Politica

Comissão da Câmara restringe a 50 anos o prazo para que documentos fiquem distantes do domínio público

Texto da Casa Civil previa sigilo indeterminado

postado em 20/03/2010 07:00

A Comissão Especial da Câmara modificou trechos do projeto da Casa Civil que prevê restrição de acesso a documentos considerados estratégicos pela administração pública. O texto original permitia o sigilo de alguns papéis por tempo indeterminado. O relatório da comissão, que será votado em plenário na próxima semana, limita a 50 anos (25 anos, renováveis por mais 25) o tempo em que os arquivos podem ficar distante dos olhares dos cidadãos. A proposta enviada pelo governo em maio trazia a possibilidade de sigilo eterno para atos que colocassem em risco a ;soberania nacional;. Os deputados mudaram o item e fizeram outras alterações, como os prazos para que os órgãos do governo adotem as regras, que devem valer para Executivo, Legislativo, Judiciário, estados e municípios (veja quadro).

;Acabou o sigilo eterno;, afirmou o deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), relator da comissão que analisou o projeto do Executivo. Segundo ele, outras alterações foram importantes, como a possibilidade de a sociedade poder recorrer a outros órgãos para reclamar. ;O substitutivo prevê que caso a pessoa não tenha as informações solicitadas, procure o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público;, acrescentou Mendes Ribeiro. Segundo ele, a discussão que gerou a nova proposta contou com a participação de outros setores, como organizações não governamentais.

Grande parte dos atos secretos e ultrassecretos do governo brasileiro são referentes ao período do regime militar. Outros se referem a situações envolvendo a diplomacia. Muito do que foi produzido está ligado ao regime de exceção. Pelo modelo atual, esses arquivos podem ficar desconhecidos por tempo indefinido. Enquanto isso, outros países avançaram na criação de organismos que possibilitam a transparência das instituições públicas, caso do Instituto Federal de Acesso a Informações Públicas (Ifai), do México. Nos Estados Unidos, o governo vem liberando, a cada ano, parte de seu acervo sigiloso, como os documentos referentes ao presidente John Kennedy (1). Alguns deles, sobre segurança nacional.

O texto do governo federal nasceu nesse contexto, com o objetivo de dar transparência aos documentos públicos, mas abria brechas para manter na gaveta atos ultrassecretos. O Palácio do Planalto sugeria a redução do período de validade dos documentos de 30 para 25 anos, renováveis pelo mesmo período, e mantinha a prerrogativa de renovação da classificação em casos de ameaças externas à soberania do país. A comissão do Legislativo limitou a reclassificação a uma vez.

Razoável
Em seu relatório, Mendes Ribeiro Filho avalia que não há necessidade de estender os prazos dos documentos ultrassecretos por conta de uma suposta ameaça à soberania nacional. ;Tendo em vista a limitação imposta pela Constituição de restringir o acesso à informação em caso de risco à segurança da sociedade ou do Estado, haveria justificativa socialmente aceitável para manter segredo por mais de 50 anos? Entendemos que não;, ressalta o relator. ;Julgamos desproporcional e irrazoável, e consequentemente inconstitucional, a manutenção de informações sigilosas por mais de meio século.;

Entre as modificações feitas no projeto original também está a possibilidade de a sociedade saber quais são os temas dos documentos que ainda serão mantidos em sigilo, como os secretos e ultrassecretos, ainda que o acesso ao conteúdo seja limitado. Pela proposta do governo, todos os anos haverá a divulgação pela internet dos documentos liberados. ;A relevância em se conhecer a existência dos documentos classificados reside em, futuramente, quando de sua desclassificação, cobrar o acesso às informações deles constantes;, diz o relatório, que será votado em regime de urgência.

Nas alterações ainda está o aumento de 120 para 180 dias no prazo para que os órgãos das administrações públicas possam fazer adaptações para atender futuras demandas. Além disso, o relatório aconselha o Executivo a usar a flexibilidade em relação à liberação dos documentos em pequenos municípios. Pela proposta da comissão, isso seria aconselhável, mas não obrigatório.

1 - Dinastia trágica

O presidente americano John Kennedy morreu em 1963, quando fazia uma aparição pública em ruas de Dallas, no Texas. Ele foi alvejado por dois tiros, atribuídos a Lee Oswald. No atentado, também ficou ferido o governador texano John Connaly. Kennedy foi considerado um dos presidentes mais modernos dos Estados Unidos, mas sua família sempre foi marcada por tragédias. Pelo menos cinco integrantes do clã morreram em acidentes ou assassinados e uma das irmãs do presidente tinha deficiência mental.

; O que poderá mudar

A principal modificação feita pelo relator da Comissão Especial da Câmara foi em relação ao prazo dos documentos ultrassecretos, mas outros pontos, como o prazo para que os órgãos da administração pública se adaptem à legislação, estão entre as mudanças. As principais alterações são as seguintes:

# Documentos ultrassecretos
Fixa-se apenas uma prorrogação de 25 anos no prazo original, também de 25 anos. Após esse período, os papéis se tornam públicos. Pelo projeto do governo, alguns documentos poderiam ter restrição sucessiva e ilimitada.

# Publicidade
Pela proposta dos congressistas, a população terá direito de saber, durante a divulgação anual dos documentos classificados, quais são secretos e ultrassecretos. No projeto do governo, apenas os papéis sem classificação seriam divulgados.

# Reclamação
A pessoa que não obtiver informações sobre documentos administrativos pode recorrer aos tribunais de contas da União, dos estados e dos municípios para fazer a reclamação. Isso seria feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) pela proposta do Executivo.

# Vigência da lei
O substitutivo do relator aumenta em dois meses o prazo para que a administração pública adote os novos mecanismos voltados para a transparência dos documentos públicos. No projeto do governo, o período era de 120 dias.

# Acesso restrito
Entre as alterações feitas pela Câmara está a que restringe a lista de autoridades capacitadas a classificar os documentos como secretos e reservados. O projeto do governo dava prerrogativa a funcionários com cargos comissionados.
Agora, só os chefes dos setores.

# Internet
A proposta da Câmara tira a obrigatoriedade da divulgação das informações pela internet em sites de órgãos públicos de pequenos municípios, como previa o projeto da União. O relator sugeriu que isso seja feito, não obrigatoriamente, em cidades com mais de 10 mil habitantes.

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