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A farra diminuiu, mas as despesas...

O sistema de compra de passagens aéreas para deputados foi alterado há um ano, mas a economia aos cofres públicos não é sentida - o dinheiro não gasto com bilhetes acaba servindo para outras finalidades

postado em 04/07/2010 09:23
Doze meses após a implantação do novo sistema de compra de passagens aéreas pelos deputados, é possível saber quanto dinheiro público a Câmara desperdiçou com esse gasto nos últimos anos. Quando veio a público a farra das passagens, com a compra de centenas de bilhetes para viagens ao exterior, cada deputado tinha uma cota fixa para esses gastos, com valores muito acima do mercado. O que sobrava era torrado durante o ano em viagens de lazer. Agora, as passagens são custeadas com a cota única para despesas do mandato, que também inclui divulgação, consultorias, combustível e manutenção de escritório. Somando o segundo semestre de 2009 ao primeiro semestre deste ano, os gastos com passagens somaram R$ 32 milhões. Nos últimos quatro anos, havia atingido uma média anual de R$ 82 milhões. O desperdício chegava a R$ 50 milhões anuais, ou R$ 200 milhões por mandato. Dinheiro suficiente para construir 10 mil casas populares. A Câmara prefere destacar a economia que foi feita na aquisição de bilhetes aéreos no último ano, mas essa argumentação é relativa. Antes da mudança no sistema de compras, cada deputado contava com uma verba indenizatória de R$ 15 mil por mês. A cota para as passagens variava por estado. No novo modelo, as antigas cotas de passagens, telefone e correios foram incluídas na cota única "para o exercício da atividade parlamentar", que quase dobrou para a maioria dos deputados. Tudo o que é economizado em bilhetes aéreos sobra para os outros gastos, como aluguel de imóvel para escritório, locação de carros e até de aviões. Ou seja, o dinheiro poupado numa despesa acaba sendo usado em outra. O deputado Zé Vieira (PR-MA), por exemplo, torrou R$ 139 mil com táxi-aéreo no primeiro semestre deste ano. Ele visitou 10 cidades em seis viagens. Em algumas delas, percorreu quase 1,5 mil quilômetros. Isso seria inviável em anos anteriores. O limite da antiga verba indenizatória era de R$ 90 mil por semestre, para todas as despesas da "atividade parlamentar". Levantamento Levantamento feito no Siafi (sistema informatizado que registra os gastos do governo federal) pela ONG Contas Abertas mostra que os deputados gastaram R$ 82 milhões por ano, em média, com passagens aéreas no período de 2005 a 2008. O ano passado foi atípico. No primeiro semestre, ainda estava em vigor o antigo modelo. As despesas somaram R$ 33,4 milhões. A partir de julho, entrou em vigor a cota única. Os gastos caíram para R$ 19,5 milhões no segundo semestre, sendo que R$ 10,2 milhões foram torrados em dezembro. No primeiro semestre de 2010, foram registradas despesas de R$ 11,8 milhões até 29 de junho. Compras feitas em maio ou junho ainda podem ser computadas, porque há atrasos na apresentação de comprovantes de despesas. De qualquer modo, as compras feitas no período completo de 12 meses somam R$ 32,3 milhões. E ninguém deixou da fazer os deslocamentos aos estados de origem. "Nossa! Tudo isso?" O deputado Chico Alencar (PSol-RJ), eterno fiscal das mordomias da Câmara, ficou abismado com o tamanho do desperdício apurado pelo Correio, mas também destacou os aspectos positivos da mudança. "Nossa! Tudo isso? O desperdício era realmente enorme. Mas o novo modelo prova que é possível aproveitar melhor os recursos públicos quando o seu uso é mais racional. Isso tudo é um aprendizado. Sempre se pode fazer de um limão uma limonada. Mas o mérito disso tudo é de vocês da imprensa, que denunciaram os abusos", comentou. O site da Câmara registra gastos de R$ 3,9 mil com passagens para Alencar no primeiro semestre. Ele lembra que faltam alguns comprovantes, mas assegura que a despesa não será muito acima desse valor. "Dá para pagar tudo sem problema. Tem passagem para o Rio a cento e poucos reais." Num passado recente, além de custear as viagens de namoradas, atores globais, mulheres, filhos e cabos eleitorais (veja memória), os deputados também usavam a cota pessoal para pagar bilhetes para depoentes em comissões técnicas da Câmara. Outros usavam as cotas para arcar com deslocamentos ao Parlamento do Mercosul (Parlasul), como é o caso do deputado Cláudio Diaz (PSDB-RS). O Legislativo brasileiro não bancava essas despesas. Mas a cota dos parlamentares gaúchos (R$ 11,4 mil) cobria os gastos. No primeiro semestre deste ano, a Câmara registra despesas de R$ 16 mil com bilhetes aéreos para Diaz. Memória Desperdício descoberto Em abril do ano passado, o site Congresso em Foco divulgou um levantamento completo das viagens de lazer feitas por deputados, familiares e afiliados políticos utilizando as sobras das cotas de passagens aéreas. Pelo menos 261 parlamentares viajaram para o exterior, muitos deles acompanhados de mulheres e filhos, com dinheiro da Câmara. O deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS) foi o recordista, com 40 bilhetes. O deputado Fábio Faria (PMN-RN) custeou viagens da então namorada, a apresentadora de TV Adriane Galisteu, e de atores da TV Globo, como Sthefany Brito. A divulgação dos dados revelou que muitos bilhetes haviam sido desviados por funcionários dos gabinetes parlamentares. A Câmara abriu sindicância para investigar quatro deputados e 45 funcionários em 39 gabinetes. Pelo menos 19 servidores foram demitidos, mas nenhum parlamentar foi punido até agora. A Casa considerou que a prática de utilizar a sobra das passagens para viagens particulares não era ilegal, pelo menos até a edição do Ato da Mesa nº 43/2009, que limitou essa utilização aos próprios deputados e servidores do gabinete expressamente autorizados. O ato também criou a "cota para exercício da atividade parlamentar", unificando todas as despesas consideradas necessárias ao mandato.

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