A iminência de uma crise entre partidos aliados a pouco mais de seis meses das eleições presidenciais fez o governo federal recuar no discurso e nas atitudes para discutir a essência do projeto que muda as regras de divisão dos royalties do petróleo. A estratégia antes anunciada pelo Palácio do Planalto, de manter distância dos debates, teve de ser revista para evitar estragos maiores ao marco regulatório do pré-sal e à aliança entre PT e PMDB na corrida presidencial. Ontem foi a vez do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tentar articular um consenso com senadores dos estados produtores.
O ministro esteve com Francisco Dornelles (PP-RJ) e Renato Casagrande (PSB-ES), além do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Os senadores disseram a Padilha que topam costurar uma solução de meio termo entre o modelo de redistribuição sugerido pelo governo e as regras aprovadas na Câmara pela emenda dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto, do PPS-MG (veja quadro).
A dupla de senadores ouviu de Padilha a disposição do governo federal para o debate, mas a intransigência quanto à aprovação do marco regulatório do pré-sal em 45 dias. O Senado terá o mesmo tempo para achar uma solução sobre a polêmica dos royalties ; a emenda aprovada na Câmara traz prejuízo de R$ 7 bilhões somente para o Rio de Janeiro. ;Aceitamos abrir mão de parte do que seria destinado aos estados e municípios produtores pela proposta do governo desde que seja mantida uma compensação justa. O ponto de partida tem de ser o modelo sugerido pelo governo e não pode atingir áreas já licitadas;, defende Casagrande.
A série de reuniões com senadores é uma mudança significativa na estratégia adotada pelo Planalto na época em que a discussão tramitou pela Câmara. Confiando em maioria folgada na Casa, o governo preferiu empurrar a discussão dos royalties, certo de que a emenda Ibsen/Souto cairia. ;O governo agiu como autista ao desconsiderar a emenda e agora corre para traçar nova estratégia;, admite o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).
Sem chances
No Senado, uma outra proposta, de a União tirar uma fatia de sua cota nos royalties para ressarcir estados e municípios produtores, parece natimorta. A emenda protocolada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi solenemente desconsiderada na reunião de Lula com os líderes partidários, na segunda-feira. Ontem, a pá de cal foi posta pelo líder do governo, Romero Jucá: ;Já retiramos recursos da União quando o percentual pago por royalties passou de 10% para 15%. Esse dinheiro fará parte de um fundo a ser aplicado no Brasil. Cortá-lo seria tirar dinheiro da educação, saúde, cultura;, listou Jucá.
No início da noite, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, visitou o Congresso e aproveitou para reforçar que considera a emenda Ibsen/Souto inconstitucional, por mexer com contratos já assinados. Principal defensor da proposta no Senado, Pedro Simon preferiu provocar o ministro. ;O Gilmar Mendes gosta de aparecer, ser manchete, já está com saudades do cargo. É estranho o presidente do STF opinar sobre algo que desconhece, mas é o estilo dele;, criticou.
As cifras da discórdia
Proposta original de divisão dos royalties apresentada pelo governo
- União - 22%
- Estados e municípios produtores - 34,5%
- Municípios e estados não produtores - 44%
# Emenda Ibsen/Souto, que acaba com a divisão privilegiando estados produtores
- União - 50%
- Estados - 22,5%
- Municípios - 22,5%
; Personagem da notícia
Chororô consciente
O governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB), não conta com a simpatia de boa parte dos senadores, mas demonstra que, por trás do choro público da semana passada, conserva uma boa carta na manga para pressionar o Palácio do Planalto: o terceiro maior colégio eleitoral do país. A entrada em campo do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para tentar pôr fim à crise pode ser creditada na conta de Cabral como vitória pessoal, resultado de uma estratégia arriscada, registre-se.
A reação intempestiva pintou boa parte dos parlamentares favoráveis à redistribuição dos royalties como inimigos do Rio de Janeiro. Em franca minoria no Congresso Nacional ; o estado só conseguiu o apoio declarado da bancada do Espírito Santo ;, Cabral decidiu inflar a crise com 150 mil fluminenses nas ruas do centro da cidade na semana passada.
O estado não pode ser desperdiçado, ainda mais com uma candidata a presidente, Dilma Rousseff, com dificuldades anunciadas nos dois maiores colégios eleitorais do país: São Paulo e Minas Gerais. Perder Cabral e o Rio seria uma marola difícil de se transpor. Os sinais do Planalto indicam que Cabral tomou a dianteira na questão, mas ainda terá de chorar um bocado para dobrar o Senado.
Ouça trechos da entrevista com o líder do governo no Senado, Romero Jucá