A Câmara cancelou mais um contrato para a reforma dos apartamentos funcionais destinados aos deputados. Alegando atraso na entrega dos imóveis desocupados, a Valenge Engenharia desistiu do contrato firmado para a reforma dos blocos A, B, C, D e E na SQN 302, no valor de R$ 44,3 milhões. Os apartamentos deveriam estar vazios em abril. Como até hoje três edifícios continuam ocupados, a Câmara abriu nova concorrência para reformar apenas os blocos A e B, com valor máximo estimado em R$ 25 milhões. Também está em andamento nova licitação para a conclusão da restauração dos blocos F, G, H e I, iniciada pela Palma Engenharia, que não cumpriu o contrato e deixou a obra. Esse novo projeto está avaliado em R$ 30,5 milhões, no máximo, ou R$ 520 mil a unidade.
Um atraso é consequência do outro. A ideia da Câmara era abrigar, em abril, nos blocos recuperados pela Palma, os deputados instalados nos edifícios de A a F. Como a empresa ficou sem dinheiro para concluir a obra, não havia onde instalar os parlamentares. A Valenge esperou pelos imóveis desocupados até agosto, quando a Câmara propôs que a reforma tivesse início em apenas dois blocos. A empreiteira alegou descumprimento de contrato pela Casa, informou que não tinha interesse nessa proposta e desistiu da obra. Foi aberta nova licitação.
Em janeiro, o diretor de Engenharia da Câmara, Reinaldo Brandão, previu que a Valenge teria dificuldades para cumprir o contrato, mas por outro motivo. Ele recebeu o dono da empresa, Fabrício Soares, e avisou: ;Vocês deram um preço baixo;. O empresário reconheceu o fato: ;Temos consciência disso. Entramos para ganhar;. Soares disse que cumpriria o contrato. ;Temos obras no valor total de R$ 100 milhões. Temos um poder de compra muito grande. Temos uma fábrica de esquadrias dentro da obra, temos serralheiro. Isso baixa muito o preço das mercadorias.; Ele acrescentou que a empresa estava muito capitalizada, o que reduziria de forma expressiva o custo financeiro da obra.
Brandão também previu o que aconteceria com a Palma em abril. ;Eles retiraram todo o espaço de lucro para ganhar a obra. Agora, a empresa não está tendo dinheiro no mercado a fim de tocar a obra. Toda vez que uma empresa entra ;mergulhando;, não tem condições de concluir a obra. Eles esperam mudar as especificações, conseguir aditivos fabulosos. Mas a fiscalização da Câmara é absolutamente rígida. Nós só pagamos pelos preços oferecidos na licitação;, avisou o diretor de Engenharia.
Deterioração
Com as obras paralisadas há cerca de 10 meses, os blocos F, G, H e I continuam expostos à chuva. Como ainda não foram colocadas as esquadrias, os espaços para as janelas permanecem abertos. A licitação para a conclusão da reforma deverá ocorrer nesta semana. É previsível que as obras só sejam retomadas em janeiro, em pleno período de chuvas, o que provoca novos atrasos e aumento nos custos. A concorrência para os blocos A e B também será concluída nesta semana. Nesse caso, a empreiteira terá ainda um mês para a mobilização do canteiro de obras, com construção de alojamentos e deslocamento de máquinas e materiais.
Os atrasos na reforma começaram no fim do ano passado. A Palma Engenharia ficou descapitalizada, sem recursos para comprar material e pagar funcionários. A Câmara aplicou várias multas pelo não cumprimento do cronograma, o que gerou novos custos à empresa. O atraso também provocou despesas em dobro. Pastilhas recém-colocadas caíram e tiveram que ser repostas, enquanto a base do novo piso externo ficou desgastada pela ação do tempo. Se o contrato com a Valenge tivesse sido cumprido, 216 apartamentos estariam recuperados até junho de 2010. Com as alterações feitas no cronograma da Câmara, ficarão prontos apenas 144 apartamentos. Para completar os 432 apartamentos, ficarão faltando 288 unidades.
A proposta da Valenge para ganhar a segunda etapa da reforma dos apartamentos funcionais tinha um deságio de 21% em relação à estimativa de custos no edital: R$ 53,8 milhões. A Câmara chegou a comemorar uma economia de R$ 9,4 milhões aos cofres públicos. Ouvido pelo Correio em janeiro, Fabrício Soares negou que tivesse apresentado preços abaixo dos de mercado: ;Isso é preço de mercado. Cada empresa tem o seu custo, a sua metodologia de trabalho. Se entramos com esse custo, é porque podemos cumprir;. A reportagem não conseguiu contato com a empresa na última sexta-feira.
Memória
Obra parada, fatura salgada
<--
--><--
--><--
--><-- -->
A reforma dos apartamentos funcionais da Câmara começou em janeiro do ano passado. A primeira etapa previa a recuperação de 96 unidades em quatro edifícios, ao custo de R$ 29,5 milhões. Mas a Casa previa um investimento de R$ 110 milhões para recuperar 360 apartamentos em 15 blocos. Seriam refeitos os pisos, esquadrias, encanamentos, fiação elétrica, elevadores, caixas d;agua, telhados e todo o acabamento, como louças, luminárias, bancadas, armários, espelhos. Os canos de ferro estavam entupidos pela ferrugem.
A ideia da Câmara era ampliar o índice de ocupação dos imóveis funcionais, que estava abaixo de 50% havia dois anos. O pico foi em 2006, com 225 das 432 unidades desabitadas. O Correio apurou que a baixa taxa de ocupação gerou um desperdício de R$ 109 milhões em 13 anos. Isso ocorreu porque a Câmara teve de pagar o auxílio-moradia de R$ 3 mil para cada deputado que não contava com imóvel funcional.
Pesquisa feita pela Câmara, em 2007, mostrou que o custo de manutenção de cada apartamento era maior do que o auxílio-moradia. Em 2006, haviam sido gastos R$ 9 milhões em reparos e em conservação das residências funcionais. Como a média de ocupação foi de 207 unidades naquele ano, o custo médio ficou em R$ 4,3 mil. A direção da Casa entendeu que a reforma seria a decisão mais adequada. A alternativa mais radical seria a devolução de todos os apartamentos à União, com o pagamento do auxílio-moradia a todos os deputados.
Os primeiros blocos de apartamentos destinados a deputados, na SQS 111, foram construídos em 1969. Os blocos da SQN 302, hoje em reforma, foram concluídos em 1975. A deterioração dos imóveis acentuou-se nos últimos 10 anos. As despesas com manutenção (R$ 37 milhões nos últimos quatro anos) não foram direcionadas para obras e reformas. A maior parte (R$ 15,9 milhões) foi investida em locação de mão de obra, como porteiros, garagistas e vigilantes. Mais R$ 9 milhões foram gastos em contas de água, luz e gás. (LV)
<--
--><--
--><-- --><--
--><-- --><--
--><-- --><--
-->