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Politica

Um a zero pela Lei de Anistia

Relator da ação no Supremo defende a manutenção da legislação aprovada há 30 anos. Julgamento deve terminar hoje

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou ontem o julgamento da ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pede a revisão da Lei da Anistia, promulgada em 1979, no auge da ditadura militar brasileira. Único a votar, o relator do processo, ministro Eros Grau, se posicionou contra o pedido, ao defender uma ;anistia ampla, geral e irrestrita;, conforme aprovada há mais de 30 anos. Depois do voto de mais de duas horas, a sessão foi suspensa no começo da noite. Os ministros seguiram para um jantar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio da Alvorada. O julgamento será retomado hoje à tarde, quando mais oito ministros terão direito a voto.

A lei anistiou os brasileiros que tiveram os direitos e garantias violados durante a ditadura por supostos crimes políticos e eleitorais. A norma, porém, beneficiou também agentes do Estado suspeitos de torturar e matar opositores. No processo, a OAB pede que os acusados de repressão sejam excluídos do rol de contemplados com a anistia. A entidade quer uma interpretação mais clara do trecho da lei que concede perdão aos acusados de praticarem crimes ;conexos;, relacionados aos crimes políticos ou de motivação política.

Nos bastidores do STF, a expectativa é que a maioria dos ministros siga o voto do relator, pela manutenção da lei. Eros Grau, que chegou a ser preso no regime militar, criticou o posicionamento da OAB, que, em 1979, se engajou pela aprovação da Lei da Anistia. ;Nesses moldes, encontramos a OAB de hoje contra a OAB de ontem;, disse.

Apesar de rejeitar a ação, Eros ponderou que sua posição não exclui o ;repúdio; aos atos de tortura ;cometidos ontem e hoje por policiais ou delinquentes;. O relator destacou que caberia somente ao Congresso rever a lei. Ele lembrou que em países como a Argentina, a lei foi revisada pelo Poder Legislativo, e não pelo Judiciário.

;Sem perdão;
Em plenário, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, observou que a Lei da Anistia ;passou por um longo debate nacional; antes de sair do papel. Representando a OAB no julgamento, o conselheiro Fábio Comparato observou que a legislação foi votada por um Congresso Nacional submisso às ordens do governo de exceção. ;É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um congresso submisso;, questionou Comparato.

Pela Associação de Juízes para a Democracia, o advogado Pier Paolo Botini negou que a ação tenha caráter vingativo. ;O objetivo da associação não é a vingança, não é revanche, mas que essa Corte reconheça que a sociedade brasileira não perdoou os crimes. Ainda que se diga que tais atos não sejam puníveis é preciso destacar que não ocorreu um ato de perdão da sociedade brasileira;, alertou Pier Botini.

Já o advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams, afirmou que a anistia ;é um ato político de clemência; e não de extinção dos fatos ocorridos. Segundo ele, não há nada obscuro na lei, que ;se mostrou importante para a retomada do regime democrático;. Em parecer, a Advocacia-Geral da União citou o Artigo 5; da Constituição, segundo o qual a ;lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu;. Dessa forma, AGU alega que não seria possível revisar um ato praticado antes de a Constituição ser promulgada, em 1988.