postado em 21/12/2009 08:30
João Bernardino dos Santos morreu em fevereiro de 2007, aos 80 anos, vítima de derrame, em Ceilândia (DF). A filha Maria José disse ao Correio que a família informou prontamente o falecimento, mas os registros do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) mostram que o pagamento da aposentadoria foi suspenso somente em julho de 2008. O INSS informou na última sexta-feira que o benefício está "suspenso por suspeita de óbito". A morte de Teresa Diaz Sebastian, em Taguatinga Norte, foi registrada em setembro de 2006, mas a aposentadoria foi paga até junho de 2008. O dinheiro pago indevidamente está sendo cobrado administrativamente.
[SAIBAMAIS]Esses são apenas dois exemplos entre um milhão de benefícios em que foi identificada a emissão de crédito após a morte do titular, numa despesa total de R$ 2 bilhões. Mas nem todos os valores foram retirados. Alguns ficaram parados nas contas. Em 503 mil desses pagamentos, o tribunal apurou que há mais possibilidades de o dinheiro depositado no banco ter sido sacado indevidamente, o que corresponde a um prejuízo potencial de R$ 1,67 bilhão. São os "mortos-vivos" do INSS. Os dados foram apurados por auditoria do Tribunal (1) de Contas da União (TCU) no Sistema Nacional de Controle de Óbitos (Sisobi) do INSS. Apesar dos erros, a fiscalização concluiu que o sistema é fundamental para o cancelamento de aposentadorias por motivo de morte do titular. Em 2007, o sistema interrompeu 424 mil benefícios, que totalizavam R$ 192 milhões.
Dona Maria José recebeu a reportagem muito desconfiada. Mora com a mãe numa casinha de fundo de quintal em Ceilândia. Ao saber que teria ocorrido um atraso na informação da morte do seu pai, ela contestou prontamente: "A minha irmã (Maria Aparecida) informou tudo ao INSS. Foi ela quem cuidou do enterro". Maria José contou que o pai recebia salário mínimo e disse que a família não recebeu "multa" do INSS nem qualquer correspondência. Ainda no Distrito Federal, a auditoria constatou o caso de um parente que se apoderou dos cartões de uma aposentada falecida e de sua representante legal.
Crimes
Foram detectados na auditoria indícios de crimes como o recebimento de benefícios e renovação de senhas de cartões magnéticos de titulares falecidos; a reutilização de documentos pessoais para a concessão de aposentadorias a pessoas diferentes e benefícios com indícios de pertencerem a titulares fictícios. O ministro relator, Augusto Nardes, apontou as causas das falhas no cancelamento de pagamentos feitos a titulares mortos. Uma delas seria o descumprimento, pelos cartórios, da obrigação de informar os óbitos ao INSS. Ele acrescentou a inexistência de um número único de identificação do cidadão brasileiro, a ausência de fiscalização de cartórios e a falta de controles de verificação das informações registradas no Sisobi e no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. A auditoria também concluiu que o governo não tem adotado medidas suficientes para recuperar os valores pagos indevidamente.
A auditoria registrou casos de pagamentos indevidos a fundos de pensão encarregados de pagar benefícios a associados mediante convênio com a Previdência Social. Alguns titulares morreram na década de 80, mas o INSS continuou pagando a aposentadoria. Foi o caso de Nelson Amorim, falecido em 1980. O benefício só foi interrompido em 2001. O INSS informou que vai descontar R$ 405 mil da empresa convenente, a Fundação dos Economiários Federais (Funcef), relativamente ao período de junho de 1990 a novembro de 2000. Ainda falta a apuração do valor de 1980 a 1990.
Alencar Ferreira Minho morreu em novembro de 1986. A Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) teria recebido R$ 350 mil irregularmente por conta desse benefício, segundo aponta a auditoria. O INSS informa que vai descontar R$ 200 mil do fundo de pensões. A mesma Petros teria recebido R$ 513 mil para pagamento de aposentadoria a Luiz da Silva Vilar, morto em 1985. Os pagamentos cessaram em 2005. O INSS informou que foram descontados R$ 156 mil do fundo, mas a auditoria sustenta que não há documentos que comprovem a glosa, nem sua data. O instituto esclareceu que, nesses casos, os óbitos ocorreram antes do desenvolvimento do Sisobi e que os valores recebidos indevidamente foram devolvidos.
1 - Cruzamento
As informações obtidas pelo TCU resultaram do cruzamento de dados das bases de dados do Sistema Nacional de Controle de Óbitos (Sisobi), do Sistema Unificado de Benefícios (SUB), do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). O objetivo era apurar se as informações lançadas no Sisobi eram confiáveis, exatas e de acordo com a legislação.
O número
R$ 192 milhões - Total referente a 424 mil benefícios suspensos em 2007
Defesa do sistema
O INSS afirmou que o Sisobi "é importante porque permite a cessação rápida de benefícios de segurados falecidos. Para isso é necessário que os cartórios comuniquem ao INSS o falecimento no prazo correto, até o décimo dia do mês posterior ao óbito". O instituto salienta que, pelo tamanho do cadastro, há a possibilidade de ocorrerem homônimos. Por exemplo, com o nome Francisca Ferreira Silva há 3.751 pessoas. José da Silva há 19.775.
As respostas às recomendações e determinações feitas pelo TCU serão apresentadas num prazo de 180 dias. O INSS afirmou que realiza atualizações constantes de seus sistemas de monitoramento e controle de benefícios. Mas observou que, a não ser por determinação judicial, é impedido por lei de suspender sumariamente pagamentos sob suspeita de irregularidades. De acordo com a Lei 8.213/91, é preciso conceder ampla defesa antes de efetuar a suspensão do benefício.
O instituto informou que, ao detectar um pagamento indevido, o INSS emite um ofício informando o fato ao beneficiário e dando prazo para defesa. Se a defesa não for considerada satisfatória, é dado prazo para recurso. Não havendo comprovação da regularidade, o benefício é suspenso e iniciada a cobrança administrativa. Se houver indícios de fraude, o processo é enviado ao Ministério Público. Se houver suspeitas de participação de servidor, a investigação também é enviada à Corregedoria do INSS.
Sobre a questão dos cartórios que deixam de alimentar o SISOBI, o INSS disse que, quando for regulamentada a Lei 11.491/09, será possível fiscalizar os cartórios e aplicar multas em casos de não comunicação de óbitos de forma correta.