Dedicado à transição de governo, onde considera "Dilma a senhora do tempo e das escolhas", o presidente do PT, José Eduardo Dutra, não poupa críticas ao se referir à formação do bloco PMDB-PTB-PP-PR, uma operação que estremeceu a relação entre peemedebistas e petistas. "Foi um movimento atabalhoado e desnecessário". Quanto à Presidência da Câmara, Dutra é direto ao defender o direito do PT de presidir a Câmara por quatro anos: "Existe uma proposta de rodízio feita pelo presidente Temer, que eu não assinei porque disse que ia conversar com os deputados. Estamos defendendo o princípio que era tradição do Congresso e que era religiosamente cumprido até Aécio Neves, que é quem tem a maior bancada indica o presidente", diz ele. Para 2011, entretanto, a prioridade de Dutra é outra: "A reforma política será o grande projeto do PT, vamos chamar o Lula e pregar que essa seja a reforma das reformas", diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.
DILMA É SENHORA DO TEMPO E DA ESCOLHA DO MINISTÉRIO
Nessa largada de montagem do governo, o que podemos esperar? A esquipe econômica sai logo?
O tempo e a definição de ministério despende única e exclusivamente de uma pessoa, a pessoa que foi mandatada para isso por 57 milhões de brasileiros. Ela vai definir os nomes e divulgá-los na medida que ela considerar mais adequado. Poderá ir fazendo aos poucos, como poderá aguardar para anunciar o ministério todo. Não há uma definição ainda.
Mas não existe essa intenção de antecipar a equipe econômica para dar uma resposta ao mercado que está ansioso pelo nome?
Sinceramente eu não vejo essa ansiedade. É lógico que um período como esse, em que há uma transição que está se formando um governo, é natural haver uma expectativa pelos diversos setores envolvidos. População, imprensa setores econômicos. Não tem prejuízo para o governo ou país. Não é tão relevante se um ministro mesmo da área economia, hoje, amanhã ou no fim do mês. Esse é um governo de continuidade. A presidenta já disse os compromissos dela, e que, portanto, a garantia da condução da política econômica é dela. As pessoas vão ser escolhidas em função da capacidade de implementar uma política que vai ser dela. Não acho que seja urgente a indicação de nomes.
Os ministros do PT, no caso, ela vai escolher dentro do partido ou é o partido que vai dizer quem são?
Todos os ministros não só do PT quem vai escolher é ela. É claro que os diversos partidos têm a tarefa de sugerir nomes. Agora, a competência da escolha é dela. Nenhum partido vai nomear ministro. Pode ter um consenso que o partido apresente o nome e ela concorde.
E o vice-presidente Michel Temer vai participar dessa composição junto com ela ou os ministros quem define é a Dilma?
Quem indica os ministros é a presidente, mas eu não tenho dúvida que esse processo, da mesma forma que o vice-presidente está participando dessa coordenação política, com certeza ela vai ouvir o Michel Temer. Para ela forjar uma ideia uma definição dos nomes é claro que ela vai conversar com os partidos, com as pessoas que a cercam, com o vice-presidente. Essas conversas servem para ajudá-la a construir um juízo de valor sobre a pessoa. Mas a partir do momento que ela definir que é fulano de tal. Esse fulano vai ser ministro.
O que significa a generosidade que o PT tem que ter no próximo governo? É, para acomodar os aliados, abrir espaço?
Nesse momento, não existe essa coisa de abrir mão. Não há nenhum partido que seja proprietário de espaço no governo. Não há do que abrir mão. O governo vai ser montado com a participação dos partidos, mas nenhum partido é proprietário dos ministérios que hoje ocupam. Não existe direito adquirido na relação de ministério com partido político.
Nessa semana, o PMDB tentou formar um bloco. Como o senhor vê esse bloco?
Foi um movimento atabalhoado e sem necessidade. Do ponto de vista parlamentar, esse bloco nesse momento não tem nenhum efeito prático. A definição dos espaços na Mesa e das comissões ocorre só no início da legislatura e portanto fazer qualquer mudança na estruturação de bloco na Câmara não tem efeito prático. Do ponto de vista do governo, não sei se a intenção foi essa, mas também não tem sentido porque não há nenhuma definição ainda por parte da presidente em relação a espaço no governo. Levei para ela todas as informações coletadas nos partidos e de lá para cá não houve nenhuma definição dela do próximo passo. Acho que ela está ainda maturando essa questão e pode determinar que eu volte a conversar com os partidos ou pode ela mesma resolver conversar.
Esse bloco enfraqueceu o PMDB na correlação de forças pela Presidência da Câmara?
Existe uma proposta de rodízio feita pelo presidente Michel Temer, que eu não assinei porque disse que ia conversar com os deputados. Defendemos o princípio que era tradição do Congresso Nacional ,que era religiosamente cumprido até o Aécio Neves, que é quem tem a maior bancada indica o presidente. A composição da Mesa da Câmara e do Senado tem que representar o Parlamento, tem que representar a expressão que foi conferida pelo povo na eleição de deputados e senadores. E não pode ser confundido isso com a relação com o Executivo. Se um governo tem maioria num parlamento, a maioria da Mesa vai ser de partidos da base do governo. Mas isso não pode desconsiderar que os partidos de oposição também são legitimamente parlamentares e devem estar representados na Câmara. A tradição que existiu até 2001 era que o maior partido indicava o presidente e isso deve ser resgatado. Agora nada impede que possa haver um afunilamento para um revezamento. Por que não estamos concordando nesse momento em estabelecer uma proposta de revezamento com o PMDB? Se é para discutir revezamento é para incluir o Senado. E segundo e mais importante, nesse momento não vemos muito sentido em estabelecer um acordo PT-PMDB que exclua os outros partidos da base e da oposição. O que temos reafirmado e o próprio presidente Temer tem dito é que não vai haver disputa entre partidos da base nem no Senado nem na Câmara. A forma como vai afunilar isso, tem tempo para fazer.
Os senadores do PT dizem é que se há um rodízio numa Casa, há na outra também...
Os senadores defendem o princípio da proporcionalidade e da bancada majoritária indicar o presidente. Está se discutindo formação de bloco no Senado, mas com a preocupação de que isso não implique em ter um bloco maior do que o maior partido, liderado pelo PMDB. Para demonstrar que a bancada no Senado quer aplicar a tradição que está insinuado no regimento das duas Casas. Se se discute cenários diferentes na Câmara, o Senado também pode começar a discutir também e se for o caso propor revezamento também. A bancada do Senado também vai convidar o presidente Michel Temer para discutir isso.
O senhor não acha que a condição do Temer de vice-presidente eleito, presidente do PMDB e presidente da Câmara, confunde um pouco o papel que ele tem?
O Michel Temer é um político experiente, sabe perfeitamente, distinguir os papéis e os momentos que ele tem que agir como presidente do PMDB e o momento que ele vai ter que agir como vice-presidente.
Mas a presidente eleita pediu para ele ter um posicionamento claro e não ser mais um representante partidário.
A partir do momento que ele é vice-presidente, ele, naturalmente, vai agir assim. Embora mantenha a posição de presidente do PMDB, na condução que ele tem feito até agora não estou detectando que ele esteja deixando de ter o papel de vice-presidente eleito.
Quando ela se reuniu com os governadores ela tratou com eles de ministérios. Um dos critérios para o preenchimento dos ministérios não seria também o estadual?
Esse xadrez é um sistema com várias equações e várias variáveis e todas tem de ser consideradas. Você tem a representação política, onde os partidos serão contemplados. Mas claro que você não poderá compor um ministério somente com paulistas ou mineiros. Temos de considerar a distribuição regional e de partidos. É natural, os governadores são agentes políticos importantes, mas ao mesmo tempo a relação no dia-a-dia do governo é com o Congresso Nacional. Você precisa ter uma combinação. Se o governador tem a sugestão de um nome, é importante que ele leve esse nome para discussão com seu partido e sua bancada. Caso contrário ele será respaldado pelo governador, mas não por aqueles que no dia-a-dia estarão defendendo os interesses do Congresso.
Existirá o princípio de contemplar candidatos derrotados nas eleições com ministérios?
Ninguém tem cargo garantido na Esplanada. Temos de levar em consideração que em 2002 a aliança que elegeu Lula era muito menor do que a atual, por isso o PT teve muito mais espaço. Não podemos estabelecer um ministério de derrotados, como se fosse um prêmio de consolação. Isso não pode ser critério, mas também não pode ser veto. Não é por perder uma eleição que a pessoa não pode ser contemplada. O critério que vai nortear a escolha é a representatividade política e a capacidade técnicas. Ela escolherá as pessoas capazes de implementar os projetos daquela pasta específica.
Isso inclui um Banco Central desenvolvimentista?
Banco Central é uma questão a parte, não há especulação de políticos vencedores ou derrotados para ir para o lugar. Não vou fazer especulação sobre perfis sobre possíveis futuros presidentes do BC porque é uma pasta especialmente sensível.
E em relação ao orçamento, Dilma definiu as prioridades para cada pasta?
Já existe uma proposta orçamentária do Congresso Nacional, que naturalmente necessitará de algum ajuste pelo governo eleito. Mas não acho que vá existir grandes alterações. Grande parte do orçamento brasileiro já é engessado.
Como é que se escolhe um ministério? A parte do Palácio, que é mais pessoal é escolhida primeiro?
Este modelo ainda está na cabeça dela, vou ser sincero em dizer que não tenho essa informação, mas também não diria se tivesse. Ela é senhora do tempo e da definição dos nomes. Se ela entender que a medida em que ela formar convicções sobre nomes ela deve ir divulgando, entender que é melhor anunciar as pastas em blocos, ou todo o ministério de uma vez, é tudo legítimo. Em última instância essas pessoas vão sentar nessas cadeiras apenas em 2 de janeiro.
O presidente Lula disse querer participar do processo de reforma política. O partido está pronto para dar o apoio necessário?
O PT tem de encontrar formas de fazer com que esta questão não seja meramente retórica. Todos dizem que são a favor da reforma política, mas entra ano e sai ano e a reforma não sai, nada muda. Por uma questão simples: a reforma política não é fácil de fazer. Quando você acompanha qualquer discussão no Congresso Nacional, você vê que tem os líderes da bancada e os especialistas da matéria. Só que a reforma política tem 513 especialistas na Câmara e 81 no Senado. E mais, todas as pessoas quando sentam na cadeira de deputado tem o seguinte raciocínio: tudo bem que a legislação é ruim, mas com ela eu consegui me eleger. Será que eu conseguiria se a legislação mudasse? Então é da índole da natureza humana que o Congresso seja conservador com relação a isso. Portanto é necessário que a sociedade deixe de encarar a reforma política como assunto de político. Está em jogo o grau de democracia, de representatividade política, o modelo eleitoral. Isso tem de ser uma demandada da sociedade. Com relação ao Lula, se ele diz que vai se empenhar nisso, temos de soltar foguetes. Um homem com a experiência, conhecimento e a representatividade que ele tem, será um aliado importantíssimo. Depois que ele descansar, o chamaremos para uma conversa para construirmos uma agenda de debates com o PT, sociedade e outros partidos, para transformar a causa da reforma política em uma causa de Estado. Isso não é interesse de um partido ou governo, mas do Estado brasileiro. Acho que a reforma tem de ser tocada já no ano que vem.
O voto distrital seria positivo para o país?
Sou contra o voto distrital porque ele distorce a representação. Você pode ter um partido que chega em segundo lugar em todos os distritos, tem 40% dos votos, e não elege ninguém. Nos países em que há voto distrital, como a Inglaterra, a última eleição reforçou sentimento de mudança, porque um partido teve 30% dos votos e elegeu 10% dos representantes. Ele prejudica a legítima representação das diversas correntes. Eu defendo o voto proporcional. Admitiria, como opinião pessoal, um modelo misto. Seria um meio-termo em que você teria o voto proporcional na lista dos partidos e a outra metade seria nas pessoas. Você diminuiria a crítica ao voto em lista, que diz que haveria votos indiretos. O problema no Brasil sobre o voto distrital é como definir os distritos. Temos muita diferença de densidade demográfica. Um bairro de São Paulo seria considerado equivalente a um estado como o Amazonas. Mas é certo que este tema não admite preconceitos. No mundo, ou temos votos proporcionais em lista, ou temos voto nominal em eleições majoritárias, que é o voto distrital puro. Agora, a combinação do proporcional com o majoritário, como o brasileiro só tem igual na Finlândia e tenta conciliar o inconciliável. O parlamento é sempre a instituição menos confiável para a sociedade por um fator simples: apenas 30% dos eleitores votaram em deputados que se elegeram. Logo, 70% não se sentem representados de cara. Isso não aconteceria no voto em lista, já que você vota no partido e é o partido que vai para a Casa.
Existe uma questão de financiamento. A maior parte dos governadores tiveram prestações ocultas nestas eleições;
Não concordo com o termo doação oculta, porque o fato de haver a doação para o partido não significa ser oculta, porque a legenda vai prestar contas do dinheiro que recebeu. Há uma contribuição no tribunal ao decidir que o mandato é do partido e, se quer impedir que um doador doe para um partido ao invés de para o candidato, quando isso deveria ser a regra. A questão do voto em lista tem outro elemento. Somente com ele seria possível conciliar o financiamento público, pois diminuiria o número de candidatos e baratearia as eleições. Você não vai ter de forma individualizada e isolada milhares candidatos fazendo suas campanhas.
O senhor defende uma assembleia específica para isso?
Em tese sim, mas é uma posição utópica. Ora, se a gente tem dificuldade em que o deputado se proponha a votar a reforma política, você acha que um deputado votaria por uma proposta de criação de uma assembleia para outras pessoas definirem essa reforma eleitoral? Ainda, as constituintes se dão em momento de ruptura. Temos de nos debruçar sobre a tarefa de fazer o Congresso aprovar isso. O PT vai jogar pesado para aprovar a reforma política. É a nossa prioridade.
A reforma tributária seria a segunda da lista?
No sentido amplo do termo, acaba não avançando em nada. Tem alguns pontos que tem de ser atacados. Por exemplo, a criação do Super Simples já foi uma reforma importante. A nossa presidenta já falou que iria ampliar os limites de faturamento das empresas, para que mais pessoas possam entrar. A desoneração de investimentos, da folha de pagamento das empresas, são medidas tributárias importantes e que podem ser conduzidas. O problema desses temas é que se tenta abraçar o mundo com as mãos. E como muitas tratam de propostas conflitantes, você tem dificuldade de tratar. Na reforma tributária, como na política, o razoável é inimigo do ótimo e o ótimo é inviável. Precisamos ser minimalistas.