postado em 06/05/2010 08:50
Em mais um capítulo da arrastada tramitação no Congresso do projeto Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos condenados pela Justiça, os deputados suspenderam ontem à noite a votação da proposta, adiando a análise final para a próxima semana. A decisão, tomada por todos os partidos, com exceção do DEM, acendeu a luz amarela entre os defensores da proposta. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, acredita que o atraso inviabiliza a entrada em vigor da nova lei a tempo de valer para as eleições deste ano.
%u201CO grupo que perdeu viu que não tinha mais jeito de derrubar o projeto e como última manobra adiou a votação para não valer para esta eleição%u201D, analisou o presidente da OAB, reacendendo a polêmica em torno do prazo para que a proibição do projeto comece a valer. A lógica de Cavalcanti é a de que o projeto precisa ser aprovado até cinco de junho, às vésperas do prazo inicial das convenções partidárias que escolherão os candidatos, que começam em 10 de junho. %u201CAté lá, as regras do jogo precisam estar definidas%u201D, justifica. Como o texto, mesmo aprovado na próxima semana pela Câmara, ainda precisa passar pelo Senado, ele acredita que não há tempo hábil para a análise dos senadores e sanção presidencial.
A avaliação sobre o prazo de validade, defendida ontem pelo presidente da OAB, vem somar-se às diversas e divergentes opiniões a respeito do projeto, especialmente sobre o prazo de entrada em vigor. Esta semana, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), defendeu que o projeto só vale para 2012. A polêmica também atinge especialistas ouvidos pelo Correio (leia ao lado).
O plenário da Câmara, que votava a todo vapor até pouco antes das 21h50, início de jogos como disputado entre Flamengo e Corinthians, esvaziou-se instantaneamente após a decisão dos partidos de obstruir a sessão, tomada minutos antes do início da partida. O deputado Índio da Costa (DEM-RJ), relator do projeto na comissão especial, diz, porém, que o adiamento da votação não ocorreu nem por interesses políticos nem futebolísticos. A alegação oficial é a de que uma emenda perigosa ameaçava desfigurar o texto principal, aprovado na noite de terça-feira. A sugestão de mudança, do deputado João Pizzolatti (PP-SC), permitia a candidatura de políticos, mesmo nos casos de condenação em processos de agressão ao meio ambiente ou à saúde pública. Segundo Costa, não haveria 257 votos suficientes para derrubar a emenda. %u201CA saída foi obstruir porque os ruralistas são muito fortes e havia risco de perder nessa votação%u201D, garantiu.
Rejeição
Antes do adiamento, a Câmara rejeitou emendas que tentavam tornar inviável o projeto. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pretendia retirar a expressão que é a espinha dorsal da proposta, a que proíbe a candidatura dos condenados nos oito anos que se seguirem à decisão judicial. A proposta teve apoio de PMDB, PR, PP e PTB, mas o texto original foi mantido por 362 votos a 41. Os parlamentares também recusaram a proposta do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que suprimia a expressão %u201Cproferida por órgão judicial colegiado%u201D. Outra emenda, que pegava carona no projeto, também foi derrubada. De autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), pretendia aumentar de seis meses para um ano antes do pleito o prazo para um integrante do Ministério Público se desligar de suas funções para se lançar candidato. Ainda restam nove emendas para serem votadas na próxima semana. Apesar de haver sessão hoje formalmente, as quintas-feiras se tornaram dias de folga para os deputados, que costumam viajar a seus estados no início do dia.
O projeto torna inelegíveis condenados por decisão judicial em segunda instância. A proposta, no entanto, permite uma espécie de efeito suspensivo por meio de um recurso a um órgão colegiado de instância superior. Com esse recurso, o político condenado receberia uma %u201Cautorização%u201D para se registrar como candidato. A legislação vigente torna inelegível o candidato apenas quando não há mais recurso contra a condenação.
VOTO CONTRA
O deputado Marcelo Melo (PMDB-GO), único parlamentar que votou contra o texto principal do projeto Ficha Limpa, pediu ontem que o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), corrija o voto dele. Melo afirmou que sua intenção era votar favorável ao projeto, mas errou os botões no momento da votação. Dos 389 deputados presentes, 388 foram favoráveis à proposta, com exceção de Marcelo Melo.
Descanso de Geddel
Dividindo o tempo entre Brasília e Bahia, o pré-candidato ao governo baiano deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) deu um tempo na agenda eleitoral e aterrissou na capital para engrossar o quorum dos peemedebistas que estiveram em plenário para aprovar o texto-base do Ficha Limpa na noite de terça-feira. O ex-ministro apoiou a proposta e votou para rejeitar a manobra que adiaria a votação. Ontem, Geddel comemorava, relaxado, com um descanso no Salão Verde, a entrada do PTC na aliança de 11 partidos que apoiarão sua candidatura e, na Câmara, tentava ajudar o governo a reunir a base, dispersa nas votações da noite anterior. Apesar de o deputado ser um dos homens de confiança do presidente Lula no Congresso, durante as discussões dos destaques do Ficha Limpa ontem, Geddel pouco se interessou pelas votações ontem. Ele passou no plenário para acompanhar as discussões, mas não ficou para votar.
Ponto crítico
O projeto Ficha Limpa pode valer para as eleições deste ano?
SIM
» Marcus Vinicius Furtado Coelho
O projeto de ficha limpa tem plena validade para a eleição de outubro porque não se trata de uma norma que trata de eleição, é uma cláusula de inelegibilidade. A anualidade só vale para as normas que mudam as fases do processo eleitoral. As causas de inelegibilidade não precisam de anualidade. Agora, há uma certa polêmica sobre se pode-se retirar alguém da disputa eleitoral sem uma condenação final. Mas é bem possível interpretar no sentido de que declarar alguém inelegível não é a mesma coisa que condenar, é apenas temporariamente excluir esse agente da possibilidade de ele ser candidato, tão apenas. Existem outras hipóteses na lei para a inelegibilidade: a rejeição de contas no TCU, por exemplo, impede a candidatura.
Secretário-geral da OAB, especialista em direito eleitoral
NÃO
» Erick Pereira
Esse projeto não pode entrar em vigor porque é inconstitucional. Ele tem um clamor social muito forte, mas há um questionamento, e esse projeto vai acabar no Supremo Tribunal Federal. Não é possível só por decisão de segundo grau um agente público sofrer a condenação de ser excluído do processo eleitoral. O grau de civilidade de uma nação é medido pelo princípio da inocência, restringindo esse princípio, por mais que sejamos favoráveis ao projeto, afeta-se a civilidade de uma nação. É o próprio cidadão quem deve escolher o representante, fazendo uma avaliação de quem merece o mandato de representação. Não podemos criar como solução para a corrupção esse projeto de ficha suja. Não vejo com muita credibilidade pelo simples fato de aprovar pelo clamor social. O que se deveria fazer é trabalhar a conscientização do eleitor na hora de escolher o representante.
Doutor pela PUC-SP e professor de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte