A demora em ouvir os depoimentos de políticos e autoridades em Brasília preocupa o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo que investiga o maior escândalo do governo Lula: o mensalão. A maior dúvida é se todas as testemunhas de defesa que foram arroladas pelos 39 réus serão ouvidas no prazo estabelecido por ele, que termina em dezembro. Se isso não acontecer, o julgamento da ação penal que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) pode atrasar ainda mais.
A interlocutores, o relator do processo costuma criticar o que classifica de ;chicanas; da defesa para retardar a análise da ação pelo Supremo, acirrando o risco de prescrição. Ontem, ele tomou uma decisão que vai provocar reflexos diretos no julgamento do caso. Em meio à demora para concluir a fase de coleta de depoimentos em Brasília, propôs que o próprio juiz federal incumbido de ouvir testemunhas com prerrogativa para marcar dia, hora e local para prestar depoimento decida quando isso vai acontecer ; caso a autoridade demore mais de um mês para agendar sua fala à Justiça.
[SAIBAMAIS]A proposta foi aceita por unanimidade e poderá ser aplicada em todo o Brasil. ;Isso é compatível com a exigência de celeridade e de seriedade por parte de quem é convocado para depor como testemunha;, disse o ministro Celso de Mello.
O Supremo analisou uma medida apresentada por Barbosa por causa de uma ação penal contra o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). O juiz encarregado de ouvir o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) como testemunha queixou-se de já ter tentado fazer isso cinco vezes, sem sucesso. O processo do mensalão não foi citado durante o julgamento, mas a proposta de Barbosa, aceita pelos colegas, vai poder ser aplicada pela Justiça Federal de Brasília para que haja mais rapidez nos depoimentos.
Preocupação
A preocupação do relator do mensalão se justifica. Ao todo, 150 pessoas foram indicadas pelos réus do processo para prestarem depoimento na capital federal ; entre elas, 66 autoridades. São deputados, senadores e ministros de Estado, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice, José Alencar. Mas, até agora, menos da metade dos políticos foi ouvida. Foram 23 depoimentos, o que representa apenas 34% do total. Outras 43 autoridades ainda terão que falar à Justiça (65%). Destas, 19 marcaram data para isso e 24 ainda não.
Juíza da 12; Vara da Justiça Federal do DF, Pollyanna Kelly Martins Alves tem ocupado boa parte do seu tempo com a tarefa de ouvir autoridades em Brasília. Esta semana, por exemplo, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ex-ministro da Fazenda e deputado federal Antonio Palocci (PT-SP) prestaram depoimento. Ambos negaram a existência do mensalão e disseram só ter tomado conhecimento do caso pela imprensa. O presidente Lula vai prestar esclarecimentos por escrito, assim como o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). O vice-presidente José Alencar já respondeu às perguntas da defesa dos réus, também por escrito.
"Isso é compatível com a exigência de celeridade e de seriedade por parte de quem é convocado para depor como testemunha"
Celso de Mello, ministro do STF
O número
43 - Quantidade de autoridades que ainda terão que prestar depoimento sobre o mensalão
Memória
Dois anos de investigação
A ação penal que investiga o mensalão foi aberta em agosto de 2007, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra 40 acusados de envolvimento no suposto esquema. Com isso, os denunciados passaram a réus. Na lista, estão os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken, o ex-presidente do PT José Genoíno e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido. O ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira cumpriu uma pena alternativa e não responde mais ao processo. Na denúncia, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apontou a existência de uma ;sofisticada organização criminosa;, estruturada ;para a prática de crimes como peculato (uso de cargo público para obtenção de vantagens), lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, além das mais diversas formas de fraudes;. O mensalão foi denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson, que acusou parlamentares da base aliada de receber dinheiro em troca de apoio político no Congresso Nacional. Ele também responde ao processo.