil quilos? Nós precisamos ter um veículo que seja capaz de transportar até cinco pessoas. Somando todo o peso, chegamos a 1,3 mil quilos. Não há necessidade de comprarmos um veículo de mais de 2,1 mil quilos. É um veículo muito mais caro. E 2,1 mil quilos colocariam apenas dois licitantes aptos a participar.

Em resposta à empresa, o ministério afirmou que as ambulâncias do Samu não realizam operações de salvamento. Isso é fato?
Existe sempre uma confusão conceitual entre uma ação do Samu e uma ação de salvamento e de resgate. As ações de salvamento e de resgate são de grandes acidentes, de incêndios, de acidentes com pessoas presas em ferragens. Essas não são atribuições do Samu, mas dos bombeiros. Não se confunda aí salvamento com a tarefa de salvar vidas. Se querem entender salvar vidas como salvamento, pode-se entender. Mas tecnicamente é outra coisa.

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