Politica

Quem vai fiscalizar os fiscais?

Ministério Público de Contas está revoltado com PEC que propõe a criação de conselho nacional para controlar tribunais do país. Principal argumento é que a matéria fere a autonomia funcional e a independência do órgão

Mirella D'Elia
postado em 14/11/2009 08:30
Pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados após dois anos de tramitação, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC) ; órgão de controle(1) externo dos tribunais de contas da União, dos estados, municípios e do Distrito Federal ; despertou a ira do Ministério Público de Contas(1). A principal queixa é que a PEC 28/2007 fere a autonomia funcional e a independência do órgão. Pela proposta, já aprovada em comissão especial e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, membros de outras carreiras poderão fiscalizar o trabalho do MP. O tema vem à tona após mais uma onda de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao TCU por causa da paralisação de obras no país e no momento em que o governo discute um anteprojeto de lei da nova lei orgânica da administração pública ; que, entre outras coisas, quer regulamentar a atuação do TCU (veja memória).

O cordão dos insatisfeitos é puxado pela Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon). A entidade acha inaceitável o que classifica de ;submissão; dos procuradores ao conselho. E pressiona os parlamentares a mudar o texto do projeto, de autoria do deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB). A associação quer que a fiscalização fique a cargo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), como acontece com os outros ramos do MP. Sustenta que tanto o CNMP quanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ; que controla o Judiciário ; são compostos, em sua maior parte, por integrantes da própria categoria.

;Não queremos ficar fora de controle. No regime democrático, agentes públicos devem ter controle. Mas é inadmissível ficar submetido a esse conselho;, reclama o presidente da Ampcon, José Gustavo Athayde, que atua em Goiás. ;A nossa submissão pode afetar a independência funcional, pois a atuação fica submetida a membros de outras carreiras. Não concordamos;, completa Demóstenes Tres Albuquerque. Diretor-executivo da associação, ele é procurador no Tribunal de Contas do DF.

O procurador Marinus Marsico, que atua no TCU, tem uma postura mais radical. Defende que a categoria entre com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) se o texto for aprovado do jeito que está. ;Depois de tantas marchas e contra marchas no Congresso, ficamos só com uma vaga no conselho. Mexemos com uma série de assuntos delicados, com recursos públicos. Se alguém não estiver satisfeito com nossa atuação, pode instaurar um processo contra nós e seríamos minoria. Isso não é uma mordaça, mas é uma amarra;, afirma.

Na avaliação dele, a mudança pode abrir brecha para que futuros projetos acabem prejudicando as funções do Ministério Público de Contas. ;Nossas atribuições seriam tolhidas.;

Polêmica
O autor do projeto admite que essa é a parte mais delicada da proposta. ;É uma matéria polêmica;, diz Vital do Rêgo Filho. ;Entendo a posição do Ministério Público, mas penso que essa discussão de competência do CNMP (para fiscalizar os procuradores que atuam nos tribunais de contas) não vai prosperar;, opina. O parlamentar espera que a PEC entre em pauta antes do recesso de fim de ano. ;Há um compromisso do (presidente da Câmara) Michel Temer (PMDB-SP). Quero encontrar uma forma de tornar o projeto o mais harmônico possível para que ele ande. Se não houver acordo, não anda;, pondera.

Segundo o deputado, a mudança na composição do conselho foi motivada por questões econômicas. Inicialmente, seriam 14 e não nove os membros do CNTC. ;A comissão especial que analisou a PEC resolveu enxugar;, justifica.


1- Reclamações
O objetivo do CNTC é fazer o controle externo dos tribunais de contas. Além de receber reclamações contra os tribunais, poderá avocar processos disciplinares em curso e estará autorizado a determinar a remoção, disponibilidade ou aposentadoria, assim como aplicar outras sanções administrativas aos membros ou órgãos dos tribunais e do Ministério Público. Pela PEC, o conselho terá nove membros: dois ministros do TCU; dois conselheiros de tribunais de contas dos estados; um de tribunal de contas de município; um auditor; dois integrante indicados pelo Congresso (um pela Câmara e outro pelo Senado); e um procurador.

2- Direitos e vedações
O artigo 130 da Constituição Federal diz que os integrantes do Ministério Público de Contas (MPC) têm os mesmos ;direitos, vedações e forma de investidura; dos outros ramos do Ministério Público. Atualmente, 140 procuradores atuam em tribunais de contas. Mas há quatro estados que não contam com esses profissionais: São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Amapá.



; Memória
Ataques ao tribunal

O Tribunal de Contas da União (TCU) tornou-se alvo frequente de críticas disparadas pelo presidente Lula. Em outubro, ele disse que as paralisações de obras geram atraso para o país. ;O Brasil está travado. Não é fácil governar com a poderosa máquina de fiscalização e a pequena máquina de execução;, disse o presidente, durante cerimônia de posse do novo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Na ocasião, ele lançou a ideia de criar uma câmara superior ;inatacável; para decidir quando um empreendimento deve ser paralisado, ;senão o país fica atrofiado;, e questionou os critérios do órgão.

Lula já havia atacado o TCU durante visita às obras de transposição do Rio São Francisco, também no mês passado. Em meio à polêmica, o governo começa a discutir uma proposta para regulamentar a atuação do TCU. Na última quarta-feira, o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo, apresentou a secretários de Administração de estados e a técnicos da equipe econômica do governo federal a minuta do anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública. Segundo ele, a intenção é enviar a matéria ;o mais breve possível; para o Congresso.

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