Politica

Projeto de lei aprovado no Senado torna mais duro o combate ao crime organizado

E fecha cerco aos políticos financiados por essas organizações com aumento da pena e cassação de mandato

postado em 04/07/2010 09:26
Uma novela que se arrasta há 20 anos, 15 projetos de lei depois, está próxima do que se pode chamar de final feliz para o Brasil, com a aprovação da legislação de combate ao crime organizado. O Projeto de Lei nº 6.578/2009 - que define o que é organização criminosa, estabelece técnicas avançadas de investigação, propõe aumento de pena e cassação de mandato e é duro com políticos financiados por esses grupos -, foi aprovado no Senado e deverá ser votado ainda este ano na Câmara dos Deputados. O relator do projeto, deputado federal João Campos (PSDB-GO), disse que apresentará ainda esta semana seu voto, antecipando que não vai propor alteração no texto aprovado pelos senadores para que a nova legislação possa ser votada em plenário. "O Parlamento está devendo isso para o Brasil. Decidi manter o texto para evitar o retorno ao Senado que, antes de dar a redação final, ouviu diferentes setores da sociedade", disse. Para Campos, esse esforço é necessário também para que se evite que o projeto seja empurrado para a próxima legislatura. O procurador da República em Minas Gerais, Rodrigo Prado, reforça a necessidade da nova legislação e ainda comemora a qualidade do texto. Ele diz que o esforço de votação é mesmo necessário para evitar que a tramitação do projeto de lei de combate ao crime organizado coincida com o da reforma do Código de Processo Penal, que será apresentado em setembro. "O texto do novo código é tão extenso e revolucionário, que exigirá inúmeras audiências públicas, travando completamente a pauta do Congresso." Prado reforça ainda a tese de que a legislação chega tarde, mas tem a força de dar segurança jurídica para investigações e julgamento dos casos de crime organizado. Servidor público Em seus 36 artigos, a nova lei aperta a corda no pescoço dos mais distintos tipos de atuação dos grupos criminosos organizados, mas tem um foco voltado, em especial, para aqueles que lesam o estado, como políticos e servidores públicos. Depois de definir o que é o crime, no artigo 2º do texto estabelece que se enquadram em penas que variam de três a 10 anos de prisão todos os que fraudam concursos públicos, licitações de qualquer modalidade ou concessões e ainda aqueles que financiam campanhas políticas como forma de garantir ou facilitar a ação do grupo criminoso. No Brasil, o que não faltam são exemplos de fraudes em licitações por organizações criminosas, como ocorreu com a Máfia dos Sanguessugas, que, por meio de emendas parlamentares, superfaturaram a compra de ambulâncias para beneficiar parlamentares. Hoje, está sob apuração de uma força-tarefa formada pela Polícia Federal, Tribunal de Conta da União e Controladoria Geral da União um novo esquema, e não menos danoso, envolvendo também emendas parlamentares para financiamento de festas no interior com objetivo de beneficiar empresas fantasmas. Além das penalidades mais duras, outro mecanismo promete também ação mais incisiva contra o crime organizado ao autorizar o juiz do caso a determinar, de imediato, o afastamento de suas funções de servidores públicos envolvidos com os grupos criminosos organizados, assim como a perda do mandato eletivo de políticos. Para ter ideia da importância do texto, basta lembrar o envolvimento do juiz da 12ª Vara Federal de Minas, Weliton Militão, denunciado por venda de liminares para a liberação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a cidades devedoras do INSS em 2008, que permaneceu exercendo suas funções, até ser aposentado compulsoriamente por decisão do Conselho Nacional de Justiça. Regras uniformes Para se dimensionar o rigor do texto do projeto de lei da nova legislação para combate ao crime organizado, o advogado Adilson Rocha, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) e presidente da Comissão de Assuntos Penitenciária, afirma que 80% de todos os crimes previstos no Código Penal podem ser enquadrados na nova definição. Isso porque pode ser considerada organização criminosa a associação de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, para a prática de crime com pena igual ou superior a quatro anos. Rocha, que considera também a legislação um avanço para o país, defende, entretanto, que o artigo 1º detalhe melhor as características da criminalidade organizada para evitar distorções. O conselheiro explica que, da forma atual, um simples furto, que tem pena mínima de três anos, pode ser enquadrado como crime organizado. "Esse problema pode terminar por inviabilizar a aplicação da lei", raciocina. Segundo Rocha, o texto para análise na Câmara dos Deputados é uma nova roupagem oferecida à Lei nº 9.034, de 1995, também de combate à criminalidade organizada, que nunca chegou a ser aplicada no Brasil, em sua totalidade. "Ela previa a participação do juiz também na investigação e inviabilizou a sua aplicação prática", afirma o conselheiro. O procurador da República, Rodrigo Prado, discorda da interpretação e garante que o Código Penal tem 11 títulos e apenas três deles são atingidos pelo texto do projeto de lei. O procurador Rodrigo Prado afirma que um dos passos mais importantes do novo texto é a uniformização de regras para institutos importantes de coleta de provas, como a colaboração premiada, a alienação antecipada de bens e a infiltração de investigadores. A importância dessas regras pode ser medida pelo grande volume de bens apreendidos no país, que terminam sendo liberados ou perdem o valor em razão da impossibilidade de conservação. O assunto é tratado no artigo 30 do Projeto de Lei nº 6.574/2009, que autoriza a alienação antecipada pelo magistrado de bens que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração, quando houver dificuldade para sua manutenção. Outro avanço para o procurador é a previsão de tornar obrigatório para empresas de telefonia, assim como as de transporte, de manter, por cinco anos, informações de números telefônicos, destino de ligações, bem como registros das viagens. E determina ainda que os dados sejam disponibilizados não apenas ao juiz, mas também ao Ministério Público e à autoridade policial. "Esta flexibilização é importante, porque, muitas vezes, para obter um simples endereço ou dados cadastrais no Tribunal Regional Eleitoral, enfrentamos uma verdadeira burocracia." Nem mesmo a internet escapou. Os provedores da rede mundial terão que manter por seis meses, à disposição das mesmas autoridades, dados eletrônicos como dia, hora e origem das mensagens. A unanimidade sobre a eficácia do atual texto não é a toa, para entendê-la basta conhecer como o projeto de lei começou a ser desenhado. Segundo Rodrigo Prado, o debate sobre a definição e os mecanismos de produção de prova foram discutidos durante os encontros anuais de Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla), que reúnem diversas entidades envolvidas no combate a este tipo de criminalidade.

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