Politica

Elas entram para cumprir tabela

Sem quadros femininos para preencher a cota de 30% exigida por lei, partidos "convocam" mulheres sem qualquer pretensão de conquistar votos nas urnas apenas para atender a legislação eleitoral

postado em 25/07/2010 08:11
Sem quadros femininos para preencher a cota de 30% exigida por lei, partidos Na tentativa de cumprir a lei eleitoral e apresentar ao menos 30% de mulheres como candidatas, os partidos políticos fizeram um jogo intenso de cooptação nos meses que antecederam os registros de candidaturas. Para aumentar o número de pessoas do sexo feminino em seus quadros de pleiteantes a cargos eletivos, valeu apelar para amigas e parentes e convencê-las a entrar na disputa, nem que fosse somente para que seus nomes constassem nas listas partidárias, sem que tivessem qualquer compromisso com a campanha. O resultado dessas articulações são índices de candidaturas ainda distantes dos determinados pela lei eleitoral e que não refletem o número de mulheres realmente dispostas a enfrentar a guerra por votos. O Correio localizou alguns desses casos. São mulheres que passaram a vida inteira distantes da política e, de repente, foram convencidas por partidos a preencherem fichas de filiação e lançarem os nomes nas disputas.

O resultado da cooptação e do registro de candidatas laranjas ou desinteressadas em enfrentar a campanha tem resultados numéricos. Na eleição de 2006, os votos obtidos por mulheres somaram pouco mais de 38,8 milhões. Enquanto isso, candidatos do sexo masculino obtiveram 468,9 milhões de votos. Os dados apurados pela reportagem com base no número total de votos recebidos pelos candidatos nos estados e no DF mostram que as mulheres obtiveram 7,6% do total nacional. ;Isso é uma prova de que o mero recrutamento não funciona. Não adianta colocar uma candidata somente para constar na lista se não são oferecidos a ela incentivos para que se interesse pela política ou ajuda financeira para divulgar a campanha. Estamos longe do ideal e descumprindo a lei escancaradamente;, analisa a cientista política Fernanda Feitosa, que atua como consultora de poder e política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).

Um exemplo de mulher cooptada para a disputa eleitoral é a bombeira Núbia Lima. Tímida e ainda desconfortável na posição de quem pleiteia cargo público, foi convencida por amigos do PSL a se registrar entre os que disputam vaga na Câmara Legislativa, apesar de admitir nunca ter se interessado por política. Agora, mesmo candidata, demonstra distanciamento do cenário eleitoral. ;Gosto da Marina Silva. Ela vai ser candidata à Presidência?;, questiona, durante a conversa sobre o perfil ideal de uma mulher na vida pública. ;Decidi entrar nessa de última hora. Não tinha pensado nisso, apesar de muita gente dizer que tenho perfil para a política porque gosto de ajudar as pessoas. Se gostar da experiência deste ano, em 2014 posso entrar na campanha pra valer;, diz.

Na Estrutural, uma amostra de candidatura cooptada com dificuldade financeira. Helena Pereira concorrerá pela segunda vez. Recebeu a missão de convencer outras mulheres a se lançarem e conseguiu tornar viável o registro de outras três amigas. Em 2006, obteve apenas 49 votos para deputada distrital. Este ano, ao seguir o deputado Izalci do PSL para o PR, espera apoio e mais votos. ;Convidam a gente, mas não dão estrutura. O problema é que o material de campanha demora a ficar pronto. Na eleição passada, entrei só para ver como era. Este ano mudei de partido e pode ser que eu consiga mais votos. É importante para o partido ter mulheres. Sempre se comenta isso;, diz.

Convencida a entrar na disputa por amigos dirigentes partidários, Marineusa Galindo engrossou a lista de mulheres candidatas para tentar dar uma força ao índice previsto em lei, mas depois de registrada desistiu. ;Vi que entrar na política podia atrapalhar minha vida pessoal. Eu tinha aceitado colaborar, mas desisti. Não vou fazer campanha;, conta.

Folga
A possibilidade de funcionários públicos conseguirem três meses de licença para se dedicarem às campanhas também é um agravante para o número de mulheres que decidem se lançar apenas para contribuir com os partidos. O Correio conversou com duas candidatas, uma do PMDB e outra do PSDB, que admitiram ter se registrado apenas para atender a apelos de amigos e usufruir da folga remunerada. ;Não sei nada de política, mas meu marido deu a ideia e o partido estava insistindo para eu oferecer o nome. Topei mais pela folga;, diz ela, que é funcionária do Legislativo. ;A gente nem vai fazer campanha. Nada. Capaz de não aparecer nem o nosso próprio voto na urna. Isso acontece. Mas a gente não pode sair por aí falando para não perder o emprego. É um direito previsto em lei, mas os chefes podem não entender;, completa a peemedebista, ao justificar o pedido de não ser identificada.

;Esse tipo de candidatura vai continuar ocorrendo. Só vamos resolver isso quando os partidos entenderem que precisam incentivar a participação das mulheres como candidatas. Precisam ajudar na divulgação das campanhas e aceitar tirá-las do papel secundário;, conclui a cientista Fernanda Feitosa.

Núbia Lima foi convencida por amigos do PSL a concorrer a uma vaga de distrital.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação