postado em 20/05/2010 08:41
Diego AbreuO Senado aprovou a toque de caixa ontem o projeto Ficha Limpa deixando como resultado um texto questionado por deputados. Depois de uma tramitação relâmpago pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o projeto passou pelo plenário, mas enfrentará polêmica antes de ir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os senadores concordaram em não apresentar emendas à proposta, para evitar que o texto retornasse à Câmara dos Deputados. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), chegou a apresentar nove emendas, mas acabou convencido a retirá-las ainda na CCJ. A base aliada, inicialmente, defendeu o discurso de que o projeto, que teve a adesão de 1,6 milhão de pessoas, não era uma bandeira do governo. A pressão popular e a proximidade das eleições provocaram a mudança de atitude.
Mas o texto só passou pelo Congresso após ser profundamente alterado desde que chegou na Câmara. Depois dos deputados abrandarem, os senadores também fizeram alterações que ensejam questionamentos sobre a flexibilização da lei. Apresentada ontem ao projeto, emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) ; para colocar todos os verbos do texto no futuro do subjuntivo ; abre brecha para que apenas políticos condenados depois da sanção da proposta fiquem inelegíveis.
O relator da proposta, Demóstenes Torres (DEM-GO), descartou que a emenda de Dornelles impede a retroatividade da lei. Segundo ele, outro artigo do projeto prevê que recursos jurídicos ;em andamento antes da vigência da lei poderão ser aditados para cancelamento da inelegibilidade.; Só isso, segundo ele, bastaria para garantir que os já sentenciados não possam se candidatar.
Na visão de outros parlamentares, no entanto, a mudança de Dornelles não é só de adequação do texto para colocar todos os verbos no mesmo tempo, mas de mérito por propor uma mudança que livraria sentenciados antes da sanção da lei, abrangendo apenas os sentenciados depois da entrada da lei em vigor. Isso seria uma emenda de mérito e não de redação que deveria ter sido votada novamente pela Câmara.
;Problema constitucional;
;Essa mudança cria um problema constitucional porque ela poderá ser questionada no STF porque não foi votada novamente pela Câmara;, afirmou o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), um defensores da aprovação do Ficha Limpa no Congresso. O senador Demóstenes Torres rejeitou o questionamento. ;É uma falsa polêmica. Não houve mudança de mérito, só uma adequação de redação por isso não voltou para a Câmara;, disse Demóstenes, enfatizando que pessoas respondendo a processo com condenação por órgão colegiado estão proibidas de se candidatar.
A reportagem do Correio não conseguiu contato com o senador Dornelles.
Senadores da base aliada e da oposição, entretanto, ressaltaram que o texto, aprovado como veio da Câmara, poderia ser ajustado e aprimorado. Mas, diante da pressão da sociedade civil para que o teor da proposta entre em vigor ainda nestas eleições, adiaram o debate. Jucá, entretanto, já declarou a intenção de apresentar um projeto paralelo, de conteúdo semelhante, para tramitar pelo Senado.
A principal alteração que ele quer fazer é possibilitar que a candidatura seja impugnada apenas se o político tiver condenação por duas Cortes colegiadas. No caso de crimes eleitorais, por exemplo, pelo atual texto, que vai à sanção do presidente Lula, basta o julgamento do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para que o político não possa se candidatar numa eleição. Com a ideia de Jucá, a impugnação só ocorreria se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmasse a condenação pelo abuso.
Consulta ao TSE
Apesar dos aplausos em plenário após a votação do Ficha Limpa, senadores reconheceram que é preciso ter cautela em relação à aplicação do texto nas eleições de outubro, questão que ainda precisa ser analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral. ;É preciso ter cuidado para não criar falsas expectativas;, afirmou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). A possibilidade de a nova regra do Ficha Limpa ser aplicada já nas eleições deste ano ainda será debatida pelas instâncias competentes da Justiça.
Enquanto não existe definição sobre a possível eficácia da lei em caso de sanção do presidente Lula, especialistas divergem sobre a legalidade de a norma valer para o pleito de outubro. Está sob a relatoria do ministro Hamilton Carvalhido uma consulta protocolada no TSE na última terça-feira pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que pergunta se a lei pode ser aplicada em 2010, caso entre em vigor até 5 de julho, último dia permitido para o registro de candidaturas na Justiça Eleitoral. A consulta ainda não tem data definida para ser julgada.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) já se posicionaram favoráveis à aplicabilidade da lei já em 2010. Os presidentes das entidades entendem que é juridicamente possível que a norma torne-se válida já no pleito deste ano. A avaliação é que se a matéria for sancionada até 9 de junho, terá eficácia imediata, pois estará em vigor um dia antes do começo das convenções partidárias.
Tira-dúvidas
Veja abaixo as dúvidas mais comuns referentes ao projeto Ficha Limpa.
1 - O Ficha Limpa vai valer para a eleição de outubro?
Esse é um dos pontos mais polêmicos da proposta. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entende que tem validade por ter sido aprovado antes das convenções partidárias. Os líderes do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), no entanto, argumentam que para ter efeito a proposta deveria ter sido aprovada com um ano de antecedência. Caberá à Justiça julgar sua extensão.
2 - Quem tem condenação poderá se candidatar?
O projeto Ficha Limpa impede a candidatura de um político condenado apenas em órgão colegiado (a partir de segunda instância). Quem foi sentenciado por um juiz de primeira instância, estará livre para disputar o pleito. Mesmo que o político tenha a condenação de uma Corte formada por desembargadores, ele poderá entrar com um recurso em outra instância para permitir a candidatura.
3 - Políticos que respondem a processo podem disputar a eleição?
Podem. Só ser citado em processo não muda nada. Eles devem ser condenados por um tribunal colegiado.
4 - Os congressistas abrandaram o projeto original?
Sim, o projeto original fruto da coleta de 1,6 milhão de assinaturas era muito mais rigoroso. Impedia a candidatura de um político que tivesse qualquer tipo de condenação. Os deputados jogaram para segunda instância e criaram o efeito suspensivo que poderá garantir a candidatura.
Os senadores concordaram com a ideia e abriram brecha para permitir que condenados antes da lei possam se candidatar.
5 - Os políticos vão conseguir escapar de processo de cassação?
Políticos que renunciarem ao mandato para escapar de processo de cassação de mandato também ficam inelegíveis. O prazo de inelegibilidade para os fichas sujas será de oito anos, em todas as hipóteses previstas pela lei.