Silvia Bessa/Diário de Pernambuco
postado em 02/05/2010 09:29
Nenhuma outra promessa do governo Lula é tão aparente e incontestável quanto a transformação do conglomerado urbano de Brasília Teimosa, Zona Sul do Recife (PE). A brisa renovadora e a vista deslumbrante do mar da Praia do Pina em nada lembram a paisagem repleta das palafitas remendadas com sobreposições de madeiras apodrecidas que impressionou a comitiva da histórica visita presidencial e ministerial, em 10 de janeiro de 2003 ; uma semana depois da posse de Lula. A retirada das 560 famílias dos casebres à beira-mar e a urbanização da área deu status à mais antiga invasão urbana do Recife, hoje com cerca de 25 mil pessoas. A obra melhorou o acesso a serviços de transporte e limpeza, promoveu a valorização imobiliária e possibilitou a criação de uma grande área de lazer popular. A porta da frente de Brasília Teimosa deixou de envergonhar. Agora, envaidece. ;Virei gente chique. Oxe, nem se compara;, diz Maria Augusta José da Silva, de 64 anos.;Aqui só tinha lixo, ratos e um cheiro insuportável.; Falava do odor do esgoto a céu aberto que envolveu o nariz dos 29 ministros durante os 30 minutos da visita e que 24 horas por dia tomava conta da casa de cidadãos como ela e a ex-moradora de palafita Erinalda Maria dos Santos (veja abaixo). No encontro com Erinalda, na ocasião da passagem pela cidade, Lula deu a palavra de que mudaria aquela realidade. ;Todo mundo prometia. Ele veio e cumpriu;, diz Erinalda.
Sobre o lugar onde Erinalda morava e sobre as ruelas pelas quais Lula e os ministros passaram vê-se atualmente a Avenida Brasília Formosa. Estende-se por 1,3 quilômetro de calçadão. Abrange pista de cooper e bicicleta, parque para crianças e mão dupla para automóveis. Os relatos entusiasmados de Maria, Erinalda e da família que ainda possui casa na Brasília pernambucana, do marinheiro Luciano Paulo e do pescador Augusto de Lima se multiplicam em Brasília Teimosa.
;Virou um espaço para servir a todos. Eu mesmo faço caminhada com minha mulher, das 5h às 6h, as crianças brincam na areia e vem até turista conhecer nossa praia;, comemora todo orgulhoso Augusto de Lima, 62 anos, presidente da colônia de pescadores. Quando colocou os pés na comunidade, em 1958, ;não havia mais que 300 casas;. O número de pessoas girava em torno de mil.
Resolveu
Para centenas desses recifenses, Lula incorporou o presidente que se aproximou do povo, ouviu as reivindicações, levou para o gabinete o problema e o resolveu. ;Você pode andar por aí e perguntar. Melhorou tudo. O saneamento, a limpeza, o comércio com o aumento dos negócios, tudo;, resume o marinheiro Luciano Paulo, de 36 anos. Os mutirões para abrigar os moradores que perdiam as palafitas, com o impacto da maré alta do mês de agosto, passou a ser apenas lembrança de um tempo difícil.
Como esperado, nesta Brasília, a satisfação está longe do conformismo. A comunidade é teimosa, como diz o nome. Reclama da ;expulsão branca; com o assédio dos construtores que barganham valores de até R$ 200 mil por um terreno à beira-mar. Diz que o bairro precisa de mais investimento para a qualificação do comércio; de apoio para os amigos que foram transferidos para que eles não retornem; e de mais planejamento para as futuras obras. O assoreamento da praia, por exemplo, precisaria ser revisto para não acabar com as melhorias.
Ocupações, invasões e urbanismo
; Trata-se de um bairro do Recife (PE) com 25 mil habitantes. Situa-se entre a Praia do Pina e o Rio Capibaribe. É uma espécie de península e dá continuidade à famosa Praia de Boa Viagem. Ficou conhecida como a maior invasão urbana do Recife. Está concentrada em 65,4 hectares.
; Tem esse nome em homenagem à Brasília de Juscelino Kubitschek. O processo de luta pela terra começou em 1947. Ganhou projeção quando cinco pescadores viajaram de jangada por 35 dias para assistir à posse de JK e cobrar apoio para a comunidade. Sempre foi engajada politicamente, com muitos líderes populares.
; Começou a ser urbanizada em 1979, com obras de calçamento, instalação de unidades educacionais e de saúde e com a chegada do transporte urbano. Hoje, Brasília Teimosa tem densidade populacional de 343,85 habitantes por hectare ; cinco vezes a do Recife. A densidade mede o número de pessoas por área.
; Passou por várias tentativas de transformação. As maiores: em 1982, quando as famílias das palafitas foram realocadas para a Vila do Prata. Com terreno livre, a área acabou invadida novamente. Houve novas tentativas de remoção em 1986 e em 1989. Em 2003, o governo Lula retirou as palafitas e deu início à obra da orla.
; De 2005 para cá, viu a supervalorização do metro quadrado após a obra de urbanização da orla marítima, construída onde só existiam palafitas. O metro quadrado na nova Av. Brasília Formosa passou a valer R$ 1,8 mil. Só não é maior que o metro da orla de Boa Viagem, que chega a R$ 5 mil. Já é superior ao metro do bairro do Pina (R$ 1,5 mil).
Lula com moradores nos tempos das palafitas: confiança conquistada
A representatividade de Brasília Teimosa para a administração de Lula pode ser aferida a partir de uma decisão: foi nesse bairro que ele realizou o comício inaugural da campanha de reeleição, em julho de 2006. Sinal de que o PT estava satisfeito com as intervenções no local. Com as palafitas removidas, a orla revitalizada e a simpatia da comunidade, Lula optou por estar onde seria ovacionado. O primeiro comício da campanha durou três horas e encerrou-se com um discurso inflamado. Quatro mil pessoas, segundo a PM, estavam presentes.
O evento serviu como uma espécie de prestação de contas da obra e um retorno triunfal, após tirar do papel a promessa que parecia difícil. No comício, Lula relembrou que levou a Brasília Teimosa, na primeira semana da sua primeira gestão, a comitiva composta por 29 ministros porque queria que o staff visse ;como vivia grande parte do povo brasileiro;.