Patrícia Aranha
postado em 31/12/2009 08:30
O canteiro de sálvias vermelhas em formato de estrela no jardim do Palácio da Alvorada, residência do presidente da República, causou polêmica em abril de 2004 por retratar o deslumbre dos primeiros anos da era Lula. Em 30 anos de PT, que serão comemorados em 10 de fevereiro, os sete em que o partido está no poder operaram tantas transformações na legenda que fizeram muitos filiados se afastarem, mas também tornaram o partido mais popular. A maior parte das mudanças atendeu aos interesses de um governo que, a exemplo dos anteriores, se submeteu à lógica do presidencialismo de coalizão, tendo que fazer concessões a outros partidos e até a antigos adversários para tentar garantir maioria no Congresso, ou pelo menos na Câmara dos Deputados. A cada ano do mandato, a estrela de Lula brilhou mais forte à medida que se tornou menos vermelha.
A cientista política Rachel Meneguello, da Unicamp, autora do livro PT: a formação de um partido, avalia que não haveria outra forma de governar no sistema político brasileiro, que combina presidencialismo, federalismo e multipartidarismo com um modelo de legislativo bicameral (em que a maioria das propostas tem que ser votada duas vezes, uma pela Câmara dos Deputados e outra pelo Senado). Reconhece, contudo, que as consequências para a democracia interna do PT foram nefastas."O que tem levado o nome de concessões pode ser também denominado como imposições dessa lógica própria de nosso sistema político híbrido. Não é possível alcançar o equilíbrio entre Legislativo e Executivo sem essa dinâmica que busca a formação de maiorias mínimas necessárias no Congresso".
Todo o período de governos democráticos pós-1985 mostra que não há e não houve outro jeito de governar%u201D, compara Meneguello. Para a cientista política, o PT acabou absorvendo internamente essa conduta. "Para um partido estruturado sobre mecanismos de democracia interna, as consequências são significativas. A autonomização do núcleo partidário no governo teve como consequência uma certa desvalorização das bases partidárias e das lideranças intermediárias", afirma.
O cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, considera natural que o governo Lula tenha aprofundado a distância entre lulismo e petismo. "O PT é um projeto coletivo, de muitos atores, que têm diferenças a partir de fortes tonalidades regionais, mas, sem dúvida, a agregação, a cola deste partido é o Lula enquanto liderança política. O que ocorre ao longo do tempo é que vai ficando evidente que Lula é mais amplo que o PT, o que explica a aprovação dele por setores da população que não se identificam com o partido. O projeto político do Lula, com fortes tonalidades pessoais, se acentua no segundo mandato", analisa.
Reação
Pesquisas com filiados do partido, algumas conduzidas por Meneguello em encontros e congressos, confirmam que, de fato, o partido dividiu-se com relação às conduções do núcleo governamental. Algumas vezes, a reação à mão de ferro do Planalto ficou restrita aos muros da legenda, mas em alguns momentos extravasou para a opinião pública. Foi o que aconteceu este ano, na condução do fim da crise do Senado. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) chegou a anunciar uma saída irrevogável da liderança do PT diante da pressão do governo que forçou os três senadores do partido no Conselho de Ética - Ideli Salvatti, Delcídio Amaral e João Pedro - a votarem pelo arquivamento das denúncias contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB).
A declaração apenas refletia o estrago interno à legenda da decisão do governo. Como consequência também dos limites de autonomia do partido, Mercadante teve que reconsiderar e acabou revogando o irrevogável. Como aconteceu em outros episódios, o presidente do partido, deputado federal Ricardo Berzoini foi chamado a intervir, avalizando o Planalto e desautorizando o líder.
Pesquisadora
Rachel Meneguello possui mestrado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Entre os cargos que já ocupou estão os de professora da Universidade Estadual de Campinas, professora do Depto. de Ciência Política da Unicamp, pesquisadora do Cesop - Centro de Estudos de Opinião Pública/Unicamp e editora da revista Opinião Pública. Suas duas principais áreas de pesquisa são Estudos Eleitorais e Partidos Políticos e Comportamento Político.