Jornal Correio Braziliense

Politica

Olho gordo na herança de Clodovil

Ações por danos morais, supostos parentes surgidos de última hora e dívidas trabalhistas pulverizam o patrimônio deixado pelo polêmico deputado

São Paulo ; Quando foi lido o testamento do ex-deputado Clodovil Hernandes, em março do ano passado, revelou-se que o estilista havia deixado todos os bens e capital para a realização de um sonho: abrir uma instituição para acolher meninas de rua, em São Paulo. A entidade deveria ter o nome da sua mãe adotiva, a espanhola Isabel Sánchez. Quase um ano depois de morrer, o desejo póstumo registrado em cartório pode não se concretizar por falta de dinheiro. Ao processo de inventário que tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo estão sendo anexadas todas as ações de danos morais que eram movidas contra ele. Até um suposto parente apareceu querendo participar da partilha.

Entre os credores de Clodovil (1), há gente famosa, como a ex-prefeita Marta Suplicy (PT), desafeto número um. A petista quer receber R$ 200 mil do falecido. Há gente anônima, como o advogado Renato Moreira Menezello. Ele alega ter trabalhado para o artista, que morreu sem lhe pagar uma suposta dívida de R$ 45 mil. A prefeitura de Ubatuba reivindica quase R$ 200 mil a título de IPTU atrasado de um imóvel que ele tinha no município. A ex-vereadora de São Paulo Claudete Alves da Silva também está de olho no inventário do ex-deputado. Almeja cerca de R$ 30 mil porque foi ofendida por ele.

Até a Câmara enviou um ofício à 4; Vara da Família e das Sucessões da Justiça de São Paulo avisando que precisa de dinheiro para mexer no apartamento funcional em que Clodovil morava, no Bloco I da 202 Norte. No documento, assinado pelo diretor de Coordenação de Habitação, Carlos Laranjeiras, consta que o ex-deputado fez reformas no imóvel sem a autorização da administração e que será necessário retirar espelhos, bancadas e até uma banheira exótica para deixar o apartamento no padrão original. Laranjeiras também afirma que manter o apartamento vazio até que o processo do inventário seja concluído causa prejuízos ao Poder Público e esse dano tem de ser ressarcido pelo espólio do finado.

Uma conta feita pelos advogados de Clodovil revelou que o estilista deixou mais dívidas do que bens. Como se não bastasse, apareceu até um parente que pediu à Justiça uma fatia do bolo da partilha. Ele tem sobrenome Hernandes, mas até agora não provou ter vínculo familiar com Clodovil. ;Ainda não sabemos o valor do inventário, mas posso afirmar que muita gente está pedindo dinheiro sem ter direito. Acho que os pagamentos serão feitos pela ordem de habilitação;, ressalta o advogado Leandro Sulmoneti, do escritório que defende os interesses do ex-deputado.

Cofre secreto
A esperança dos credores de Clodovil em ver a cor do dinheiro vem de duas fontes: a primeira é um cofre eletrônico secreto escondido atrás de uma porta na sala de descanso e que não fazia parte dos bens catalogados até então. A revelação foi feita à Justiça pela diarista Renata Cândido Mateus, que trabalhou para ele em seu apartamento funcional, em Brasília. Ainda não se sabe o que há dentro desse cofre porque o segredo foi para o túmulo com o estilista. Os advogados que cuidam do espólio já pediram autorização da Justiça para arrombá-lo. A segunda receita viria de uma ação (2)trabalhista contra a Rede TV!

Amigos próximos de Clodovil ouvidos pelo Correio acreditam que dentro do misterioso cofre há joias e dinheiro vivo que o ex-deputado mantinha longe de bancos a fim de que a Justiça não penhorasse para pagamento das dívidas trabalhistas movidas por ex-empregados. Antes de assumir o mandato de deputado, Clodovil queixava-se publicamente da penúria em que vivia. O apresentador Fausto Silva, um dos seus melhores amigos, chegou a lhe dar uma maleta com R$ 300 mil. Clodovil agradeceu a generosidade ao vivo, no Domingão do Faustão, onde ele marcava presença constantemente, inclusive em época de campanha eleitoral.

O juiz Marcelo Coutinho Gordo esclarece que não pode falar especificamente sobre o espólio de Clodovil porque o caso ainda não foi julgado, mas esclareceu tecnicamente que todas as ações de danos morais transitadas julgadas movidas contra um réu falecido são honradas, desde que a soma dos valores pedidos não ultrapasse o valor total do inventário.

1 - Humor e votos
Clodovil morreu em março do ano passado, em Brasília, vítima de um AVC. Em 2006, filiado ao Partido Trabalhista Cristão (PTC), foi eleito o terceiro deputado federal mais votado do país, com 493.951 votos. Fez uma campanha polêmica e bem-humorada e cogitava até concorrer futuramente à prefeitura de São Paulo.

2 - Pânico e demissão
Em 2008, a Rede TV! foi condenada a pagar R$ 1 milhão a Clodovil por causa de uma demissão sumária. O apresentador havia abandonado ao vivo o programa que comandava todas as tardes na emissora por causa de uma perseguição feita contra ele na véspera pelos humoristas do Pânico na TV, do mesmo canal.