Politica

Levantamento revela que 384 políticos foram beneficiados com foro privilegiado

E, com isso, conseguiram retardar as investigações sobre crimes

postado em 05/07/2010 08:12
O direito momentâneo de serem julgados em instâncias superiores do Judiciário está livrando das condenações 384 ex-deputados, prefeitos e secretários acusados dos mais diversos crimes federais. Um levantamento inédito da Procuradoria Regional da República (PRR) da 1; Região, realizado a pedido do Correio, revela que 13 deputados distritais ou estaduais e 371 prefeitos beneficiados com o foro privilegiado conseguiram protelar as investigações por uma simples razão: após a perda dos cargos nas urnas, sem êxito na reeleição, os processos que tramitavam no Tribunal Regional Federal (TRF) voltaram para a Justiça Federal nos estados. O retorno dos inquéritos e das ações penais para uma instância comum, em razão da perda do foro privilegiado, representa o prolongamento das apurações e a impunidade para a maioria desses, agora ex-prefeitos e ex-deputados.

A prática de crimes federais deve ser investigada pela Justiça Federal dos estados, com exceção dos homens públicos com direito constitucional ao foro privilegiado. Se o crime é estadual, o foro é garantido perante os Tribunais de Justiça. Se é federal, os processos devem ser remetidos aos TRFs. É o caso dos 384 deputados, prefeitos e secretários acusados durante suas administrações de crimes de responsabilidade por má gestão, corrupção e até mesmo favorecimento ao trabalho escravo. Enquanto detinham mandatos, os processos foram analisados pela PRR e pelo TRF da 1; Região, que abrange mais de 2,5 mil municípios. A perda do cargo fez com que os inquéritos e as ações penais voltassem para os estados, uma interrupção significativa nas apurações. Em muitos casos, a investigação voltou à estaca zero.

Depois desse retorno dos processos, a tática adotada por boa parte dos investigados é tentar assegurar novamente o foro privilegiado, o que pode ser alcançado nas urnas ou pela indicação política para uma secretaria municipal ou estadual, por exemplo. O vaivém das investigações ; ora sobem uma instância do Judiciário, ora descem para as esferas estaduais ; prolonga a impunidade de mandatários envolvidos em escândalos de corrupção e nos mais diversos tipos de crime relacionados a má gestão pública.

Cargos no governo
Um degrau mais alto também pode ser acessado, como aparece no levantamento da PRR. Um prefeito que se elege deputado federal passa a ter direito a foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). ;Nas eleições deste ano, prefeitos investigados poderão ser eleitos. E muitos políticos vão conseguir cargos nos govenos estaduais e federal;, ressalta o procurador regional da República Carlos Alberto Vilhena, coordenador do núcleo criminal da PRR da 1; Região e responsável pelo levantamento dos processos que desceram ou subiram nas instâncias do Judiciário, conforme definição do foro privilegiado. ;No dia seguinte ao término do mandato, o político retorna à condição de cidadão comum, por não ter cargo eletivo. E o processo retorna no mesmo estágio à primeira instância.;

O detalhamento dos 384 processos inconclusos mostra que quatro anos ; o tempo de um mandato completo ; são insuficientes para a investigação, o indiciamento, a denúncia e a abertura de processo na Justiça. Em muitos casos, a apuração pela Polícia Federal só tem início no fim do mandato. ;A PF tem de ir nos 2,5 mil municípios, e não há estrutura para isso;, critica o procurador Carlos Vilhena.

A situação de um ex-prefeito de Santanópolis, na Bahia, resume as dificuldades de se punir administradores públicos acusados de corrupção ou de má gestão, em razão do foro privilegiado, das alternâncias de poder e da morosidade da polícia, do Ministério Público e da Justiça para concluir as investigações. Acusado de desvio de dinheiro público em 1996 ; R$ 150 mil repassados por um convênio com a União ;, o gestor começou a ser investigado por um inquérito aberto dois anos depois.

Ele já não tinha mandato, e o processo foi aberto pela Justiça Federal da Bahia. Em 2000, o gestor conseguiu novamente nas urnas o cargo de prefeito e, em 2003, a Justiça decidiu que a competência para investigá-lo era do TRF, por causa do foro privilegiado. A reeleição veio em 2004, o que assegurou mais uma vez o foro ao prefeito. Sem poder se candidatar em 2008, acusado de corrupção, o ex-prefeito não tem mais direito ao foro privilegiado. A PRR da 1; Região vai remeter o processo à Justiça Federal da Bahia. Em 12 anos de trâmite, as investigações nem chegaram a ser concluídas. ;O crime já prescreveu três vezes;, diz o procurador Carlos Vilhena.

Sem conclusão
Em alguns casos, a remessa dos processos é feita para as Justiças estaduais. É o que deve ocorrer com o inquérito aberto para investigar crime de responsabilidade contra o ex-prefeito de Irituia (PA) Walcir Oliveira da Costa, conforme interpretação da PRR da 1; Região em relação a um processo de 2007. Há dois anos, quando ainda tinha mandato, Walcir foi denunciado pela PRR por não prestar contas de recursos federais ; R$ 18 mil ; destinados ao combate do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Na lista dos processos que retornaram à primeira instância da Justiça Federal, depois da perda do foro privilegiado, está a investigação por peculato ; quando um funcionário público se apropria de bens ou valores em razão do cargo exercido ; contra o ex-deputado e ex-superintendente de Desenvolvimento da Amazônia José Arthur Guedes Tourinho. Ele comandou a Sudam de 1996 a 1999 e, em 2001, foi citado no escândalo de desvio de dinheiro da superintendência, protagonizado pelo deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA). Agora, sem cargo eletivo, Tourinho responderá ao processo na primeira instância da Justiça.

Outro investigado do Pará, o ex-prefeito da cidade de Mãe do Rio, Antônio Saraiva Rabelo, morreu antes da conclusão do inquérito que investigava crime contra as telecomunicações. O processo tramitou no TRF da 1; Região e, com a perda do foro privilegiado pelo ex-prefeito, retornou à Justiça Federal do Pará em 2009. Antônio Saraiva morreu em janeiro deste ano.

Ao renunciar ao cargo para concorrer ao Senado, o ex-governador de Rondônia Ivo Cassol (PP) também abriu mão, pelo menos temporariamente, do foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A PRR da 1; Região mandou de volta à Justiça Federal de Rondônia um processo por improbidade administrativa, aberto em 2008, quando Cassol ainda era governador. Ele e mais 14 pessoas são réus no processo. Em março deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou o pedido de cassação do governador por supostos abuso de poder econômico e compra de votos.

A PF tem de ir aos 2,5 mil municípios, e não há estrutura para isso;

Pelo caminho

Processos contra prefeitos e deputados beneficiados com o foro privilegiado não chegam ao fim por causa do vaivém das investigações

PROCESSOS CONTRA DEPUTADOS

Período analisado:
1; de janeiro a 30 de junho de 2007

Por que esses seis meses:
São os primeiros meses de gestão dos eleitos em outubro de 2006. Quem não conseguiu se reeleger, perdeu o foro privilegiado. Quem se elegeu como deputado federal ou senador, ganhou foro no Supremo Tribunal Federal (STF).

Processos cuja investigação foi interrompida:
13 ações penais e inquéritos policiais, a grande maioria remetida à Justiça Federal dos estados.

Crimes investigados:
Improbidade administrativa: 2 processos

Crime contra a ordem tributária: 3 processos

Apropriação indébita previdenciária: 1 processo

Crime de responsabilidade: 4 processos

Prevaricação: 1 processo

PROCESSOS CONTRA PREFEITOS E SECRETÁRIOS

Período analisado:
1; de janeiro a 30 de junho de 2009

Por que esses seis meses:
É a mesma razão do recorte feito para os deputados, mas com base no resultado das eleições de outubro de 2008. Prefeitos que cometeram crimes federais e não se reelegeram perderam o foro privilegiado.

Processos cuja investigação foi interrompida:
371 ações penais, inquéritos policiais e procedimentos administrativos, a grande maioria remetida à Justiça Federal dos estados.

Crimes investigados:
Crime contra o meio ambiente: 13 processos

Improbidade administrativa: 8 processos

Crime de responsabilidade: 157 processos

Uso de documento falso: 12 processos

Crime contra a lei de licitações: 39 processos

Outros crimes investigados: estelionato majorado, apropriação indébita previdenciária, crime contra as telecomunicações, peculato, prevaricação, crime contra o sistema financeiro nacional, crime contra a ordem tributária, favorecimento ao trabalho escravo e favorecimento à prostituição.

Fonte: Procuradoria Regional da República da 1; Região

Ex-prefeitos driblam a justiça
À frente de suas prefeituras, muitos administradores se aproveitaram do cargo e da prerrogativa do foro privilegiado ; vencida em 31 de dezembro de 2008, com o fim dos mandatos ; para se livrarem das acusações de crimes ambientais, estelionato, pedofilia e, em grande quantidade, de envolvimento com o trabalho escravo. Esses ex-prefeitos voltaram a responder às acusações na primeira instância do Judiciário. Um deles é suspeito de dar suporte a um grupo de pistoleiros no Maranhão. Seu processo no Tribunal Regional Federal (TRF), remetido à Justiça Federal do estado, é por uso de documento falso.

Alguns dos ex-prefeitos investigados aparecem nas listas ao lado dos nomes de empresários e pessoas físicas que exploram o trabalho escravo em suas fazendas. As relações são elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Pelo menos cinco deles tentaram se aproveitar do foro privilegiado para se livrar das acusações de exploração do trabalho escravo feitas pela polícia e pelo Ministério Público. Outro ex-prefeito, presente na lista do ministério, responde a processo por crime de responsabilidade.

Um caso chama a atenção. Às vésperas do registro das candidaturas nas eleições municipais de 2008, o prefeito de Itaú de Minas, Norival Francisco de Lima, tentou garantir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o terceiro mandato consecutivo. Não conseguiu e, ao perder o cargo, passou a responder a um processo por apropriação indébita previdenciária na Justiça Federal de Passos (MG). Antes, o inquérito tramitava no TRF da 1; Região.

Nove réus envolvidos na questão da demarcação de Raposa Serra do Sol ; decidida em 2008 pelo STF em favor dos índios ; serão julgados pela Justiça Federal de Roraima, e não mais pelo TRF da 1; Região. Entre os acusados de ;crimes do sistema nacional de armas;, na briga entre índios e arrozeiros que chegou a envolver uso de armas, está o ex-prefeito da cidade de Pacaraima, Paulo César Justo Quartiero, líder do grupo de arrozeiros.

Quartiero chegou a ser preso por porte ilegal de artefatos explosivos e perdeu o mandato por causa da acusação de compra de votos, o que foi revertido em junho de 2008. Em outubro, foi derrotado nas eleições por uma diferença de 175 votos. Perdeu também o foro privilegiado.

Já o ex-prefeito de Coari (AM), Manoel Adail Amaral Pinheiro, foi investigado pela CPI da Pedofilia no Senado e chegou a ser preso preventivamente por abuso sexual de menores. Em 2006, foi aberto um processo para investigar corrupção ativa. Depois de tramitar pelo TRF, os autos foram remetidos à Justiça Federal no Amazonas.

A tentativa de foro privilegiado para os casos de improbidade administrativa também levou à paralisação de muitas investigações, segundo a procuradora da República Anna Carolina Resende, do 8; Ofício de Patrimônio Público da Procuradoria da República do Distrito Federal. ;Muitos processos ficaram parados no STF e, agora, a decisão é para que os casos de improbidade sejam avaliados em primeira instância.; De acordo com a procuradora, os réus alegam que não podem ser julgados na primeira instância e que, caso isso ocorra, as decisões poderiam ser suspensas. ;Essa alegação já não faz mais sentido.;

Muitos processos ficaram parados no STF e, agora, a decisão é para que os casos de improbidade sejam avaliados em primeira instância. Os réus alegam que não podem ser julgados na primeira instância e que, caso isso ocorra, as decisões poderiam ser suspensas. Essa alegação já não faz mais sentido.;
Anna Carolina Resende, procuradora do 8; Ofício de Patrimônio Público da Procuradoria da República do Distrito Federal

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