postado em 13/01/2010 07:01
Por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, assumiu ontem o papel de embaixador da paz, com a missão de encontrar um meio-termo entre os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e o da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. No final da tarde, Carvalho recebeu Vannuchi para começar a negociar um acordo que permita acabar com o impasse em torno do decreto que criou a Comissão Nacional da Verdade, que apurará crimes ocorridos na ditadura, um texto que irritou os militares e fez com que Jobim ameaçasse inclusive deixar o cargo. Depois, Carvalho conversou com Jobim. Hoje, o presidente Lula se reunirá com os dois ministros para selar o acordo.O fato é que está nos planos do presidente fazer modificações na composição dos ministérios em pleno ano eleitoral e a avaliação do governo é a de que tanto Vannuchi quanto Jobim estão muito bem em suas respectivas áreas ; isso sem contar a amizade que une o presidente aos dois auxiliares. Vannuchi e Lula são amigos de longa data, ainda da época do Instituto da Cidadania, organização não-governamental ligada ao PT, criada após a derrota de Lula nas eleições presidenciais de 1994. A amizade não sofreu arranhões com o episódio. Já o ministro Nelson Jobim foi colega de Lula ainda no Congresso Nacional, quando ambos eram deputados constituintes.
Em relação ao ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que também criticou o plano, o contato é mais formal. Ontem, Stephanes trabalhou normalmente e seus auxiliares eram unânimes em afirmar que ele só deve deixar o governo em abril para concorrer a uma vaga de deputado federal no Paraná, como planejou desde o ano passado.
O que deixou Lula irritado com o ministro foi o fato de o Ministério da Agricultura ter dado o seu ;de acordo; ao Programa Nacional de Direitos Humanos como um todo e, depois, criticar o texto. Ocorre que à época, quem deu o ;de acordo; registrado na Casa Civil foi o secretário-executivo, José Gerardo Fontelles. Stephanes não estava em Brasília.
O ministério, segundo seus técnicos, recebeu da Casa Civil às pressas um pacote pronto, apenas para assinar. E não havia tempo para alterações. Jobim, no entanto, segundo informações da Casa Civil, reclamou na época. E, ainda assim, o texto que terminou publicado foi justamente o que desagradou os militares por conta das investigações sobre supostos crimes cometidos durante o período da ditadura.
Parlamento
Enquanto o plano permanece controverso entre membros do Executivo, no Congresso a previsão é de que o tema não entre na pauta tão cedo. E se a oposição quiser usar o conteúdo do decreto para atacar o governo, a base aliada já tem um discurso pronto. ;Esse é um plano do PSDB. O que eles vão fazer?;, alfineta um parlamentar do PT. Os dois planos de direitos humanos que antecederam o publicado em dezembro foram elaborados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1996 e 2002, e o teor não é tão diferente do atual, pondera a base aliada.
; Capoeirista
No primeiro discurso do seu último ano de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desafiou a oposição a promover um debate de ;alto nível; na disputa eleitoral. Lula disse que, apesar de seus adversários insistirem em promover ;agressões;, está preparado para enfrentá-los de igual para igual. ;Pelos sinais que eu vi, na ausência de discurso programático, vale chutar do peito para cima. O que eles (oposição) não sabem é que eu sou capoeirista. Eu estou muito preparado para não deixar a coisa chegar no meu peito;, afirmou. No discurso durante o lançamento de ações do programa Minha Casa, Minha Vida, ele disse esperar
que os adversários ;letrados; mantenham o nível da
disputa eleitoral.
Enquanto integrantes da cúpula governista se engalfinham com opiniões divergentes sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos, entidades também já começam a fazer campanhas a favor e contra as propostas contidas no decreto do Executivo. Ontem, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comparou o teor do documento aos avanços produzidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Por meio de uma nota, a direção do MST declarou apoio ao ministro Paulo Vannuchi, mentor do programa, e disse que, apesar das ameaças de mudanças no texto, espera que o presidente Lula mantenha o plano e garanta os avanços previstos na proposta. ;Não acreditamos que o governo vai voltar atrás e propor um plano mais recuado do que os propostos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso;, diz a nota.
A maior torcida do MST é pela manutenção do trecho que trata da reforma agrária. De acordo com o programa, a concessão de liminares de reintegração de posse em terras invadidas pelos movimentos sociais deve sempre ser precedida de audiências de conciliação. A proposta que tanto agrada aos integrantes do movimento tem despertado fortes críticas dos ruralistas. Representantes do setor acreditam que a previsão de audiências representa uma brecha para o aumento das invasões de terras no país.
Na linha dos críticos ao programa também estão as indústrias brasileiras. Em nota publicada ontem, a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) criticou a proposta de inclusão das centrais sindicais no processo de licenciamento ambiental de obras com comprovado impacto ambiental. Segundo a entidade, a medida daria às centrais sindicais o direito de opinar sobre o processo de licenciamento ambiental e vai na contramão do pacote de medidas lançado em julho de 2008 pelo Ministério do Meio Ambiente.
; Para saber mais
Controvérsia aberta
O Programa Nacional de Direitos Humanos foi criado por meio de um decreto presidencial assinado no último dia 21. A proposta tem como mentor o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e propõe ações em áreas como segurança pública, agricultura e educação. Mas foram os trechos que tratam sobre os atos cometidos pelos agentes do Estado durante o período de ditadura militar que causaram as maiores polêmicas dentro da cúpula governista. Militares e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, se irritaram com o texto que permite a revisão da Lei de Anistia, o que poderia resultar na condenação de oficiais que atuaram na época. O ministro chegou a entregar uma carta de demissão, mas permaneceu no cargo depois que o presidente Lula prometeu rever trechos do programa e garantiu ter assinado o decreto sem ler.
Vannuchi, por sua vez, tem se irritado com as críticas ao programa e, nos bastidores, também ameaça pedir demissão, caso a proposta criada por ele sofra alterações significativas. O que deve acontecer. O presidente Lula já avisou a seus auxiliares que quer rever o texto que permite o aborto, já que a igreja tem exercido forte pressão. Das propostas contidas no texto do decreto, algumas ainda precisam passar pelo aval do Congresso e só entrarão em vigor se forem transformadas em projetos de lei.