Ricardo Brito
postado em 14/01/2010 08:22
Aos 9 anos, Luís Carlos Ribeiro Prestes Filho foi forçado a sair do Brasil rumo à União Soviética na esteira das perseguições impostas pelo governo militar de 1964. No extinto país, o filho do líder revolucionário Luiz Carlos Prestes (1898-1990) viveu, nas palavras dele, o momento de maior união da família, acostumada à clandestinidade: os 10 filhos do conhecido Cavaleiro da Esperança conviviam numa harmonia que jamais tiveram por aqui. Lá, Prestes Filho concluiu o ensino médio e até se pós-graduou em cinema em Moscou. Mas só conseguiu ontem ; quase três décadas depois da volta do exílio ; o reconhecimento do Estado de que o diploma para exercer a sétima arte é válido.;Esse momento não me pertence;, afirmou o filho de Prestes durante audiência da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, que lhe outorgou a condição de anistiado político. Na emotiva sessão, foram também aceitos os processos de outros 15 filhos e netos de pessoas que, pelo papel no combate à ditadura militar ou por suas posições políticas, caíram na clandestinidade ou saíram do país. Entre eles, dois filhos do presidente deposto pelo golpe, João Goulart (1918-1976): João Vicente e Denise Fernandes; e três filhos do ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola (1922-2004): José Vicente, Neusa Maria e João Octávio.
No primeiro encontro da comissão em 2010, a importância histórica dos processos emocionou os conselheiros responsáveis por julgar os casos. Antes da sessão de julgamentos, a comissão passou o documentário 15 filhos (1996), com relatos de filhos de pais brutalmente assassinados no período da repressão estatal. As lágrimas começaram a correr entre a plateia. Durante os julgamentos, nem mesmo os conselheiros conseguiram conter o choro diante dos relatos.
O relator do processo de Prestes Filho, Egmar José de Oliveira, afirmou que o menino teve ;prejuízos; ao ser compelido a abandonar o país. ;É inegável e irreparável a perseguição do Estado brasileiro;, sustentou Egmar. ;Melhor viver em pé do que viver ajoelhado;, discursou Prestes Filho, 49 anos, único dos irmãos que entrou com pedido de reparação perante o Ministério da Justiça. O pai e a mãe dele, Maria Prestes, presente no evento, foram anistiados em 2005. O voto de Egmar foi seguido pelos demais conselheiros. Ele vai receber, além do reconhecimento do diploma, indenização financeira de R$ 100 mil ; teto previsto em lei.
Discurso
O filho de João Goulart também fez um duro discurso em defesa do ;direito à memória; das vítimas de perseguição. Acompanhado da irmã Denise, João Vicente disse que o país precisa ;cicatrizar as feridas; abertas durante a ditadura. Em 15 anos, os dois passaram por Uruguai, Argentina e Inglaterra antes de regressar ao Brasil. ;O esquecimento só faz retroceder a sociedade e o Estado de Direito;, disse João Vicente.
Em todos os processos em que foram concedidas reparações financeiras, o presidente da comissão, Paulo Abrão, pediu ;desculpas; pelas perseguições realizadas por agentes do Estado. Embora tenha reconhecido a demora, Paulo Abrão afirmou que o país, com a concessão das anistias, busca se ;redimir; perante os cidadãos.
Até agosto de 2009, a comissão, criada há oito anos, pagou R$ 2,6 bilhões em indenizações relativas a 31 mil processos. A comissão deve divulgar até o fim do mês um balanço atualizado dos gastos.
Desagravo a Vannuchi
O encontro da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, transformou-se em um ato de desagravo ao ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi. Os presentes, conselheiros e parentes dos perseguidos políticos, saíram em defesa do texto original do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que prevê, entre outras medidas, a criação de uma Comissão da Verdade para investigar crimes cometidos pela ditadura militar, uma das bandeiras de Vannuchi. Criado por meio de decreto antes do Natal, o plano foi recebido com fortes críticas dos militares, que tentaram tirar do texto a possibilidade de punição de agentes do Estado (leia mais na página 5).
Para o presidente da comissão, Paulo Abrão, não é possível tratar de maneira ;equivalente; os crimes cometidos pelos representantes dos governos militares e a resistência armada empreendida por militantes da esquerda durante a ditadura, como querem os representantes das Forças Armadas. ;Não creio que nenhum perseguido político terá um só receio de ir à Comissão da Verdade e repetir a sua luta;, afirmou Abrão, ao ressaltar que as posições do órgão, dentro da discussão do PNDH, são as mesmas do ministro Paulo Vannuchi.
Também presente à sessão, a coordenadora-geral de Combate à Tortura da SEDH, Maria Auxiliadora Arantes, também saiu em defesa do plano. ;Não foram castigados os algozes do Estado;, criticou. José Vicente, filho do ex-presidente João Goulart, que teve ontem seu processo de anistia aceito pela comissão, defendeu a ampliação do debate sobre a eventual punição de integrantes do Estado por crimes durante o regime de exceção. Ele lembrou que em outros países da América Latina, como Uruguai, Argentina e Chile, esse processo está mais avançado, com até prisão de ex-presidentes.