A resposta dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a aplicabilidade da lei do Ficha Limpa nestas eleições tirou o sono de vários políticos que davam como certas as candidaturas para o pleito de outubro. A preocupação bateu as portas principalmente daqueles que foram cassados pela Justiça Eleitoral e dos que renunciaram aos mandatos para escapar da cassação, como é o caso de quatro envolvidos no escândalo do mensalão. Os condenados por decisão colegiada, antes de a lei ser publicada, em 7 de junho, ou depois dessa data, também estarão inelegíveis, conforme interpretação firmada pelo TSE na quinta-feira.
O entendimento da Corte diz que o Ficha Limpa será aplicado de acordo com a situação do político no dia do pedido de registro da candidatura. Ou seja, se houver implicações que desrespeitem a lei, a orientação é que os juízes eleitorais não registrem o candidato. A definição do TSE, em tese, pode frustrar os planos políticos de pelo menos três deputados federais, seis ex-deputados, três ex-governadores (cassados pelo TSE) e três ex-senadores, incluindo Joaquim Roriz (PSC-DF), governador do DF por quatro vezes, que renunciou ao mandato de senador em 2007 sob ameaça de cassação (veja quadro).
A possibilidade de os registros de candidatura serem negados, porém, caberá aos juízes eleitorais no momento em que analisarem os casos concretos, pois a resposta formulada pelo TSE a uma consulta do deputado Ilderlei Cordeiro (PPS-AC) tratava de hipóteses, e não de situações específicas. Os registros serão aceitos pela Justiça Eleitoral até 5 de julho.
Nos bastidores do meio jurídico, é dado como certo que a novela envolvendo a aplicação do Ficha Limpa não chegou ao fim. Alguns dos ministros do TSE dizem estar convictos de que o assunto chegará ao Supremo Tribunal Federal (STF). ;A lei não retroage(1), sob pena de colocar em risco a segurança jurídica. A sociedade não deve ter esperança (sobre a decisão do TSE), pois a palavra final será do Supremo;, disse ao Correio o ministro do TSE e do STF Marco Aurélio Mello, único a votar contra a aplicabilidade imediata do Ficha Limpa.
Requisito
Para o relator da consulta, ministro Arnaldo Versiani, a inelegibilidade não é uma pena, mas um critério que impede a candidatura em algumas ocasiões. Segundo ele, a lei não está retroagindo, pois só será aplicada a partir dos registros de candidaturas. O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, por sua vez, discorda. ;Nenhum país retroage para retirar direito. É uma lástima ver que o tribunal, há poucos meses das eleições, muda a regra do jogo. É rasgar a Constituição;, criticou. ;Confio que o Supremo mude essa interpretação;.
Já o senador Demostenes Torres (DEM-GO), relator do Ficha Limpa no Senado, comemorou a decisão do TSE. ;A lei foi feita para ser aplicada. Não é punição, é um critério para aqueles já condenados e para os que foram cassados na Justiça Eleitoral ou renunciaram para evitar a perda do mandato;.
1 - Não é comigo
O deputado Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou em 2005 e acabou eleito novamente em 2006, disse não estar preocupado. ;Não estou nesse meio. O povo me reconduziu;, disse. Ex-governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB) afirmou no Twitter que o ;TSE deixa claro; que situação como a dele, de cassação eleitoral, não gera inelegibilidade. Paulo Maluf (PP-SP), condenado por improbidade, disse que sua condenação teve efeito suspensivo e que, por isso, poderá ser candidato. Anthony e Rosinha Garotinho também ficaram inelegíveis após condenação pelo TRE-RJ, mas dizem que a decisão não impedirá a candidatura de Garotinho ao governo do Rio.
"A lei não retroage, sob pena de colocar em risco a segurança jurídica. A sociedade não deve ter esperança sobre a decisão do TSE, pois a palavra final será do Supremo;
Marco Aurélio Mello, ministro do TSE e do STF, voto vencido na quinta-feira
Quem pode ser atingido
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB)
O ex-governador da Paraíba foi cassado no início de 2009 por abuso de poder econômico e político, sob a acusação de ter distribuído 35 mil cheques a cidadãos carentes durante a campanha de 2006. A cassação o tornou inelegível por três anos, a partir de 2006. Com a interpretação do TSE sobre o Ficha Limpa, o tucano ficaria inelegível até 2014. Ele pretende disputar uma vaga no Senado.
Marcelo Miranda (PMDB-TO)
Em 2009, o ex-governador do Tocantins foi cassado por abuso de poder político. Miranda foi acusado de criar cargos públicos de maneira irregular e de doar 14 mil cheques-moradia durante a campanha de 2006. O caso é igual ao de Cunha Lima. Ele almeja concorrer ao Senado, mas, pela nova interpretação, ficaria inelegível até 2014.
Jackson Lago (PDT-MA)
O ex-governador do Maranhão teve o mandato cassado em 2009 por abuso de poder econômico. Segundo a denúncia, o grupo político ao qual ele pertencia teria desviado R$ 806 milhões de convênios para a ;compra de eleitores;. Como sua cassação se deu por recurso contra expedição de diploma, e não por representação, é possível que ele não fique inelegível, conforme interpretam juristas. Ele quer se candidatar ao governo estadual.
Expedito Júnior (PSDB-RO)
O ex-senador foi cassado ano passado por compra de votos, sob a acusação de ter conquistado eleitores pagando R$ 100. Ele pretende concorrer ao governo de Rondônia, mas sua inelegibilidade, que seria de três anos pela lei antiga, pode subir para oito anos. Se a decisão do TSE for seguida, ele só poderá ser candidato em 2014.
Joaquim Roriz (PSC-DF)
Governador do DF por quatro vezes, renunciou ao mandato de senador em 2007. Ele corria risco de ser cassado. À época, uma representação do PSol acusava Roriz de negociar uma partilha de R$ 2,2 milhões com o presidente do BRB. O dinheiro teria saído dos cofres públicos. Roriz poderá ficar inelegível até 2023, oito anos depois do prazo que seu mandato de senador terminaria. Ele pretende disputar o governo do DF.
Paulo Maluf (PP-SP)
O deputado foi condenado em abril de 2010 pela Justiça de São Paulo por improbidade administrativa. A Justiça acatou os argumentos do Ministério Público Estadual, que acusou Maluf de superfaturar uma compra de frangos para a prefeitura paulistana, em 1996, quando era prefeito. Pela interpretação da lei, Maluf, que busca disputar a reeleição, ficaria inelegível.
Valdemar Costa Neto (PR-SP)
Citado no escândalo do mensalão, renunciou ao mandato de deputado federal em 2005 para evitar a cassação. Foi eleito no ano seguinte e tem mandato na Câmara até o início de 2011. Pela interpretação dada ao Ficha Limpa, pode ficar inelegível até 2015. Ele quer tentar a reeleição.
Paulo Rocha (PT-PA)
O deputado federal foi citado no mensalão e renunciou em 2005 para escapar da cassação. No ano seguinte, foi eleito deputado, função que exerce até hoje. Quer se candidatar ao Senado, mas pode ficar inelegível até 2015.
José Borba (PP-PR)
Atual prefeito de Jandaia do Sul, no Paraná, renunciou em 2005 ao mandato de deputado federal para evitar a cassação. Foi eleito prefeito em 2008, mas pode ficar impedido de disputar eleições até 2015.
Bispo Rodrigues
O deputado Carlos Rodrigues saiu da vida política depois que renunciou ao mandato de deputado federal em 2005, por suposto envolvimento com o mensalão. Poderia ter disputado os pleitos de 2006 ou 2008, mas tem se dedicado apenas à Igreja Universal. Pelo Ficha Limpa, ficaria inelegível até 2015.
Severino Cavalcanti (PP-PE)
Então presidente da Câmara, renunciou ao mandato de deputado em setembro de 2005 para evitar a cassação, depois que foi acusado de pagar propina para o dono de um restaurante da Casa, esquema que ficou conhecido como mensalinho. Em 2006, não foi eleito deputado e, em 2008, se elegeu prefeito de João Alfredo (PE). Pelo entendimento do TSE, estaria inelegível até 2015.
Coriolano Sales
Suspeito de envolvimento com o escândalo das Sanguessugas, que envolveu fraudes na compra de ambulâncias, Coriolano, que na época era do PFL, atual DEM, renunciou em 2006 ao mandato de deputado federal. Pode ficar inelegível até 2015.
Marcelino Fraga (PMDB-ES)
Citado no relatório da CPI dos Sanguessugas por suposto envolvimento no esquema de fraudes na compra de ambulâncias por prefeituras, o então deputado federal renunciou ao mandato para escapar de uma provável cassação. Pela nova regra, ficaria inelegível até 2015.
Pinheiro Landim (CE)
Então deputado federal pelo PMDB cearense, Landim renunciou ao mandato em 2003 para escapar de uma possível cassação por suposto envolvimento com um esquema de tráfico de influência junto ao Poder Judiciário para beneficiar traficantes. Pode ficar impedido de disputar eleições até 2015.
O que diz a lei do Ficha Limpa
As regras do jogo
# Todos os condenados por decisão colegiada (mais de um juiz) ficam impedidos de se candidatar
# O condenado pode recorrer a uma instância superior para suspender a inelegibilidade.
# Políticos que renunciarem ao cargo para escapar da cassação ficam inelegíveis por oito anos, contados a partir do dia em que terminaria o mandato
# Políticos que tiverem o mandato cassado pela Justiça Eleitoral, condenados por abuso de poder econômico ou político, ficarão inelegíveis por oito anos a serem contados a partir do ano da eleição em que a irregularidade foi cometida. Antes do Ficha Limpa, a inelegibilidade era de três anos, contados a partir do momento em que o ato irregular foi cometido.
# Passam a ser inelegíveis os condenados por abuso dos poderes político e econômico, em casos eleitorais; crimes contra a administração pública, contra o patrimônio privado, contra o mercado de capitais; os previstos na lei de falências, contra o meio ambiente e a saúde pública; abuso de autoridade, lavagem e ocultação de bens, tráfico de drogas, racismo, tortura, terrorismo; crimes contra a vida e a dignidade sexual, crimes praticados por organização criminosa; funcionários públicos demitidos após processo administrativo ou judicial.