O Senado está virando a Casa sinônimo de jeitinho no trato com recursos públicos. Sob o pretexto de estarem em ;missão oficial;, quatro parlamentares inventaram uma manobra com o dinheiro do contribuinte no ano passado que, se repetida num ano eleitoral, como o de 2010, os deixarão em vantagem na conquista por votos de eleitores. Em vez de gastarem recursos da própria verba indenizatória, os senadores Ideli Salvatti (PT-SC), José Nery (PSol-PA), Jefferson Praia (PDT-AM) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) preferiram visitar os estados de origem com o dinheiro extra das diárias pagas nas missões oficiais em 2009.
O quarteto usou os recursos dessas missões para realizar reuniões sobre projetos que seriam discutidos pelo plenário, audiências públicas e até acompanhamento de tragédias no estado. Não há limite para essa verba, desde que ela tenha sido autorizada pela Direção da Casa ou por uma comissão com competência. Pouparam, dessa forma, os recursos da verba indenizatória ; essa, sim, prevista para cobrir despesas com transporte, estadia, alimentação e outros gastos do exercício parlamentar com teto de gastos. ;Ou nós usamos a verba indenizatória ou as diárias. Não há terceiros que pagam por essas viagens. De qualquer forma, o dinheiro sai do Senado;, disse Nery.
O senador paraense pelo PSol foi quem mais utilizou a ajuda de custo em seu giro pela capital. Nery recebeu R$ 2.892 para acompanhar as atividades da CPI da Pedofilia. ;Achei que no estado não havia como receber a diária. Mas a diretoria informou que em missão oficial podemos usar uma coisa ou outra;, disse. Nery passou pela capital do Pará a título de missão oficial entre 4 a 7 de março e de 10 a 15 de setembro do ano passado. Na duas ocasiões, o fim de semana estava incluso. Segundo o parlamentar, a CPI realizou sessões nos sábados e domingos.
A senadora Ideli Salvatti, pré-candidata do PT ao governo de Santa Catarina, realizou todas as missões oficiais no Brasil em seu estado. Em 2008, foram duas, a primeira para representar o Senado no Congresso Catarinense de Radiodifusão, em Florianópolis, e a segunda para visitar os locais afetados pela enchente em que morreram 116 pessoas. No ano passado, Ideli realizou ato da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas. Presidente do órgão, o ato ocorreu em conjunto com integrantes da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa estadual, entre 13 e 14 de agosto, e recebeu como ajuda de custo duas diárias no valor de R$ 786.
Esse mesmo valor foi utilizado por Jefferson Praia para participar também de audiência pública em sua cidade natal e base eleitoral. Durante dois dias, o senador manauara esteve na própria cidade representando o Senado. O gabinete do parlamentar informou que ele estava no estado representando os interesses do Senado e não os próprios.
Brecha
O senador Mozarildo Cavalcanti é outro que só realiza missões oficiais no Brasil em Roraima, seu estado. No ano passado, ganhou 10 diárias, o equivalente a R$ 2.766, para acompanhar como representante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a retirada de agricultores da reserva indígena Raposa Serra do Sol entre 20 a 30 de abril. Procurados no gabinete e em seus celulares, Mozarildo e Ideli Salvatti não retornaram os contatos feitos pela reportagem.
Os quatro se valeram de uma brecha no Regimento Interno do Senado. As diárias são ilimitadas, mas a verba indenizatória tem teto mensal de R$ 15 mil ou R$ 180 mil acumulados em um ano. Em 2009, pelo menos, o artifício não causou rombo aos cofres públicos. Ideli foi quem mais próximo chegou do teto. Ela gastou R$ 177 mil com a verba indenizatória. Em segundo lugar, está Mozarildo Cavalcanti , com R$ 170,3 mil. José Nery, por sua vez, usou R$ 148,4 mil. Jefferson Praia consumiu apenas R$ 48 mil, embora, segundo os registros do Senado, tenha usado a verba indenizatória em apenas cinco meses. Dessa forma, o teto de Praia era de R$ 75 mil. Mas a brecha está aí e pode ser usada em 2010.