postado em 25/10/2009 10:43
Apesar da promessa de transparência como forma de enfrentar as denúncias de malversação das cotas de passagens aéreas disponibilizadas aos parlamentares, a Câmara dos Deputados não está divulgando na internet os gastos dos gabinetes com as companhias aéreas. O limite mensal de despesas dos 513 deputados federais com o mandato alcança em média R$ 15 milhões. À exceção de gastos com combustíveis, os recursos são cumulativos e podem ser usados ao longo do ano. Todas as informações relacionadas ao uso das verbas deveriam estar disponíveis a consulta pública desde agosto.
Implantado em julho como uma das medidas da reforma administrativa para ampliar o controle dos gastos com as passagens, o chamado "cotão" incorporou a verba indenizatória no valor de R$ 15 mil, 80% das antigas cotas de passagens destinadas aos deputados federais segundo o seu estado de origem, além de R$ 4,2 mil de gastos postais. O "cotão" não incluiu o auxílio-moradia de R$ 3 mil.
Os deputados também recebem subsídio de R$ 16,5 mil, além de dispor de verba de gabinete de aproximadamente R$ 60 mil - usada para a contratação de até 25 assessores sem concurso público. Com o "cotão", a despesa mensal com as verbas indenizatórias caiu 8,3%, de R$ 16,327 milhões para R$ 15,067 milhões. Ao ano, são consumidos cerca de R$ 180,8 milhões com indenização dos gastos dos mandatos.
Embora todas as despesas dos deputados federais previstas no "cotão" estejam disponíveis desde agosto no site da Câmara para consulta, os gastos com a aquisição de passagens não foram publicados. Levantamento por amostragem feito pelo Correio/Estado de Minas indica que um em cada seis parlamentares teve nesse período alguma despesa com a rubrica. Foram sobretudo aeronaves fretadas para viagens às bases eleitorais, uma espécie de prévias das campanhas.
É o caso do deputado federal Aelton Freitas (DEM-MG), que gastou no período R$ 38,8 mil com um avião contratado para viagens de Uberaba, no Triângulo Mineiro, a Montes Claros, Salinas, Janaúba, Varjão de Minas entre outras cidades de sua base eleitoral no Norte de Minas. Da mesma forma, Bilac Pinto (DEM-MG) gastou R$ 25 mil no fretamento de uma aeronave para viagem ao Sul de Minas - Lavras, Pouso Alegre, Alfenas, Minas Novas e Capelinha.
Há ainda casos de deputados como Acélio Casagrande (PMDB-SC) que gastou no período R$ 2.013 em passagens para o próprio uso com destino principalmente a Florianópolis, além de Alex Canziani (PTB-PR) que pagou R$ 1.755,24 em bilhetes para Curitiba. Nos dois casos são tíquetes comprados em aeroportos.
A alegação da Mesa Diretora para a não publicação dos gastos com passagens é de que o sistema das companhias aéreas não foi adequado ao da Câmara dos Deputados. Ao ser informado do problema, o deputado federal Odair Cunha (PT-MG), terceiro-secretário da Mesa Diretora, determinou força-tarefa para solucionar o caso. "Fizemos um corte na cota de passagens de 20%, unificamos as despesas para facilitar o controle e a divulgação é necessária para o controle social", considerou o parlamentar. A previsão da Coordenação de Gestão das Cotas (Cogep) é de que só no mês que vem o problema seja resolvido.
Divulgação obrigatória
A partir de 27 de maio de 2010, a transparência em tempo real dos gastos públicos nos três poderes será não mais uma concessão, mas uma imposição de lei. Entrará em vigor a Lei Complementar 131/2009, chamada Lei da Transparência, criada em 2004, por iniciativa do ex-senador João Capiberibe (PSB-AP). A proposta sancionada em maio ganhou apoios diversos, entre eles o da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além do respaldo de entidades de classe como a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
A Lei Complementar 131/2009 adiciona recursos à conhecida Lei de Responsabilidade Fiscal, representando um passo adiante no acesso público às informações relacionadas à gestão pública, frequentemente encerrada em caixas-pretas. As informações pormenorizadas sobre execução orçamentária e financeira da União, estados, Distrito Federal e municípios deverão ser divulgadas em tempo real.
Enquanto os poderes de municípios com mais de 100 mil habitantes terão de se enquadrar até 27 de maio, cidades menores terão entre dois e quatro anos para abrir as contas. "Há três outros projetos semelhantes tramitando no Senado. Particularmente, o Projeto de Lei Complementar 248/2009, de Renato Casagrande, quando aprovado, avançará na ideia da transparência, introduzindo a questão da qualidade fiscal e diretrizes para uniformizar o ciclo orçamentário", diz o conselheiro do Tribunal de Contas de Minas Sebastião Helvécio, que estuda a matéria.