postado em 15/02/2010 09:51
Eles estão a poucos metros do prefeito, do governador, do presidente. Têm nas mãos ; ou melhor, em suas vozes ; o controle do andamento de eventos e inaugurações que, nos dias de hoje, se confundem com os palanques de políticos que tentarão um novo cargo em outubro. Na prática, trabalham para cacifar seu escolhido para a sucessão. Mas os mestres de cerimônia oficiais, vozes do poder, não estão necessariamente com a vida ganha.;Dizer que estamos próximos do poder é sonho e ilusão;, diz Dilson Silva, o mestre de cerimônias do Executivo mineiro, que ficou seis anos desempregado quando o candidato da oposição assumiu o governo. Dinheiro não é problema para o locutor do governo paulista, Marcus Vinícius, que ganha até R$ 40 mil quando soma seu salário ao trabalho freelancer, alternativa de quase todos eles.
Para Salomão Moreira Filho, da prefeitura de Belo Horizonte, mesmo que o cargo seja uma extensão de sua militância política, ele não consegue se livrar do formalismo do posto. Nos eventos no interior, Kiryl Muniz, mestre de cerimônias do governo pernambucano, é confundido com estrela e precisa despistar o público para não atrasar os eventos tirando fotos e dando autógrafos. Em todos os casos, os locutores são reféns da agenda da autoridade máxima de governo.
Senhor do palco por dois segundos
Flávia Foreque
Locutor há 33 anos, o carioca Lincoln Di Loureiro anuncia a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em cerimônias em Brasília desde 2007. Em raros momentos, ele não é a voz oficial que chama ministros, governadores e autoridades a subir ao palco. No último 7 de setembro, por exemplo, Lincoln não estava presente para anunciar o presidente francês Nicolas Sarkozy na data festiva. Coincidentemente, essa foi a data escolhida por uma de suas três filhas para subir ao altar. O compromisso era mesmo inadiável.
Formado em química e economia, o locutor sabe que seu papel é apenas preceder o grande momento do anúncio de medidas do governo ou discursos improvisados do presidente, principal alvo de câmeras e microfones atentos aos movimentos do petista. Mesmo assim, Lincoln sabe a relevância do cargo: ;Tenho dois segundos importantes que antecedem a entrada do presidente Lula. Enquanto eu não o chamo, ele não entra;. Simples assim.
Lincoln costuma chegar ao local do evento cerca de uma hora antes do previsto. O cerimonial da Presidência fornece a lista de autoridades esperadas na cerimônia ; e ali pode estar a senha para deslizes durante a leitura. É preciso estar atento, por exemplo, à pronúncia certa dos sobrenomes. Na lista de ministros de Lula, por exemplo, estão Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, e Reinhold Stephanes, da Agricultura. ;O meu texto é muito dinâmico. Ele é rasurado cinco segundos antes de começar;, afirma.
Apesar da formalidade do cerimonial e da responsabilidade do cargo, Lincoln, de 58 anos, também tem momentos de descontração. ;Como é que vai essa voz bonita?;, perguntam ao carioca membros do alto escalão do governo. Mas os cuidados não se limitam às cordas vocais: o visual também recebe atenção especial. ;Eu só uso blusa branca e listrada bem discreta. Enquanto não começa, aquelas câmeras focam em mim;, lembra. Embora tenha exercido as profissões de economista e químico, decidiu seguir a carreira do rádio com sua ;voz microfônica;, como ele mesmo define.
Acompanhar o presidente não é a única atividade profissional de Lincoln. Servidor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ele também é a voz de propagandas institucionais do governo e narra algumas cerimônias particulares. São os compromissos de Lula, no entanto, que ditam o ritmo de trabalho e os horários vagos na agenda do locutor. É por isso que, nos últimos anos, as férias de Lincoln coincidiram com o descanso do presidente.
Realizado, mas com medo do Leão
Ullisses Campbell
O mestre de cerimônia do governo do estado mais rico do país tem rendimentos de estrela. Marcus Vinícius Salomão, 40 anos, mineiro, é a voz oficial dos eventos do governador de São Paulo, José Serra. Há 15 anos no Palácio dos Bandeirantes, Marcão, como é conhecido nos corredores do poder paulistano, recebe R$ 7 mil limpos no contracheque. Os eventos extras que faz ao longo do mês turbinam seus vencimentos para R$ 40 mil. ;Quando você publicar os meus rendimentos, o leão do Imposto de Renda vem em cima de mim.;
Marcão diz que merece cada centavo que recebe à custa da sua voz grave e impostada. Ele começou fazendo locução de rádio AM em Muzambinho, município de 20 mil habitantes, na Região Sul de Minas Gerais. Ganhava menos de um salário mínimo por mês. Fazia tanto sucesso que foi convidado a trabalhar numa rádio FM da cidade vizinha de Guaxupé, com 50 mil habitantes. ;Meu público já era bem maior e o salário também;, recorda.
Desde essa época, Marcão já era empreendedor. Saía da rádio direto para discotecar em uma boate. ;Tocava todo tipo de dance music e tenho os LPs até hoje em casa.; Mudou-se para Poços de Caldas, onde passou a conciliar a locução em programas de rádios com a apresentação de um telejornal na retransmissora da TV Educativa, na década de 1980. Também passou a fazer anúncio de ofertas em supermercados. Nesse pinga-pinga, foi parar numa república no Centro de São Paulo com apenas R$ 1,5 mil no bolso, em 1995. Ao fazer compras num hipermercado ao lado, Marcão ouviu o locutor anunciando promoções.
Segundo conta, o tal locutor não tinha ânimo e se apresentava nos corredores vestindo calça jeans e camisa simples demais para a função. Não pensou duas vezes. Pediu ao gerente para fazer um teste. No dia seguinte, Marcão estava no corredor do supermercado gigante. Vestia terno completo e falava com a empolgação de quem anima programa de auditório. Passou no teste e foi contratado em outra unidade. Recebia R$ 1,8 mil pela função, até então seu maior salário. ;Bom dia, hoje é dia de feira! Na sessão de frutas e verduras, ofertas imperdíveis para a senhora, dona de casa. Venha conferir;, recorda-se.
Em 1999, Marcão chegou aonde todo mestre de cerimônia paulista sonha estar. Por intermédio de amigos, foi contratado para assumir a função no Cerimonial do Palácio dos Bandeirantes, no governo de Mário Covas (PSDB). Recém-chegado, algumas gafes foram inevitáveis. Ao anunciar o então presidente da Companhia de Energia Elétrica de São Paulo (Cesp), Andrea Matarazzo, chamou o respeitado político e empresário de senhora. ;Andrea, para mim, sempre foi nome de mulher. Depois que soube que é italiano.; Pediu desculpas e seguiu em frente. ;O segredo é não deixar a peteca cair.;
Político e com muito amor ao emprego que tem, reserva-se a fazer comentário a respeito de José Serra e tucanos que governaram São Paulo. Genericamente, diz que político é muito vaidoso e que é preciso ter muito tato para lidar com o ego inflado deles. ;Na minha função, jogo de cintura é tudo;, sentencia. Casado, pai de uma adolescente de 12 anos, ele diz que o Palácio dos Bandeirantes é uma imensa vitrine para o artista. Em um site que mantém na internet, prova que está falando a verdade. Na sessão de fotos, aparece ao lado da atriz Regina Duarte, do apresentador Sílvio Santos, do rei Pelé e de astros da música sertaneja Chitãozinho e Xororó, além de ex-governadores de São Paulo. ;Todos me adoram;, garante.
Marcão diz que não faz qualquer ritual para manter a voz límpida. ;O Cid Moreira chupa bala de gengibre. Não faço nada disso. Bebo gelado e nunca tive problema com a voz;, orgulha-se. Ele aproveita para desfazer um mito: ;Todo mundo pensa que o mestre de cerimônias trabalha só quando tem eventos. Engano. Nós somos designados a fazer funerais de autoridades e ajudamos em situações como a queda do avião da TAM, em São Paulo, quando recebemos os familiares das vítimas. No funeral da dona Ruth Cardoso, trabalhei muito também;.