postado em 08/11/2010 08:15
A primeira mulher chegou ao Senado brasileiro há pouco mais de 30 anos. Eunice Michiles foi eleita suplente pelo Amazonas e assumiu logo no início do mandato, em 1979. Ela integrou o partido que sustentou o regime militar, liderou o movimento de mulheres pró-Maluf e fez parte do grupo de parlamentares conservadores durante a elaboração da Constituição de 1988.A primeira governadora é acriana. Iolanda Fleming, antes de governar o Acre, apoiou o golpe militar de 1964. A força da família lhe rendeu dois mandatos de vereadora e um de deputada estadual até ser eleita vice-governadora em 1982. A posse efetiva no cargo máximo do Executivo local ocorreu em 1986. ;Violenta e temperamental;, segundo a oposição, Iolanda fundou a primeira Delegacia da Mulher do estado.
As pioneiras da Câmara tiveram uma posição dúbia. Única eleita para a Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1934, Carlota Pereira de Queirós liderou 700 mulheres num movimento de assistência a feridos da Revolução Constitucionalista. Após ser eleita deputada, lutou pela redemocratização do país durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Quase 20 anos depois, também apoiou o golpe de 1964.
Eunice, Iolanda e Carlota inovaram como gestoras ou legisladoras, mas não romperam com o ranço político da época. Eleita, Dilma Rousseff vai tentar deixar essa herança, mas já divide impressões sobre o significado dessa conquista inédita na democracia brasileira. ;Teria sido um avanço se a mulher eleita tivesse protagonismo político. O que se espera é que um presidente tenha um passado. Dilma foi ministra de Lula, é presidente por causa de Lula, que a inventou;, critica o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Octaciano Nogueira. ;Foi um tremendo avanço eleger Dilma como presidente do Brasil. Ela não entrou pela via familiar, não foi escolhida por Lula de forma aleatória. Dilma tem um trabalho anterior, trajetória e coerência política;, rebate Teresa Sacchet, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).
Contradições à parte, a chegada de Dilma à Presidência não é um fato isolado. O Brasil soma-se à Argentina e à Costa Rica, que têm mulheres na chefia de Estado. A primeira da América Latina foi Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile. No cenário local, a vitória da petista ocorre num momento de sucessivos avanços das mulheres na política, mesmo que ainda sejam percebidos reveses, como composição da Câmara dos Deputados a partir de 2011. Em 1994, as mulheres representavam 6,4% das candidaturas para deputado federal. Na disputa deste ano, a proporção pulou para 12,9%, mas apenas 3,2% conquistaram o mandato em 3 de outubro. Há quatro anos, a proporção foi de 6,9%.
Na Argentina e na Costa Rica, onde as presidentes são mulheres, 38% dos membros dos parlamentos são do sexo feminino. No Brasil, a proporção feminina na atual legislatura é de 8,9%. Entre os países da América Latina, o índice é superior apenas ao do Panamá (8,5%). Um estudo da USP conduzido por Teresa Sacchet mostrou que as brasileiras gastam em média metade do que os homens em suas campanhas. Elas também recebem menos apoio dos partidos políticos. ;Agora, a eleição de uma mulher presidente da República pode incentivar outras mulheres, doadores e partidos;, diz Teresa.
Linha de frente
O país demorou a ter as primeiras mulheres na linha de frente do Congresso. A primeira deputada a emplacar sucessivos mandatos foi Ivete Vargas, sobrinha do ex-presidente Getúlio Vargas. Ficou na Câmara entre 1951 e 1969, e voltou em 1983. Fez oposição ao regime militar de 1964, mas era amiga do general Golbery do Couto e Silva. Por seu lado combativo, historiadores reconhecem Ivete como um marco da participação feminina no Congresso, apesar do varguismo.
Agora, na onda do lulismo, a primeira mulher na Presidência tem a oportunidade de fazer história. ;Lula vai interferir muito. Ainda vai sair muita faísca;, afirma Octaciano Nogueira. ;O grande avanço está no fato de os brasileiros terem eleito uma mulher presidente da República. E Dilma é sensível para as questões de gênero;, diz a pesquisadora da USP Teresa Sacchet.