André Duarte
postado em 21/02/2010 09:30
Em ano de eleição, pesquisas de intenção de voto costumam ser elementos explosivos nas disputas pelo poder. Mas o que dizer se todos os levantamentos feitos atualmente no Brasil fossem imprecisos? Esta é a conclusão de um grupo numeroso de especialistas em estatística eleitoral. Para eles, é impossível calcular dois dos principais indicadores utilizados pelos institutos para avaliar a consistência dessas pesquisas: a margem de erro ;para mais ou para menos; e o nível de confiança. Motivo de polêmica entre especialistas, a suspeita lançada pelos estatísticos é baseada no método aplicado atualmente para captar a preferência do eleitor.Para economizar os custos e o tempo de finalização dos números que indicam o desempenho dos candidatos, os responsáveis pelos levantamentos passaram a adotar o sistema de amostragem por cotas, mais simples de ser construído. O problema, segundo apontam os críticos, é que as margens de erro nesse sistema são fictícias, uma vez que o método não é científico.
O coordenador do curso de estatística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cristiano Ferraz, considerado um dos principais especialistas em amostragem do país, é um dos combatentes dessa prática. O estudioso é categórico ao afirmar que só é possível determinar margem de erro e nível de confiança em pesquisas do tipo probabilística, método que há mais de uma década não é realizado por aqui.
Complexa, demorada e com custo mais elevado, a versão probabilística foi abandonada pelos institutos, mas é defendida com ênfase por acadêmicos em função da segurança que proporciona. Basta uma comparação para entender o motivo. Estima-se que uma pesquisa com 1,1 mil eleitores (quantitativo padrão) dura em média de dois a três dias, enquanto no modelo anterior levaria pelo menos um mês para ser feita.
Nos trabalhos probabilísticos, as pessoas entrevistadas são abordadas diretamente em suas casas após sorteio de ruas e domicílios. No modo de cotas, os pesquisadores saem às ruas e aplicam questionários nos pontos de maior fluxo de pessoas.
Cristiano Ferraz ressalta que o método por sorteio permite que todos os eleitores do universo abordado no levantamento tenham a mesma chance de serem consultados, o que não ocorre no recurso por cotas. ;Como eu que organizo o sorteio, o meu critério (de sorteio) é que vai dar precisão. A questão maior é que as pessoas possam ter ideia da qualidade das estimativas. No sistema de cotas, eu não consigo calcular essa possibilidade;, disse. Segundo ele, para calcular a margem de erro e o nível de confiança levam-se em conta as circunstâncias do sorteio nos domicílios entrevistados. Os números são inseridos no denominador de uma complicada teoria matemática, chamada fórmula de variância.
Divulgação
A discussão não é nova no meio acadêmico, mas um artigo assinado pelo professor pernambucano em co-autoria com o estatístico José Ferreira de Carvalho, da Unicamp, reacendeu a polêmica, sobretudo na internet. Elaborado após um encontro de estatísticos em São Paulo há quatro anos, o texto voltou a circular com força na rede mundial, especialmente com a proximidade das eleições de 2010.
Os questionamentos não partem apenas da academia. Os políticos já começam a se mexer para impor novas exigências aos levantamentos. Há alguns dias, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) apresentou um projeto de lei que visa proibir a divulgação de pesquisas eleitorais com margem de erro superior a 1% no período de 15 dias antes de uma eleição. De forma simultânea, a oposição queixou-se da metodologia utilizada na pesquisa do CNT/Sensus, que apontou empate técnico entre os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).
Há uma polêmica que hora e meia retorna. Mas o fato é que as pesquisas eleitorais por cotas têm funcionado;
Adriano Cerqueira, coordenador do EM Data
Simulação
Como funcionam as pesquisas eleitorais
Cenário projetado
Supondo que a cidade tenha três bairros, sendo o bairro A ocupado por moradores de classe alta, o bairro B de classe média e o bairro C por moradores de classe baixa. Considerando ainda que 10% da população está no bairro A, 30% no bairro B e 60% no bairro C. A pesquisa seria realizada com 1 mil eleitores desse município.
Como seria a pesquisa por cotas
O instituto localizaria os três pontos de maior fluxo de cada bairro: shopping (Bairro A), galeria (Classe B) e mercado público (Classe C). Os entrevistadores escalados para cobrir a classe A teriam que entrevistar 100 pessoas de classe social no shopping. Os entrevistadores da classe B teriam que consultar 300 pessoas e os da C teriam a tarefa de entrevistar 600 pessoas. É um método rápido, utilizado por institutos como Ibope e Vox Populi
Como seria a pesquisa probabilística
O instituto contabiliza todas as ruas dos três bairros. Sorteio 10% das ruas do bairro A, 30% das ruas do Bairro B e 60% das ruas do Bairro C. As ruas sorteadas teriam todas mapeadas. Depois, o instituto faria um segundo sorteio de um percentual de domicílios de cada rua a serem entrevistados. Trata-se de um método mais preciso e bastante trabalhoso.
Memória
Acertos e gafes
A primeira pesquisa eleitoral do mundo foi publicada em 1932, pelo jornal norte-americano Literary digest. Para aferir a intenção de voto dos eleitores, a publicação enviou por correio 20 milhões de cédulas para as casas dos leitores e recebeu três milhões de respostas apontando a preferência por Franklin D. Roosevelt, que acabou eleito presidente dos Estados Unidos.
Esse método por cotas foi utilizado até as eleições presidenciais de 1948. Naquele ano, uma manchete do Chicago Daily Tribune estampava uma vitória de Thomas Dewey sobre Harry Truman, que não aconteceu. Às gargalhadas, Truman (já eleito) posou para fotógrafos com o jornal nas mãos. A imagem em tom de chacota correu o mundo e serviu para mudar a concepção de pesquisa eleitoral.
Desde então, o sistema de pesquisa probabilístico ;puro; (apenas com sorteios de entrevistados) serviu de contraponto ao método de cotas. Em 2002, na França, o método probabilístico foi bastante criticado porque os institutos não conseguiram prever a ida do candidato ultranacionalista à Presidência Jean-Marie Le Pen ao segundo turno. (AD)
Adaptação à brasileira
O cientista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP/MG) Adriano Cerqueira, coordenador do instituto EM Data ; que realiza pesquisas de intenção de voto com exclusividade para os Diários Associados ;, ressalta que o assunto ainda gera discordâncias entre especialistas, mas garante que é possível aferir margem de erro no sistema de cotas. ;Há uma disputa, uma polêmica que hora e meia retorna. Mas o fato é que as pesquisas eleitorais por cotas têm funcionado. Quando não batem exatamente (com o resultado), a ordem das candidaturas é confirmada;.
Cerqueira ressalta que os vários requisitos necessários para o modelo probabilístico inviabilizaram essa técnica no Brasil, especialmente em relação ao tempo do levantamento. ;A pesquisa probabilística que atende a todos os trâmites é inviável. Uma pesquisa em época de eleição tem necessidade de urgência. Que interesse vai ter para o eleitor uma informação que está defasada em pelo menos um mês?;.
Consultor do PSDB nacional, presidente do instituto Ipespe e autor de livros sobre comportamento eleitoral, o cientista político Antonio Lavareda pensa de forma semelhante. Apesar de fazer um mea-culpa, Lavareda defende que os índices de confiabilidade de uma pesquisa podem ser calculados pelo modelo atual. ;Por comodidade, os institutos adotaram a técnica de cotas, que a rigor não pode ter calculada a margem de erro no resultado. Adotaram também as margens de erro das amostras probabilísticas, uma vez constatado que nas poucas pesquisas realizadas nos dois métodos não havia tanta diferença;.
No entanto, o especialista endossa a tese de que a transformação do país deixou o método probabilístico impraticável. ;Nas grandes cidades cada vez mais se tem dificuldades de acesso aos domicílios. Em cidades como Recife, dificilmente os operadores vão ter acesso aos moradores dos condomínios verticais por questão de segurança. Então foi preciso recorrer a outros métodos. Na maioria dos casos, os institutos têm razoavelmente acertado nos prognósticos dos resultados das eleições;, argumentou Lavareda.
A legislação eleitoral possui poucas amarras de controle da qualidade das pesquisas. A resolução do TSE sobre o assunto obriga o registro delas, inclusive dos intervalos de confiança e margens de erro, mas não há qualquer análise da veracidade dos números. (AD)