postado em 21/12/2009 09:58
São Paulo - Em entrevista exclusiva concedida em São Paulo há uma semana, o cineasta Fabio Barreto assumiu ao Correio que o filme Lula, o filho do Brasil é político, mas ele descarta que o longa tenha sido feito para beneficiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua candidata ao Palácio do Planalto, Dilma Rousseff. "Ninguém vai sair do cinema decidido a votar na Dilma ou em quem quer que seja", ressalta. Barreto, que sofreu um acidente grave na noite de sábado, no Rio de Janeiro, disse que sua família pensa em filmar a trajetória de Fernando Collor de Mello a partir do livro Notícias do Planalto, de Mário Sérgio Conti.
[SAIBAMAIS]Previsto para estrear no circuito nacional em 1º de janeiro, o filme sobre a vida de Lula mostra com muito melodrama e pitadas de auto-ajuda a trajetória do petista do nascimento à morte da mãe, dona Lindu. Barreto diz que já votou em Lula e nos tucanos Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Irônico, ele diz que a vida de Lula no período do sindicato é chata. Apesar de toda a repercussão, Barreto avalia que o seu melhor filme é Índia, filha do sol.
Em quem o senhor votou para presidente na eleição passada?
Não vou responder, mas posso dizer que ao longo da vida já votei no Lula, no Fernando Henrique, no Serra. No Collor, nunca. Mas a vida dele dá um filme e tanto. O menino rico que saiu de Alagoas, chegou ao Palácio do Planalto e teve de deixar o cargo por corrupção. O embate dele com o Lula na campanha de 1989 seria o ponto alto do filme. Os dois se digladiavam e hoje andam de mãos dadas. Minha família planeja realizar esse filme.
Essa mídia negativa sobre o filme Lula, o filho do Brasil, em sua opinião, vai prejudicar ou beneficiar o filme depois da estreia nacional?
Do ponto de vista comercial, vai beneficiar, pois a polêmica leva gente ao cinema. O filme só está muito mal falado na mídia porque é bom. Se fosse ruim, eu não estaria dando esta entrevista e ele não teria tanto espaço nos órgãos de comunicação. Espero que a população vá ao cinema e que o meu filme bata o recorde nacional deste ano, o longa Se eu fosse você 2, que teve 6,5 milhões de ingressos vendidos. Mas, se chegar a 1 milhão, eu já solto foguetes.
Por que o filme do Lula vai até a morte da dona Lindu?
Porque depois desse período a vida do Lula é chata. A vida dele passa a ser em função da fundação do PT, da eleição derrotada para o governo de São Paulo e da vida de deputado constituinte, além de ser derrotado três vezes na eleição para presidente da República. Isso não me interessa. O povão quer ver mesmo é a trajetória humana.
A oposição diz que o filme vai ajudar a arregimentar votos para a candidata do Lula à Presidência da República, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Nunca, jamais. Ninguém vai sair do cinema e votar na Dilma. Não entendo muito de política, apesar de ser politizado. Mas o Lula não conseguiu transferir a sua popularidade para eleger a Marta Suplicy governadora de São Paulo, quanto mais para a Dilma Rousseff. Nesse ponto, o filme não muda em nada. O filme Dois filhos de Francisco foi um sucesso, mas não ajudou em nada as vendas dos discos da dupla Zezé di Camargo e Luciano. Se eu fizer um filme sobre o Flamengo, terei bilheteria garantida, pois o time tem 35 milhões de torcedores.
Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre Lula?
No passado, quando fazia viagens pelo mundo, as pessoas perguntavam para mim sobre o Pelé. De uns tempos pra cá, começaram a me perguntar pelo Lula. As pessoas queriam saber sobre a vida dele. Ao falar como, de onde ele veio e aonde ele chegou, percebemos que poderíamos fazer um filme. Dessa curiosidade sobre a personalidade do presidente surgiu uma semente.
Quando foi isso?
Muito tempo atrás. O Lula ainda estava no primeiro mandato. Até que meu pai leu o livro Lula, o filho do Brasil, da Denise Paraná, e me passou. Ele me pediu para ler e ver se dava para fazer um filme sobre ele. Assim que acabei de ler, comprei os direitos autorais para o cinema e quis filmar imediatamente. Isso foi em 2003. Nessa época começamos a fazer a adaptação.
Vocês começaram a escrever o roteiro em 2003, no primeiro ano em que Lula assumiu o Palácio do Planalto?
Quase todo ano tem eleição no Brasil. O começo dos trabalhos foi independente das eleições. Até porque o cinema tem um tempo próprio. Fazer um filme aqui leva tempo. Foram necessários seis anos entre a elaboração do roteiro e o início das filmagens. Na verdade, pensávamos lançá-lo no início de 2009. A questão do ano eleitoral é uma coincidência.
O fato de o filme ser sobre a vida do presidente Lula facilitou a arrecadação de R$ 7 milhões na iniciativa privada?
Não, até porque o filme não fala da administração dele nem do Lula como presidente. Foi uma arrecadação como se fosse para outro filme qualquer.
Mas entre as empresas que financiaram o filme tem duas empreiteiras que prestam serviços para o governo federal. O senhor não acha estranho?
Não. É tão difícil conseguir financiamento para o cinema que não questionamos para onde as empresas trabalham. Na minha opinião, o que deve ter interessado aos investidores é a história de um homem humilde que mudou o destino, venceu na vida e chegou ao cargo mais alto do país.
Não há possibilidade de uma empresa ter ajudado no financiamento do filme para agradar ao Lula?
Acredito que não. Os empresários que colaboraram precisaram ser convencidos de que seria uma boa história. Honestamente, o Lula desfruta de um prestígio internacional muito maior do que o que ele tem aqui no Brasil. Isso facilita o financiamento de um filme sobre a vida dele. As empresas querem associar a marca ao nome dele e isso é bom como negócio.
Como o senhor avalia o prestígio do Lula no Brasil?
Aqui ele é achincalhado, desrespeitado e tentam destruí-lo o tempo todo. A cultura aqui no Brasil nos faz ser contra os nossos heróis. Carmem Miranda tornou-se estrela em Hollywood e veio se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. No dia da estreia, ela foi vaiada porque fazia sucesso nos Estados Unidos. Chegou a levar tomate e ovo na cara.
Na sua avaliação, porque o Lula é tão ridicularizado?
Acho que as pessoas têm medo do Lula. Lógico que o projeto de governo dele é uma continuidade do que fazia o presidente Fernando Henrique Cardoso, principalmente na política econômica. Mas um segmento da elite tem medo do crescimento da classe média e que a massa pobre ascenda e se constitua numa força. Isso vem ocorrendo graças ao trabalho do Lula. Isso dá medo. Não existe o menor respeito ao Lula.
O Fernando Henrique Cardoso não tinha um governo popular e nem vendia a ideia de crescimento da massa pobre e também era bastante achincalhado.
Concordo. O FHC era achincalhado principalmente pelo PT. Mas o Lula chega a ser humilhado. Volta e meia, alguma personalidade refere-se publicamente à falta de instrução do presidente para ofendê-lo. Na verdade, isso é um péssimo hábito da classe política.
A que péssimo hábito o senhor se refere?
A humilhação pública e as ofensas que os políticos trocam publicamente. Nem sei até onde isso faz parte do jogo político. Como o Lula fez campanha para o FHC chegar ao Senado na época em que ele esteve no sindicato dos metalúrgicos, nem sei até onde essas ofensas são jogo de cena. Eu acho que eles até se falam pelo telefone antes, sabe? O diálogo deve ser assim: "Olha, vou falar isso e isso sobre você. Não se assuste nem se ofenda".
Por que o senhor não mostrou no filme o Lula fazendo campanha para o Fernando Henrique quando ele estava no sindicato?
Por que não era a minha intenção fazer um filme político, e a narrativa se encerra antes desse período.
Por mais que o senhor não queira admitir, seu filme é político e esse conceito foge do seu desejo. Por que o senhor não assume isso?
Partindo desse ponto de vista, o filme é político, sim. Até porque toda forma de arte é política. A pornochanchada e os filmes da Xuxa têm mensagens políticas. Em minha opinião, o meu filme conta uma história de perseverança.
No filme, o Lula é retratado como herói em todos os sentidos. O fato de ele ser o presidente da República não fez com que o senhor se retraísse ao mostrar passagens da vida dele em que ele aparece como uma pessoa comum, ou seja, com falhas e defeitos?
Eu acho que o Lula que eu vejo no filme é uma pessoa comum. Ele é o personagem principal de uma epopeia. Para efeito de comparação, no filme Dois filhos de Francisco, não vemos em nenhum momento aqueles rapazes sendo desonestos e antiéticos. Até na cinebiografia Meu nome não é Johnny, que retrata a vida de um traficante, não mostra os defeitos do protagonista. Ele é mostrado como herói.
Isso não é um defeito das biografias escritas e filmadas quando a personalidade ainda está viva e construídas a partir de entrevistas feitas com a própria fonte?
No fundo, você tem razão. O livro que deu origem ao filme foi feito a partir de entrevistas que a escritora fez com o Lula. Quando o personagem real está vivo, há certo receio em retratá-lo de maneira que lhe desagrade, até porque ele tem o poder de vetar a realização desta ou daquela cena. No roteiro, por exemplo, havia cenas em que o Lula engravidava a Miriam Cordeiro, mas não ficava com ela. A cena foi vetada porque a filha dele, fruto dessa relação, não permitiu.
Qual outra cena foi retirada do filme?
Todas as imagens reais do ex-presidente João Figueiredo tiveram que sair da edição final porque a família dele não autorizou. Não teve nem argumento.
O Lula ou algum outro cacique do PT teve acesso ao roteiro antes das filmagens?
Não. Nem o Lula, nem outro político qualquer leu o roteiro ou assistiu ao filme antes da montagem final. Tudo o que saiu escrito sobre esse assunto na imprensa é mentira. Estive com o Lula apenas duas vezes durante o processo de filmagens apenas para tirar dúvidas sobre o roteiro que só ele podia tirar.
Quais dúvidas?
Eu precisava saber do próprio Lula as referências que ele tinha do pai, Aristides Inácio da Silva, que morreu aos 65 anos de cirrose. No livro, esse personagem era muito mais violento e carregado. Havia cenas em que ele colocava espingarda na cabeça dos filhos. Cheguei a filmar essas cenas, mas resolvi tirar.
O Lula assistiu ao filme antes da première em Brasília?
Não, nunca. O Lula assistiu pela primeira vez em São Bernardo do Campo. As únicas pessoas que assistiram ao filme antes foram o chefe de gabinete do Lula, Gilberto Carvalho, e a atriz Glória Pires. A única que teve poder de opinar a ponto de eu fazer mudanças na edição foi a Glória, que é a protagonista e uma grande amiga. Eu ofereci o filme para o Lula assistir antes de todo mundo, mas ele disse que só queria assistir depois da edição final.