A Câmara dos Deputados reduziu os gastos com serviços telefônicos este ano, mas mantém artifícios que ampliam as possibilidades de utilização dos aparelhos dos gabinetes dos deputados de forma descontrolada. Secretários parlamentares revelaram ao Correio, com demonstrações práticas, como funciona o esquema que permite ao gabinete completar ligações interurbanas solicitadas dos estados de origem do parlamentar por seus funcionários, aliados políticos e pessoas das relações pessoais do deputado.
Cada gabinete possui cinco linhas, em média. Além da disponibilidade de ligações aos próprios funcionários dos gabinetes, sem restrições, a gastança é proporcionada também por visitantes. Mas o abuso maior fica por conta das ligações num sistema chamado ;conferência;. O artifício é simples: funcionários nos estados e pessoas ligadas ao deputado ou funcionários ligam a cobrar para o gabinete. Pedem uma ligação local ou interurbana, para qualquer lugar do país. Passam o número desejado e aguardam na linha, no sistema chamado inquiry, enquanto a ligação é efetuada. Quando a ligação é completada, a pessoa que está fazendo a ligação aciona o botão transfer, coloca o aparelho no gancho e a conversa permanece pelo tempo desejado. Tudo de graça, ou melhor, com o dinheiro público.
Esse sistema de conferência é disponível numa linha do aparelho na mesa da secretária do gabinete, mas também pode ser utilizado no aparelho da sala do parlamentar. Ou seja, duas conferências podem ser feitas ao mesmo tempo. Alguns funcionários descobriram também como fazer conferência de outra linha com aparelho comum. Recebem a ligação no número a cobrar e transferem para outro aparelho. Nesse outro telefone, digitam a tecla flash, o zero para obter linha externa, o número 3 e, pronto, a conferência está concluída. Aí, é só puxar o cabo do fone, para que a conversa não seja ouvida.
Responsabilidade
A Câmara afirma que o controle pelo uso dos ramais, linhas fixas e celulares dos gabinetes é de responsabilidade de cada parlamentar e, em caso de eventuais abusos com os gastos telefônicos, é o deputado quem acaba sendo penalizado com a redução da cota disponível para outras atividades de representação parlamentar. A direção da Casa sustenta que não há, tecnicamente, como identificar as conferências realizadas. Se há uma chamada a cobrar recebida e outra ligação é efetuada, cada telefonema é registrado separadamente.
;Portanto, qualquer acusação quanto a abusos nos gastos não passa de mera especulação;, diz nota enviada ao Correio pela Câmara. A nota acrescenta que o sistema de ;conferências; não será cancelado. ;Por último, a Câmara não pensa em acabar com a ferramenta de conferência telefônica, tendo em vista que a mesma é um mecanismo moderno de comunicação que facilita a atividade parlamentar, sendo também utilizada por empresas do setor privado, inclusive veículos de comunicação.;
Dados da Câmara mostram uma redução dos gastos com telefones de R$ 17,6 milhões em 2008 para R$ 13 milhões neste ano, até 22 de novembro. Mas alguns deputados abusaram dessas despesas após a unificação das verbas de gabinete, em julho. Em alguns meses, há casos de parlamentares que gastam com telefone uma quantia superior ao próprio salário.