postado em 26/01/2010 08:10
Em um país acostumado a presenciar as mais diferentes artimanhas de agentes políticos para obter vantagens à custa dos contribuintes, uma análise sobre a conduta de servidores públicos que têm a missão de fiscalizar o cumprimento das leis e representar cidadãos na Justiça mostra que nem mesmo procuradores e promotores deixam de articular estratégias para garantir benesses em causa própria. Levantamento do Correio nos processos que tramitam atualmente no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) encontrou casos que envolvem desde procedimentos (1) disciplinares por recebimento de propina ; que fizeram com que a corregedoria protocolasse 23% de ações a mais do que as registradas em 2008 ; até questões mais simples, como tentativas de institucionalizar regalias e de buscar fórmulas para ultrapassar o teto salarial constitucional.É em uma briga como essa que estão procuradores e promotores do DF. Por meio da associação que representa as categorias, os integrantes entraram com pedido no conselho para que seja dada uma nova interpretação aos cálculos dos subsídios, retirando as parcelas referentes a pagamentos mensais de quintos e décimos da conta que estabelece o valor total. Na prática, a não contabilização das vantagens permitiria que os servidores ultrapassassem o teto constitucional de R$ 25,7 mil.
Pelo mesmo pleito também entraram com representações no conselho os Procuradores do Trabalho, da República e integrantes do Ministério Público Militar. Os processos que tramitam juntos chegaram a entrar na pauta do plenário em agosto do ano passado, mas foram retirados.
A busca de alguns titulares do MP do Rio Grande do Norte por regalias rendeu representação contra a Procuradoria-Geral de Justiça. A classe reivindica pagamento do auxílio-moradia para os 168 promotores e 21 procuradores da instituição, que pretendem aumentar os contracheques em 10%. A guerra em torno do pagamento teve início em dezembro de 2008, depois que a Associação do Ministério Público (Ampern) aprovou em assembleia o pedido para que a vantagem fosse paga e encaminhou a decisão à Procuradoria-Geral. A proposta ficou meses sob análise do atual procurador, Manoel Onofre de Souza, que decidiu não bancar a conta, alegando que ela resultaria no aumento de R$ 300 mil na folha mensal do órgão. ;Entramos com a representação porque o pagamento está previsto em lei desde 1996. Em 2008, decidimos reivindicar o direito adquirido há anos e que não está sendo cumprido;, justifica o presidente da associação, Rinaldo Reis. O processo é relatado pela conselheira Sandra Simón, que em novembro negou liminar aos procuradores, alegando tratar-se de um assunto que envolve efeitos patrimoniais.
Propina
Além dos pedidos de benesses que lotam a pauta do CNMP, a primeira sessão do órgão, agendada para hoje, tem na pauta casos de corrupção. Um deles vai discutir a denúncia de que integrantes do Ministério Público do Piauí receberam dinheiro irregularmente. Esse já é o segundo caso envolvendo o estado, que ano passado divulgou relatório afirmando que foram encontrados casos de recebimento de propina por membros do MP.
Em 2007, o Amazonas tomou conta da pauta, com o caso do então procurador-geral, Vicente Cruz, acusado de desviar R$ 1,5 milhão do órgão. Dezenas de processos tratando de irregularidades semelhantes às que já foram julgadas tramitam atualmente no órgão em forma de processos disciplinares. Todos correm em sigilo.
As decisões do CNMP não têm caráter judicial. Os casos de irregularidades seguem para o Judiciário. Um trâmite burocrático que geralmente faz com que envolvidos permaneçam por anos nos cargos. A mudança nos procedimentos depende de iniciativa do Congresso ou de proposta do próprio MP. Por enquanto, nenhum projeto tramita sobre o tema.
O Correio entrou em contato com todos os órgãos e entidades citados. Até o fechamento desta edição, apenas a Associação do Ministério Público do Rio Grande do Norte retornou o contato.
1 - Demanda ampliada
No fim do ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público divulgou relatório mostrando que, em 2009, 1.482 novos processos chegaram ao órgão. O número é 32,9% maior do que o registrado em 2008. Na corregedoria do órgão também houve aumento na demanda. Segundo o relatório, foram 375 novos processos em 2009, o que representa aumento de 23% em relação ao que foi registrado em 2008. A maioria dos processos trata de reclamações disciplinares contra integrantes dos órgãos.
Gratificação e inatividade
Na lista de prioridades do Conselho Nacional do Ministério Público estão diversos casos de promotores e procuradores que buscam regalias. Em Goiás, os procuradores brigam para manter o pagamento por funções de confiança conferido aos membros do MP e a seus assessores. Em 2008, foram criados dezenas de cargos comissionados de última hora e gratificações para integrantes do MP que exercessem cargos na administração do órgão. Em novembro passado, o conselheiro Francisco Rabelo concedeu liminar que suspende as gratificações suspeitas de irregularidades. A liminar também exige que a Procuradoria-Geral explique a função de cada cargo criado. Outros conselheiros lembraram que procuradores não podem receber gratificações por exercício de cargos na administração. O processo está na pauta do conselho de hoje. O MP do estado não retornou o contato da reportagem para comentar as providências já adotadas.
Minas Gerais também está na pauta do conselho, por conta da suspensão de uma aposentadoria. O processo teve início ano passado, quando o promotor inativo Márcio Fernando Simões entrou com processo no CNMP. Ele reclama que a Câmara de Procuradores de Justiça do Ministério Público aceitou recurso contra um ato da Procuradoria-Geral que havia lhe concedido pagamento integral da aposentadoria. O conselheiro Diaulas Ribeiro não reconheceu a reclamação. E, em vez de esquecer o assunto, abriu procedimento administrativo para investigar a concessão de aposentadoria integral a um promotor com menos de 47 anos. Dessa forma, Simões, que reclamava do não pagamento da benesse, tornou-se alvo de processo no CNMP, que não encontrou justificativas para as vantagens a ele concedidas. Com o pagamento da aposentadoria suspenso desde maio do ano passado, está previsto para hoje o julgamento do caso. O procurador-geral de Justiça adjunto, Geraldo Vasques, disse que só comentaria o processo depois do julgamento. (IT)
; Em causa própria
Exemplos de processos vantajosos para a categoria
Procuradores e promotores do Distrito Federal, Procuradores do Trabalho, Procuradores da República e integrantes do Ministério Público Militar querem que o conselho dê nova interpretação aos cálculos dos subsídios, retirando as parcelas referentes a pagamentos mensais de quintos e décimos da conta que estabelece o valor total dos salários.
Com isso, teriam salários maiores que o teto de R$ 25,7 mil estabelecido pela Constituição.
Integrantes do MP do Rio Grande do Norte reivindicam pagamento de auxílio-moradia de 10% do valor do subsídio
Em Goiás, procuradores brigam para manter o pagamento por funções de confiança conferidos aos membros do MP e a seus assessores.
Em Minas Gerais, a discussão é em torno da concessão de aposentadoria integral a um promotor inativo com menos de 46 anos. O conselho acredita que a decisão fere a EC 41/2003. Por enquanto, o pagamento está suspenso.