Jornal Correio Braziliense

Politica

De cada 10 deputados federais, um exerce a função pública há 20 anos

A maioria ainda tenta embarcar filhos e parentes na vida política

Eleitores de todo o país preparam-se para escolher os seus representantes na Câmara dos Deputados enquanto os candidatos se espalham pelas ruas atrás dos votos de última hora. Mas, para alguns parlamentares, a disputa das urnas não passa de uma formalidade. Eles estão há tanto tempo no Legislativo que as cadeiras que ocupam ganharam ar de vaga vitalícia na Casa. Na atual legislatura, um em cada 10 deputados, dos 513 parlamentares que compõem a Câmara, está no cargo há 20 anos. E ninguém parece bater, até agora, o recorde do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Há quatro décadas o parlamentar marca presença na Casa. Foi eleito deputado federal aos 29 anos, em 1970, e agora concorre ao 11; mandato, sonhando ser coroado com a Presidência da Câmara.

E se o mandato parlamentar pudesse ser conquistado em alguma categoria de usucapião, os deputados Inocêncio Oliveira (PR-PE) e Miro Teixeira (PDT-RJ) também já teriam garantido reeleição automática a cada quatro anos. Os parlamentares acumulam nove mandatos na Casa: Miro desde 1971 e Inocêncio a partir de 1975.

Quarto no ranking de permanência na Câmara, o deputado José Mendonça Bezerra (DEM-PE) conta que, depois de 44 anos de exercício parlamentar ; com três mandatos de deputado estadual e oito de federal ;, vai deixar o Legislativo. Ele sai, mas pretende emplacar o filho e o genro no próximo ano na Câmara. ;Os dois vão fazer bonito aí;, avisa. O sobrinho, projeta Bezerra, também engrossará as fileiras da família, mas na Assembleia de Pernambuco. ;Nunca escrevi uma carta para nenhum eleitor e sempre fui bem votado. Estou saindo da política porque acho que já cumpri minha missão. Estou saindo e elegendo meu filho, Mendonça Filho, e meu genro Augusto Coutinho. E meu sobrinho João Mendonça será eleito deputado estadual;, torce.

O projeto de incluir os filhos na política repete-se legislatura após legislatura. O ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE) ajuda a filha, Aline Corrêa (PP-SP), a conquistar o seu segundo mandato, e o deputado Nelson Bornier (PMDB-RJ) divide essa legislatura com o filho Felipe Bornier (PHS-RJ). Há também as dobradinhas familiares do Senado, a exemplo do senador José Sarney (PMDB-AP) e o seu filho, o deputado Sarney Filho (PV-MA); do senador Efraim Morais DEM-PI) e o herdeiro, o deputado Efraim Morais Filho (DEM-PI); e do deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), que agora tem como referência no Senado o seu tio Antônio Carlos Júnior (DEM-BA).

Épocas marcadas
Mas além dos políticos que emplacam os filhos para conservar espaço no poder, nas capitanias hereditárias da Câmara, há sobrenomes famosos de políticos que marcaram época e preservam a tradição familiar de atuação no Legislativo brasileiro. Os Bilacs Pintos são exemplo. Atualmente, o deputado Olavo Bilac Pinto Neto (PR-MG) tenta sua primeira reeleição. Carrega o peso do nome do pai e do avô, Francisco Bilac Pinto e Olavo Bilac Pinto, respectivamente. O avô do deputado integrava o quadro de parlamentares da Câmara na década de 1950. Os Bonifácios Andradas também marcam presença na Casa, representados pelo deputado Bonifácio José de Andrada, filho de José Bonifácio Lafayette de Andrada, que presidiu a Câmara no fim da década de 1960.


Campeões das urnas

10 mandatos
Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN)

9 mandatos
Inocêncio Oliveira
(PR-PE)
Miro Teixeira
(PDT-RJ)

8 mandatos
Bonifácio de Andrada (PSDB-MG)
Simão Sessim
(PP-RJ)
José Mendonça Bezerra (DEM-PE)

7 mandatos
Wilson Braga
(PMDB-PB)
Humberto Souto
(PPS-MG)
Arolde de Oliveira
(DEM-RJ)
Sarney Filho
(PV-MA)


Problema é qualidade

O domínio de cadeiras da Câmara durante longo período não é, na opinião do cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB), um problema para a oxigenação do Legislativo. ;O problema não é o tempo de exercício de mandato, é a qualidade do representante. A gente perdeu muito em qualidade. Nós já tivemos pessoas como o Afonso Arinos. Não estou dizendo que todos eram Afonso Arinos, mas houve um declínio da qualidade;, avalia.

Em relação à presença de famílias ocupando cadeiras no parlamento e à sucessão de representantes que carregam o mesmo sobrenome, Caldas afirma que é preciso separar o modo de atuação dos grupos. ;Tem famílias e famílias. Existem famílias que são tradicionais da classe política, que se dedicaram a isso durante toda a vida. Não é uma reserva de mercado, é uma reserva moral. É importante observar se o sobrenome dessas famílias foi envolvido em escândalos, em denúncias de maracutaias. E tem outras famílias, de origem oligárquica, que têm como função extrair o máximo de recursos de seu estado para si. Só pegar uma carona no nome do pai e do avó sem ter conteúdo para tanto é diferente;, analisa o professor da UnB.