postado em 24/02/2010 07:58
Especialistas e defensores de direitos humanos contestam o argumento de que passados 25 anos do fim da ditadura militar (1964-1985), não cabe mais ao país apurar o que ocorreu durante o período. ;Todos sabemos que a cronologia não importa quando a dimensão dos fatos tem essa profundidade;, diz Eduardo Bittar, presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos - Pesquisa e Pós-Graduação (Andhep).De acordo com Bittar, que também é professor de direito da Universidade de São Paulo, (USP), ;ninguém pode esquecer o que se produziu na Segunda Guerra Mundial somente porque essa guerra se deu há mais de 50 anos. Assim, a tarefa da memória é uma missão ampla de resgatar as inverdades, reconstruir os fatos, ensinar e educar para o não retorno;.
Argumento semelhante tem o advogado peruano Javier Ciurlizza, do Centro Internacional para Justiça de Transição: ;a Comissão da Verdade sul-africana teve que enfrentar fatos ocorridos em 1948. Na Argentina e no Chile, também foram verificados antes das investigações processos de esclarecimento de fatos que ocorreram há 25 anos;, compara.
Na avaliação de Ciurlizza, ;todos os países que passaram por processos de ditadura para democracia, ou de guerra para a paz, têm que responder a algumas perguntas fundamentais;. Para ele, ;o significado central de uma comissão da verdade é ético e moral;.
O advogado estará nesta semana em Brasília, a convite do Ministério da Justiça, na reunião do grupo de trabalho formado pelo governo e pela sociedade civil que deverá elaborar a lei da Comissão da Verdade até 30 de abril. Em sua avaliação, a comissão deverá funcionar não menos do que um ano e meio e não mais que três anos.
Ciurlizza recomenda que a comissão aproveite a documentação produzida desde o projeto Brasil, Nunca Mais; que faça um levantamento de vítimas, autores e dos crimes cometidos; que estabeleça uma ;narração histórica final; sobre o período e apresente recomendações para que a democracia não volte a faltar.
Os dois especialistas também não consideram o argumento de que a Lei da Anistia (1979) foi ;ampla, geral e irrestrita; e, portanto, perdoou crimes comuns como sequestro, tortura, estupro e homicídio, praticados por militares e policiais que atuaram na repressão do Estado autoritário.
;O Brasil é o único país que apela para a interpretação absoluta de uma lei de anistia;, afirma Ciurlizza ,que conhece o caso de mais de 30 países que instalaram comissões da Verdade. ;A anistia resolveu um problema político, mas não pode significar impunidade;, afirma.
Para o professor Eduardo Bittar, a anistia produziu a ;reconciliação nacional;, mas a ;revisão da Lei de Anistia se impõe;, especialmente se considerados os compromissos assumidos internacionalmente pelo país. ;A anistia que se concede a perseguidos políticos tem pouco a ver com a tarefa daqueles que abusaram do poder de polícia conferido ao Estado e extrapolaram as ações de realização da legalidade;.