postado em 10/05/2010 09:20
A culpa do mordomo sempre foi um final previsível para filmes policialescos de Hollywood, mas, no Brasil, essa máxima chega à Justiça, que tem conseguido punir apenas intermediários de organizações criminosas, a maioria responsável pelo desvio de dinheiro dos cofres públicos. Os exemplos se multiplicam e é possível detectar o tratamento diferenciado em relação aos réus num mesmo processo, como aconteceu com o diretor do cartório da 12; Vara da Justiça Federal de Minas, Anibal Brasileiro, demitido a bem do serviço público, sob a acusação de participar de um grupo especializado na venda de sentenças, identificado a partir da Operação Pasárgada, em abril de 2008. Funcionário subalterno, Aníbal está na rua. Já o juiz Welinton Militão, um dos cabeças da organização, de acordo com as investigações, trabalha normalmente e sofreu, até agora, apenas um pena de censura, aplicada em novembro passado, pelo Tribunal Regional Federal da 1; Região.Não menos preocupante é a situação de Humberto Ribeiro dos Santos, preso sob acusação de envolvimento no assassinato de quatro fiscais do trabalho, em Unaí, no noroeste de Minas, em janeiro de 2004. Humberto, apontado como o homem que apenas tentou destruir uma das provas do crime para beneficiar os pistoleiros ao arrancar a página de registro de hóspede do hotel da cidade, está preso há cinco anos. Enquanto isso: os mandantes, os irmãos Antério e Norberto Mânica, empresários conhecidos como ;reis do feijão;, gozam de liberdade com a ajuda de inúmeros recursos impetrados desde a sentença de pronúncia que os mandou a júri popular.
Antério foi ainda mais longe. Mesmo preso à época do crime, se elegeu prefeito e, no ano passado, se reelegeu. Há um ano, o Ministério Público Federal pediu a libertação de Humberto Santos, acusado de favorecimento pessoal e formação de quadrilha, mas até agora a Justiça não decidiu sobre o pedido, perdido na burocracia do Judiciário.
Dois exemplos que se somam a vários outros, como o do megaescândalo do Banestado ; remessas ilegais de divisas do sistema financeiro público para o exterior, descoberto na década de 1990 ;, no qual foram condenados, até agora, apenas doleiros como Odilon Cândido Bacellar Neto e Altemir Antônio Casteli, detidos em meados de 2003, quando foram presos por fraude com o uso de contas CC-5 mantidas na agência do Banestado de Foz do Iguaçu.
João-de-barro
Do esquema participaram inúmeros servidores e até mesmo parlamentares, denunciados em processo que se arrastam na Justiça brasileira. Além deles, o deputado federal João Magalhães (PMDB-MG) não sofreu qualquer consequência, desde 2006, quando foi acusado de comandar um esquema de venda de emendas parlamentares. Pego na Operação João-de-barro91), Magalhães é alvo de dois inquéritos, mas a denúncia criminal foi apresentada apenas contra prefeitos e servidores federais.
Na esteira da impunidade, outro grande esquema de venda de emenda, o Sanguessugas, ou Máfia das Ambulâncias, descoberto pela PF em 2006, também não foi capaz de punir todos os envolvidos. Dos 33 deputados e ex-deputados indiciados por envolvimento com a máfia das ambulâncias, o ex-deputado federal Cabo Júlio (PMDB-MG), hoje vereador de BH, foi um dos poucos condenados até agora por participação na liberação de emendas para a compra de ambulância. A sentença saiu em agosto do ano passado. Em abril, ele confessou seu envolvimento no esquema por meio do blog que mantém na internet. Apesar disso, brada aos quatro ventos que, de todos os parlamentares envolvidos, apenas ele tem condenação, o que o transformaria em bode expiatório. O ex-deputado alega ser ;peixe pequeno; no esquema, por isso teria sido o único punido até agora. Na época das denúncias, também apareceram senadores suspeitos de envolvimento no golpe, mas todos foram absolvidos pelo próprio parlamento.
O advogado Luís Cláudio da Silva Chaves, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB-MG), diz que o problema de ;dois pesos e duas medidas; é gerado pelo próprio Estado brasileiro, que não aparelha a Justiça devidamente com investimentos significativos num dos pilares do Judiciário: a Defensoria Pública. ;Todo cidadão tem direito a defesa de qualidade, mas o que ocorre hoje não é isso;, explica. Para Luís Cláudio, o que ser percebe é que os mandantes têm acesso a advogados altamente qualificados, e o mesmo não ocorre com quadros menos importantes na hierarquia do crime.
1 - Fraudes
A maioria dos prefeitos e ex-prefeitos, empresários e construtoras envolvidas na maior operação já feita pela Polícia Federal, a João-de-barro, a partir de investigações do Ministério Público, já sofreu algum tipo de consequência pelo envolvimento nas fraudes. São réus em processos em tramitação na Justiça Federal, alguns desde 2007, ou foram decretados inelegíveis pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No caso das empresas, muitas foram declaradas inidôneas e proibidas de contratar com a administração pública.
Avanços tímidos
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Minas Gerais (OAB-MG), Luís Cláudio Silva Chaves, garante que, apesar da impunidade, o Brasil já avançou na tentativa de por fim às desigualdades, já que magistrados, advogados e celebridades também têm sido presos, fatos inimagináveis há alguns anos. Mas reconhece que a evolução é ;tímida;. Ainda no seu discurso de posse, Luís Cláudio afirmou: ;No Brasil, pune-se com rigor o ladrão de galinha, já o gatuno de colarinho branco esconde-se atrás do prestígio que conseguiu com o dinheiro arrancado dos cofres públicos. Ele desvia milhões da saúde, da Previdência, das obras públicas, e ampara-se, em regra, na imunidade do cargo que ocupa. Reside, em regra, longe das favelas, em condomínios de luxo, relaciona-se bem, vende prestígio, seduz com poder ou dinheiro;.
O professor Cornelis Van Stralen, da Universidade Federal de Minas Gerais, também faz questão de destacar que o pais avançou na tentativa de reduzir as desigualdades. ;Os problemas antes não eram discutidos ou denunciados. Hoje, a sociedade tem reagido a isso e acaba por forçar o fim das diferenças;, afirma. Entretanto, ele confirma a existência de tratamentos diferenciados para iguais: ;As elites sempre acreditaram que punições deveriam ser aplicadas aos outros, o que se reflete na atual estrutura judicial;, conclui. (MCP e AM)