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Ministério Público do TCU vai analisar aditivo de US$ 132 milhões firmado pela Hemobrás

postado em 12/04/2010 08:05

O Ministério Público do Tribunal de Contas da União (TCU) vai investigar a legalidade do aditivo de US$ 132 milhões feito ao contrato de transferência de tecnologia firmado entre a Hemobrás e o Fractionnement e des Biotechnologies (LFB) em 2007, no valor de apenas R$ 16 milhões, mais 5% de royalties ao ano. ;Tenho dúvidas quanto à legalidade desse percentual e quanto ao fato desse aditivo não se manter no objeto original do contrato;, afirmou o procurador do MP Marinus Marsico. Ele vai solicitar cópias do contrato original e do aditivo para examinar a regularidade da contratação.

Marsico afirma que ;o contrato aditivado em mais de 25% está irregular. E, fora do objeto, também é irregular;. Ele informou as medidas que vai adotar a partir de segunda-feira. ;Vou pedir o contrato de transferência de tecnologia para analisá-lo, para ver se existe uma brecha nesse contrato para esse aditivo. Vou verificar os valores e, se isso estiver confirmado, vou entrar com pedido de liminar para que essa compra seja imediatamente suspensa, caso essas informações sejam confirmadas.;

O LFB foi citado no inquérito da Operação Vampiro, em 2004. O representante comercial do laboratório no Brasil, Marcelo Pitta, foi um dos presos na operação da Polícia Federal. Escutas telefônicas revelaram as fraudes em licitações. As investigações começaram em São Paulo, onde Pitta dirigia a Fundação do Sangue. O representante comercial é citado em um dos processos que tramitam atualmente na Justiça Federal. A ação de improbidade administrativa 2008.34.00.005180-5 pede a anulação do contrato 91/2001 com o Ministério da Saúde e a devolução de R$ 227,3 milhões, além do sequestro e a indisponibilidade dos bens das empresas e das pessoas físicas envolvidas. Além do LFB, a Octapharma também é réu na mesma ação.

Contrato

O contrato de transferência de tecnologia firmado com o LFB tem um custo de R$ 16 milhões até 2014, mais 5% de royalties ao ano, durante 10 anos após o início da produção. Entre as obrigações do instituto francês estão a transferência da tecnologia destinada à produção dos hemoderivados fator 8, fator 9, imunoglobulina, albumina, fator de Von Willebrand e complexo protrombínico. O LFB também ficou com a obrigação de prestar assistência técnica para a construção da fábrica e fornecer documento de validação das instalações, equipamentos, processo e produtos.

O aditivo firmado no início deste mês prevê um gasto de US$ 33 milhões ao ano, num total de US$ 132 milhões em quatro anos. Com a alteração do contrato, a Hemobrás passará a deter já neste ano os registros relativos aos hemoderivados albumina, imunoglobulina, fator 8 e fator 9, com marca própria da estatal brasileira. Segundo a empresa, isso permitirá a sua autonomia na produção desses produtos tão logo a fábrica de hemoderivados em Pernambuco esteja pronta para operar plenamente, em 2014.

Questionada pelo Correio se o valor do termo ativo poderia superar em mais de 25% o valor do contrato original, a empresa respondeu: ;Sim, porque não se trata apenas de uma questão percentual. A Hemobrás, ao firmar o termo aditivo, assume competências e atribuições definidas nas normas regentes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Nacional do Sangue (Sinasan). Também cumpre sua função social e o papel que lhe cabe como instrumento público da garantia do acesso à saúde pela autonomia tecnológica do país;.

A Hemobrás foi informada na última quinta-feira sobre as medidas estudadas pelo procurador do TCU. ;A Hemobrás respeita a opinião do procurador Marinus Marsico, embora estranhe que ele faça esta afirmação sem ter conhecimento do conteúdo do termo aditivo. Caso o procurador manifeste-se oficialmente acerca do assunto, a Hemobrás prestará as informações solicitadas;, respondeu a estatal.

A reportagem solicitou cópias do contrato original e do termo aditivo. A Hemobrás respondeu que o aditivo será publicado no Diário Oficial até o fim do mês. Sobre o contrato original, respondeu: ;A Hemobrás informa que o cidadão interessado em obter cópia de contrato da empresa deve fazer uma petição, anexando cópias autenticadas do RG e do CPF, especificando o objetivo da solicitação, bem o documento que deseja. A petição será encaminhada para a Procuradoria Jurídica, para a devida análise e concessão do material. A empresa avisa que cabe ao solicitante o pagamento pelas cópias das páginas;.



Esquema fraudulento

Fraudes em processos de licitação de hemoderivados não são novidade no país. Em 2004, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigaram um esquema que começou a funcionar no governo Fernando Collor (1990-1992), passou pela gestão de Itamar Franco (1992-1994), sobreviveu aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e chegou a atuar no início do governo Lula, em 2003. De acordo com a PF e o Tribunal de Contas da União (TCU), que fez auditoria nas compras desses produtos pelo Ministério da Saúde de 1998 a 2002, havia uma formação de cartel de produtores de hemoderivados.

Depois de 14 meses de investigações, a PF desencadeou, em maio de 2004, a apreensão de documentos em quatro capitais e a prisão de 17 pessoas, acusadas de tráfico de influência, favorecimento de licitações e corrupção. Segundo a denúncia, a organização criminosa contava com o apoio de funcionários públicos e financiava campanhas eleitorais. O rombo aos cofres públicos é estimado em R$ 2,3 bilhões. Atualmente, cinco processos tramitam na Justiça Federal em Brasília. As ações citam, além do representante comercial do LFB, as empresas Octapharma, Baxter Export Corporation e American National Red Cross.

Lavagem

Na denúncia, o MPF acusa os envolvidos no esquema de lavagem de dinheiro, improbidade administrativa, crimes contra o sistema financeiro e dano ao erário. Pede ainda que os contratos internacionais sejam cancelados. O Ministério da Saúde manteve o contrato com o LFB até 31 de março deste ano. Segundo a assessoria de imprensa do ministério, não houve condenação da empresa e, por isso, não se justificaria a quebra de contrato. Porém, depois de uma rodada malsucedida de negociações de preço, o LFB cancelou a milionária parceria. Coincidentemente, a Hemobrás fechou contrato com o laboratório no dia seguinte.

A Hemobrás afirmou ao Correio que as acusações feitas a partir da Operação ;não tem não relação direta com a pessoa jurídica do LFB, mas com a representação comercial do mesmo à época. Depois desses fatos, foi feita uma auditoria pelo Ministério da Saúde e se constatou que a pessoa jurídica LFB não tinha qualquer envolvimento. Por conta destes fatos, inclusive, o LFB abriu uma filial no Brasil. É com o LFB francês e com a filial do Brasil que nos relacionamos;.

Segundo a estatal brasileira, a própria contratação que o LFB tinha antes com o Ministério da Saúde e que findou em 31 de março já foi realizada nesta nova forma de atuação direta do LFB, sem a participação de qualquer representação comercial. ;Não houve e não há qualquer impedimento legal ou punição que iniba a contratação do LFB pela administração pública, de sorte que os momentos e as situações são distintas e diversas;, diz nota da Hemobrás.

A estatal também justificou na nota o acerto do preço do LFB com o Ministério da Saúde. ;O LFB pediu o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, que foi reconhecido pelo ministério, embora não no valor que o LFB pretendia. Mas, de qualquer forma, o LFB teria direito ao reequilíbrio, inclusive com o recebimento das diferenças dos valores desde a data em que pediu (o que faria, salvo engano, uns 10 ou 11 meses de diferença). Como o ministério já havia tomado a decisão estratégica de passar a atuar conjuntamente nesta atividade com a Hemobrás, foi decido pelo ministério e pelo LFB que se manteria o valor original até 31 de março, para que a Hemobrás e o LFB tentassem chegar a um acordo quanto à antecipação das fases de transferência de tecnologia. Se LFB e Hemobrás não chegassem a um acordo, o ministério e o LFB voltariam a conversar e poderiam prorrogar o contrato entre eles por até novos 30 meses;, informou a estatal. (AR e LV)

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