Mirella D'Elia
postado em 09/12/2009 09:37
A Justiça Eleitoral apertará o cerco aos políticos à caça de crimes de caixa 2. Para isso, criou um núcleo especializado na auditoria das contas de partidos e candidatos, que está em fase de implantação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Oficialmente, o objetivo é aprofundar a operação pente-fino nas prestações de contas, um trabalho que já é feito pela Corte. Mas a iniciativa pode ir além da busca de irregularidades na arrecadação de dinheiro em campanhas eleitorais. O novo núcleo foi ampliado a partir de parceria inédita com o Tribunal de Contas da União (TCU).Técnicos do TCU que integram o núcleo, criado há seis meses, querem aproveitar a parceria para ir atrás de outros crimes, como corrupção, que, muitas vezes, são postos na conta da Justiça Eleitoral, tida como mais lenta e com punições mais brandas. A ideia é que o núcleo possa atuar de forma mais rápida na busca e na punição de irregularidades quando o assunto é a arrecadação de dinheiro em campanhas políticas. Mas ele também poderá desmontar a tese do caixa 2, suscitada frequentemente por políticos flagrados em situações suspeitas. E alertar o Ministério Público sobre indício de crimes que fujam da esfera de atuação dos técnicos do TSE e do TCU.
Recentemente, após a operação Caixa de Pandora, que investiga suposto esquema de corrupção no Distrito Federal, o então presidente da Câmara Legislativa do DF, Leonardo Prudente (DEM), disse que o dinheiro que recebeu do ex-secretário de Relações Institucionais do DF Durval Barbosa foi para financiar sua campanha eleitoral de 2006. E que a doação não foi contabilizada, ou seja, seria fruto de caixa 2. Leonardo Prudente está licenciado do cargo. O governador José Roberto Arruda (DEM) alega que o dinheiro recebido era para a compra de panetones. E que foi registrado na Justiça Eleitoral. Além da suspeita de crime eleitoral, Arruda é investigado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suspeita de corrupção.
Como o núcleo está sendo formatado, os limites e as atribuições do grupo ainda são tratados de forma reservada no TSE. Mas há consenso em torno de uma questão: a banalização do caixa 2. De forma reservada, ministros do TSE lembram que, para escapar de processos de impeachment, que correm no Legislativo de forma célere, políticos tentam jogar para a Justiça Eleitoral a investigação de irregularidades. ;O caixa 2 virou uma desculpa cômoda. Quando o sujeito é pego com dinheiro na meia ou na cueca, diz que é para pagar saldo de campanha. O sujeito diz: ;Não roubei, não corrompi, não fui corrompido. Apenas não contabilizei (o dinheiro);. Ele está em busca da condescendência da sociedade;, diz um dos ministros da mais alta Corte de Justiça Eleitoral do país.
A iniciativa ganha força com a proximidade do processo eleitoral do ano que vem. ;O objetivo é chegar a 2010 com uma equipe pronta para fazer toda essa parte de auditoria. O Estado já tem vários órgãos de controle. Se nos ajudarmos mutuamente, se houver uma reciprocidade, se houver uma troca de informações, vamos dar mais efetividade ao combate à corrupção. É uma união de esforços;, diz o presidente do Tribunal do TCU, Ubiratan Aguiar.
Lacunas
Parlamentares ouvidos pelo Correio reconhecem que a iniciativa pode coibir o caixa 2 em eleições futuras. Mas apontam outras lacunas, ainda existentes, que dificultam o monitoramento das despesas de campanha. O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) defende mais transparência na doação de recursos para os políticos. O parlamentar faz referência a doações feitas aos partidos políticos que, por sua vez, repassam o dinheiro aos candidatos ; mecanismo que se pulverizou no cenário eleitoral recente do país e ficou conhecido como ;doação oculta;. Alencar reconhece ainda que o caixa 2 é usado por políticos em campanha para acobertar outras irregularidades. ;Ele ameniza outros delitos financeiros, serve para aumentar o patrimônio.;
Por isso, para Alencar, ;quanto mais parcerias entre órgãos técnicos, mais inibidas ficarão as práticas por baixo do pano;. Para o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), a parceria entre os dois tribunais é um sinal de que o atual sistema está ;exaurido;. ;Isso mostra que, dentro do processo político, a questão do mérito, do programa, deu lugar (à preocupação com) dinheiro de campanha;, afirma. Na avaliação do tucano, é clara a intenção de alguns políticos de fazer uso do caixa 2 e enriquecer de forma ilícita durante campanhas eleitorais, o que só mudaria com o fim da impunidade.
MEMÓRIA
Escândalos recorrentes
Nos últimos anos, a proliferação de escândalos envolvendo políticos popularizou o termo no Brasil, mas nem sempre foi confirmada a prática de crime eleitoral.
2002
Em 1; de março de 2002, a Polícia Federal apreendeu R$ 1,3 milhão em espécie na empresa Lunus Serviços e Participações, da governadora do Maranhão Roseana Sarney e de seu marido, Jorge Murad. Na ocasião, a filha de José Sarney era pré-candidata à Presidência pelo então PFL (hoje DEM). Os envolvidos afirmaram que o dinheiro era doação de empresários para a campanha de Roseana. Ela desistiu da disputa presidencial no mês seguinte.
2004
A revista Época divulgou trechos de uma fita de vídeo em que Waldomiro Diniz, ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil e homem de confiança do então titular da pasta, José Dirceu, aparece cobrando propina e contribuição para campanhas ao bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. O encontro teria ocorrido em 2002, quando Waldomiro era presidente da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro). Com a revelação do vídeo, o assessor de Dirceu foi exonerado.
2005
José Adalberto Vieira, assessor do então deputado estadual José Nobre Guimarães (PT-CE), foi detido por agentes federais em São Paulo com R$ 200 mil numa mala e US$ 100 mil na cueca. Guimarães hoje é deputado federal. Segundo o Ministério Público Federal, havia indícios de que parte dos recursos seria destinada ao diretório do PT no estado. O flagrante ocorreu durante o escândalo do mensalão e derrubou José Genoino, irmão de Guimarães, da presidência do PT.
2006
A Polícia Federal apreendeu, em setembro de 2006, R$1,7 milhão com petistas em um hotel de São Paulo. Valdebran Padilha e o então assessor da campanha de reeleição de Lula, Gedimar Passos, afirmaram que a intenção era negociar um dossiê contra os tucanos. O presidente qualificou os petistas de ;aloprados;. Inquérito contra o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) por suposto envolvimento no esquema foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele disputava o governo de São Paulo.